sábado, abril 30, 2011

A RESIGNAÇÃO LEVA-TE PARA ONDE OS OUTROS TE QUEREM LEVAR

 

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Ter a coragem de procurar e construir a liberdade, a nossa liberdade pessoal, supõe atender-se à aprendizagem dolorosa da independência, não temer apostar nos desafios das diferenças e aproveitar, com inteligência, a fecundidade, mesmo que circunstancial, das nossas histórias, paixões e energias. O julgamento normalizador, normalmente cínico, de feição vigilante e paternalista, oriundo de poderes múltiplos de duvidosa legitimidade, constitui a ameaça que importa saber nomear, desaprovar e, com força moral, travar com ele o combate necessário.

Para a compreensão das suas origens, importa lembrar que a definição do aceitável foi, ao longo de tempos mais recuados, direito quase exclusivo das minorias dominantes, da religião e do Estado. Regulava-se a vida de todos e de cada um de nós a pretexto da coesão moral e social que convinha respeitar e manter. Eles e as suas pretensões, umas confessáveis outras nem tanto, ditavam as normas do admissível e traçavam os limites toleráveis dos desvios. Assim se arquitetavam as referências morais a serem observadas e os comportamentos que as enalteciam.

 

sexta-feira, abril 29, 2011

OS QUATRO

 

Nota pessoal – Quando o aparato a 4 vozes precisa e se serve de tanto “poder simbólico”, é no silêncio que elas buscam que se trama a ocultação das razões que desejam reprimir.

 

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A dissolução da Assembleia foi o pretexto para que o atual Presidente da República transferisse para Belém as comemorações oficiais do 25 de Abril. Seguiram-se quatro discursos do atual e de cada um dos ex-presidentes. Quatro discursos que poderiam ter sido um, tal a sintonia, tal o encaixe e distribuição de papéis, tal a comunhão de análises e soluções.

Disseram-nos que todos somos responsáveis pela situação a que o País chegou, todos! Disseram-nos que os portugueses andaram a viver acima das suas possibilidades, que quiseram ter casa e educação para os filhos. Disseram-nos que o Estado gasta para lá do que pode com escolas, hospitais estradas e afins. Disseram-nos que o que ainda nos vai valendo é a União Europeia – e agora o FMI – para nos acudir nas aflições. Disseram-nos que vêm aí tempos ainda mais difíceis, tempos de brutais sacrifícios e dificuldades. Disseram-nos mal dos partidos, de todos os partidos e que é tempo destes porem os interesses do País à frente dos seus. Falaram-nos da dívida, do défice e da crise, e que agora não há outro caminho, que não há alternativa, que não seja a da união de todos, a união nacional, para apoiar e aceitar esta cruz.

 

quarta-feira, abril 27, 2011

ÀS VEZES DÁ-ME ASCO VIVER NESTE MUNDO

 

Reação de José Mourinho após a derrota no Super Clasico

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O que ainda Mourinho quer ser, para além do que é, nem sempre depende ou dependerá dele. A ideia que se tem é que o que dele depende, facilmente se torna paixão indisciplinada ao contrário do que era suposto ser útil e necessário. A agitação irreprimível, leva a crer, sufoca-lhe a quietação desejável, a energia torna-se incontrolável e essas ondas alterosas parecem atirá-lo para margens virtualmente danosas. As possibilidades por si imaginadas de ser e de conquistar desafiam a realidade e esta passa a ser, e isso é que é comovedor, por ele julgada através dos possíveis que se tornam na sua referência absoluta de estar e desejar. Mourinho corre, em permanência, o risco de sonhar sonhos que o fazem, persistente e pateticamente, desprezar uns e invejar outros, fazendo flutuar os critérios de julgamento ao sabor dos seus devaneios temerários. Os desmandos, neste patamar competitivo em que se encontra, começam a ser sinais dos limites que Mourinho não aceita ou nunca aceitará reconhecer.

O futuro dirá da pertinência desta minha ousada percepção um tanto ou quanto intuitiva e, muito provavelmente, ingénua, dirão outros. No entanto, sincera é. Importa confessar …

terça-feira, abril 26, 2011

UMA LOUCURA SAUDÁVEL

 

0000073852Acabo de chegar de umas pequenas férias e não resisti, por um masoquismo prazenteiro, a sofrer comprazido com as falas de Sócrates e da Judite de Sousa, nessa neutral e convincente SIC. Apenas um brevíssimo, e como sempre, modesto comentário. Sem qualquer pretensão de previsibilidade de ganhos, Coelho será nestes tempos de proximidade política, um presumido estagiário de sacristania no altar da sede da diocese política num confronto desigual com esse arquiepíscopo, igualmente presunçoso, que apresenta teimosamente uma obra desmerecida e, como não bastasse, uma nobreza de qualidades que não tem. Durante essas falas altaneiras, Sócrates consumiu todo o tempo, não a responder à saloiada questionável da Judite mas, a bater nesse engravatado sumido que se dá pelo nome de Coelho. Mas esta é a comédia-drama eleitoral montada pela bajuladora e despudorada comunicação social que assim trama o mais familiar procedimento de exclusão, ou seja, tece aquele silencioso interdito que define os sérios e os outros, os atores e os figurantes, os responsáveis e os loucos. Por mim, dá-me gozo conservar a saudável loucura de figurante galhofeiro…

quinta-feira, abril 21, 2011

NAS CRISES, A ARROGÂNCIA TEM POR DESPREZÍVEL O SOFRIMENTO

 

O tema da dissolução da Assembleia, dos seus motivos e consequências, leva a “comunicação social sem contraditório”, nas suas relações de interesses sempre inconfessáveis, a agendar para o debate mediático o VALOR DA RESPONSABILIDADE ao associar a CRISE – eterna para uns, supostamente conjuntural para outros e inexistente para uns quantos – à atual crise política, de modo a que esta dobre a primeira, tornando aquela de segunda ordem.

 

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Imagem obtida em Sara Alves – Escritos

Neste ardil ideológico e político de esperteza duvidosa, ao qual se acrescenta deliberadas e diversas fulanizações para compor as encenações de magia que interessam, pretende-se, tão-só, persuadir os incautos de quem merece ou não a confiança, no futuro próximo e urgente, de governar. E com esta prestidigitação parteja-se a noção de “arco de governação” tartucificando quem merece ou não aceder à governação, contrafazendo as exigências e as condições dessa mesma governabilidade.

 

terça-feira, abril 19, 2011

A DESAGREGAÇÃO DA EUROPA E A CAMPANHA DO FIXE MÁRIO

 

ANTES CLONE DO QUE COLONO

O Fixe Mário é europeísta convicto e, sobretudo teve a arte e o engenho, quem diria, em ser dos primeiros a denunciar os perigos da desagregação europeia em virtude desse desditoso neoliberalismo que, segundo ele, está na origem da crise global e está longe de ter passado. Profetiza o Fixe Mário, com aquele ar de avô bonacheirão com que, vezes sem conta, diverte os simplórios mais desatentos.

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Imagem obtida em A Especiaria: A ESTRANHA LUCIDEZ

Apesar de tudo, o Fixe Mário não deixa de se exibir um entusiasta do projeto europeu porque, para além de outras bondades, o projeto prometia e comprometia-se a respeitar em absoluto a justiça social com direito aos cuidados de saúde, tendencialmente gratuitos, ao ensino, para todos, e à segurança social, na doença e na velhice, criando assim verdadeiras sociedades de bem-estar, como nunca tinha havido, em parte alguma.

Mas os portugueses, como sempre abusadores, convenceram-se de que pertenciam, definitivamente, ao chamado primeiro mundo e começaram a viver acima das suas posses, como se alguém lhes tivesse, alguma vez, segredado tamanhos benefícios. Mas o mundo evoluiu e atraiçoou o Fixe Mário desacautelado. Não se sabe bem se chorou ou chora e porquê, o colapso do universo comunista, que reputa de um colossal embuste que instou, não se sabe se bem ou mal, os regimes do Leste europeu a converteram-se em democracias e, atrevidamente, a quererem integrar-se na entusiasmante e prometedora União Europeia.

sábado, abril 16, 2011

A CARTA

 

1234299641Querido amigo,

Mereces este desabafo e eu, muito provavelmente, a necessidade de respirar. Depois de, naquele dia do meu aniversário, ao jantar, teres tido a paciência e a generosidade de me escutar, senti hoje a necessidade de acrescentar algo ao pouco que, nesse dia de revelação recíproca de memórias, tive a coragem de confidenciar. Hoje, penso que não se trata de coragem mas apenas do pressentimento egoístico de uma satisfação rara e antecipada de partilhar contigo fraquezas e receios mantidas numa intimidade muito particular e pessoal.

Sinto que tenho uma personalidade que, sendo obviamente única, é muito própria e singular. Disseste-o e tens razão. Sei que não me revelo, como tu bem sublinhaste, mas não te confirmo que me acho permanentemente de mau humor com a vida. O meu estado de espírito parece dividir-se, a todo o momento, entre uma intimidade feita de explosões surdas e silenciosas e um retraimento deliberado sobre mim mesmo, procurando mostrar uma imagem social de tranquilidade e de coerência. Vivo, como podes imaginar, abalado em identificações persistentes e fatigantes em que o eu, os outros e o mundo se me atravessam numa desarmonia vivida e sentida continuamente como desconcertada e incómoda.

Reconheço que não tenho força nem coragem para me reinventar. Não o mostrando, é-me evidente a percepção de que os recursos me escasseiam para o tentar. Defendo-me, confesso, exibindo o que sei não ser e, com receio de que os outros descubram, ufano-me de ser o que não sou. Lamento ter de te dizer que é deste modo que me prendo à minha realidade de não ser e que, com base nesse orgulho imaginariamente construído, ajusto as múltiplas e necessárias justificações aos “outros”, que igualmente concebo, tornando as minhas falsas razões bem úteis, apesar da incomodidade do peso, sempre presente, do seu desconforto íntimo que teima em me atormentar e castigar.

É na violência desta sabedoria forçada que exponho a minha teimosia pateta e a minha igualmente triste arte de dissimular, adaptando-me ao que tenho e ao que sou capaz de ser, imaginando e urdindo sortes e satisfações a partir de pequenos e desprezíveis nadas. Por ideologia, tenho necessidade de me afirmar politicamente de esquerda mas, confesso, convivo bem com as ordens que me aquietam e, sobretudo, as que evitam outras que desafiam crispações que, com toda a sinceridade e naturalidade te digo, dispenso. Sinto-me ridículo quando não, sinto-me ser mesmo um tipo ridículo. Procuro o disfarce fazendo questão de me mostrar, por vezes de forma tristemente desajeitada, aberto ao mundo e às suas modernidades mas, no plano existencial, no meu dia-a-dia, oculto com a minha estúpida astúcia empedernida a predisposição singular do meu subconsciente conservador.

Não tenho dúvidas que se trata de um procedimento que funciona e me convém neste dramático desafio de sobrevivência que, embora o admita vitalmente necessário, me indispõe e aborrece. Apesar da sua debilidade, a minha razão experienciada como irremediavelmente enfraquecida, consegue queixar-se, no entanto, que essa desaprovação não aconteça no momento certo mas sempre fora de tempo, em momentos de eficiente distanciamento e lucidez quando, silenciosamente, acuso-me de fraqueza e cobardia. Sinto, embora entristecido, que este é o registo económico que encontrei e construí ao longo dos tempos e me dá a segurança, descoberta permanentemente como falsa, para me afirmar pessoal e socialmente. Critico timidamente o distante sem me comprometer e, com a facilidade e a presteza das minhas avisadas artimanhas, protejo-me de indesejáveis sobressaltos nos meus múltiplos lugares de convivência e de proximidade, quer relacional, quer emocional.

Encontro na ordem dos acontecimentos, com a agudeza que me desconforta, uma explicação para o que faço sem me dar ao trabalho de idear uma autenticidade que me torne sujeito na criação de sentido para o que faço ou devo fazer. Ordeno o corpo a ceder aos gestos para o que o tempo que me sobra nesta ridícula cessão se retire à mente, à reflexão e ao questionamento. Espero, com esta manha bem tola, que os automatismos calem as angústias do vazio e anulem a possibilidade mais do que certa do meu aborrecimento de ser o que estou sendo. Perante a opressão e a tristeza próxima desta possibilidade, decido exigir cada vez mais do gesto e da acção para suprir os espaços possíveis do insuportável desafio de criação de me pensar e reinventar.

Sendo o que simplesmente sou, sendo o que faço, evito o que antessinto ser ousadia e excesso. O tempo preocupa-me porque ele é, para mim, um elemento incómodo neste jogo de possibilidades e projetos. Reconheço, com frustração, que para uns, apesar de lhes faltar o tempo, o escasso tempo que têm não os impede de prosseguir aspirações e construir realizações. Para mim, apesar de o tempo me sobrar, gasto-o repetindo inutilmente tarefas num ritmo pausado mas rigorosamente regulado para que o tempo em excesso se esgote no tempo certo. Não tolero a ideia de que o relógio me estique o tempo pois, esse tempo sobrante, obrigar-me-ia a vivenciar um sentimento intolerável de um vazio próximo com o qual não me quero confrontar. Essa consciência perturba-me mas, a consciência dessa consciência, martiriza-me. Por isso, para me defender, faço render as muitas e variadas tarefas do e no meu dia-a-dia para que o sintoma não surja e, de um modo contundente e pérfido, comprove a inverdade da minha existência que, neste momento, não quero nem aceito questionar.

Como me diz a IDENTIDADE de Mia Couto …

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

É tudo, amigo. Obrigado por me teres escutado novamente. O tempo já me escasseia. Preciso de me distrair. Vou, talvez, regressar ao conforto da rotina que me aguarda... Por que não?

Um abraço.

quinta-feira, abril 14, 2011

FINALMENTE, UM HOMEM COERENTE E DIFERENTE …

 

Têm dúvidas? Não o conhece? Pois é. É ele mesmo. Artur Pereira, porta-voz de Fernando Nobre na campanha para as presidenciais, afirmou que se o médico não reunir a maioria absoluta necessária para ser eleito presidente da Assembleia da República, poderá renunciar ao mandato de deputado e ao lugar na bancada do PSD.

Em que ficamos? É simples; depois da embriaguez das presidenciais, para LEVAR A CIDADANIA À POLÍTICA é necessário, torna-se óbvio, um outro palco, um cadeirão bem almofadado e as mordomices mediáticas e públicas que a AMI não possibilita ou eticamente não pode transigir. Para tal, não é relevante conhecer e debater programas eleitorais.

 

Ele merece esta graça e outras mais …

 

O facebook de FN, naquela fase de enlevo e sedução encorajantes, acasalou bem com a astúcia, com os apoios e com os elogios provavelmente desmesurados dos seus genuínos apoiantes. Mas, o mesmo e generoso facebook de FN tem, por sorte, uma memória feita de lembranças mas não, por adversidade, a resistência dessas lembranças. E em momentos de sobressaltos de identidade, quem sente perturbada a estima de si, reage, tudo fazendo para silenciar o protesto e desterrar a indignação dos atraiçoados. A experiência da irrisão de imagens com que seduzimos os outros e conquistamos o seu respeito torna-se num peso insuportável que, sem esforço, verga com facilidade as colunas frouxas da incoerência.

Daí, com expectativa, aguardei que o previsível acontecesse. CONFIRMEM.

quarta-feira, abril 13, 2011

O “COMITÌU” DO ZÉ

 

Um Zé arrebatado e na sua melhor das retóricas, sobretudo aceitável na abertura de uma campanha onde as múltiplas sortes se jogam, para ele essencial, embora para outros, azares provavelmente pungentes se aproximam, o Zé eufórico e orgulhoso vocifera em pleno “comitìu”; este momento foi uma lição para muita gente. E, sem rodeios, pergunta que Partido Socialista é este que os portugueses puderam ver aqui, reunido em Congresso? 

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Foto do Zé em pleno “comitìu”

Antes que algum sócio petulante se atrevesse à elucidação, o Zé esclarece os cépticos e inoportunos cinzentões do costume. Diz ele; o que os portugueses puderam ver aqui, em primeiro lugar, (foi) um Partido unido. Sim, um Partido unido. Porque este Congresso foi uma grande lição de unidade. A unidade de todo o Partido na afirmação dos seus princípios e dos seus valores; a unidade de todo o Partido na defesa do seu trabalho no Governo, ao serviço do País e na defesa do seu projeto para o futuro de Portugal. Ficamos, finalmente, a saber, que as conflitualidades de outrora não passaram de caprichosos arrufos de galos e que os PEC.s sucessivos (que a partir de agora outros se associam), faziam e fazem parte desse insondável e apetecível futuro que os socialistas veementemente desejam.

Com a autoridade que todos, mesmo todos lhe reconhecem, o Zé faz ver que este Congresso mostrou também aos Portugueses que o PS é um partido com ideias conhecidas e claras. A nossa agenda não é uma caixinha de surpresas, feita de ideias vagas e de palavras vazias. Os portugueses sabem onde nos podem encontrar. Notável. Para além da insigne e incontestável verdade anunciada, que nenhum cidadão ousará, por certo, pôr em causa, o Zé metamorfoseia e verte a desfaçatez em inteligência política, requisito aliás indispensável ao reconhecimento publico do Zé como um animal da polis.

Caros concidadãos, podemos confiar no Zé. Ele promete e sempre mostrou que cumpre o que promete. Aos portugueses não faltam provas dessa honradez e probidade. Ele promete, insiste e persiste defender a promoção do investimento económico, de modo a gerar mais emprego e riqueza nacional e compromete-se, melhor do que ninguém, em tomar a defesa inequívoca da proteção social do Estado, com serviços públicos fortes, eficientes, acessíveis a todos e a todos garantindo igualdade de oportunidades. E se alguém ousa duvidar, o Zé mostra que está à altura, avisando que Portugal hoje precisa, (de) responsabilidade, maturidade política e ideias claras. Hoje. Sim hoje, porque a oposição trouxe o FMI para nossa casa…

Como se pode descortinar, os inimigos são muitos mas todos eles de identidade provada. Portugal foi arrastado para uma crise política que era totalmente evitável. Mas, o pior de tudo, os tratantes decidiram provocá-la no pior momento possível. E quem são eles, pergunta o Zé ao Zé e o Zé responde;  foram todos os partidos da Oposição – extrema-esquerda e direita - unidos numa aliança contranatura. Eles juntaram-se não para construir fosse o que fosse mas apenas por ambição de poder a qualquer custo. Toda a gente sabe que o Zé é firme e não hesita. Com a honestidade que o define e melhor o caracteriza, o Zé revela  que poucos momentos haverá em que a leviandade política e o calculismo partidário provocaram danos tão graves e tão profundos no interesse nacional. Poucos momentos haverá em que são tão evidentes as consequências devastadoras para a vida das pessoas, da irresponsabilidade e da sofreguidão pelo poder. Genial. Ainda ninguém havia dado por isso.

E o Zé não descansa e, nessa estafadela de aconselhar, acentua a importância, neste momento difícil, de uma liderança capaz no Estado e na sociedade. E liderar quer dizer ter responsabilidade, demonstrar elevação, saber propor e saber agir, apelando, preocupado com o nosso futuro colectivo, à não dispersão dos votos em partidos que vivem apenas do protesto, que se auto-excluem de qualquer entendimento e que nunca, nem no passado, nem no presente, estão disponíveis para construir seja o que for. Para espanto dos descrentes e distraídos, desta magna reunião sai, de facto, diz o Zé, um Partido Socialista novo, com ideias claras e vontade firme. Um Partido à altura deste tempo. Um Partido para servir o País.

O Zé não perde pitada e denuncia energicamente os que se escondem atrás dos arbustos, sem apresentarem as suas ideias, sem apresentarem as suas medidas e sem apresentarem as suas propostas. É  muito simples e demasiado evidente, diz o Zé: eles fogem a comprometer-se não porque estejam a pensar no País mas porque estão a pensar apenas nas eleições! Sim, agora sim. As coisas começam a ficar mais claras e a nobreza de carácter do Zé definitivamente convence. Pois bem: chega de aventuras, chega de jogar às escondidas, chega de irresponsabilidades. O momento exige elevação política e sentido de Estado. E para o pasmo de alguns, os menos avisados, o Zé repete: o momento o exige elevação política e sentido de Estado.

O Zé está aí e os portugueses podem estar seguros. Encontrarão o PS, sem olhar a outros interesses que não o interesse nacional. Mas o Zé mostra-se, como sempre, compreensivo com as inquietações das gentes legitimamente preocupadas. Partilho inteiramente esse vosso sentimento, reconhece, mostrando-se irritadissimo com a crise internacional que atingiu duramente a economia portuguesa e fez subir o desemprego e tornou a vida mais difícil para muitas empresas e para muitas famílias e que a sede de poder de uns quantos acrescentou à crise económica esta irresponsável crise política.

Mas o povo, previne paternalmente o Zé, deve perceber que não é tempo para ideias perigosas, nem para desvios por caminhos arriscados. O tempo não é de rupturas nem de cartilhas ideológicas radicais. O tempo é de garantir o essencial: garantir segurança às pessoas, garantir segurança às famílias. O FMI, gente que o Zé diz não tolerar, tem de ser combatido porque o País não se pode dar ao luxo de interromper o caminho que está a ser percorrido. Nos três primeiros meses deste ano, a despesa pública baixou, como nunca tinha acontecido e a receita aumentou. O défice, por isso, caiu.

Se dúvidas houvesse, a mensagem do Zé tranquiliza-nos. Estamos a caminhar bem e o Zé, responsavelmente, apela à nossa confiança porque é tempo, agora, de enfrentar mais esta dificuldade, este cenário de uma ajuda externa que os Portugueses não mereciam e que o PS tentou evitar a todo o custo. Mas os Portugueses contarão mais uma vez com o PS e o seu Governo. Mas, de repente, uma dúvida me sobressalta; como entender que para levantar o Partido Socialista tenha havido necessidade de uma oposição irresponsável ter feito cair o Governo? Por muito que não queira, tenho que reconhecer que esta declaração será provavelmente a única contradição que suspeito existir no discurso brilhante e sincero do Zé …

domingo, abril 10, 2011

AS FRONTEIRAS POLÍTICAS E A “UTILIDADE” DO VOTO

 

Nas eleições de 5 de Junho, salta à vista que a nossa preferência de voto determinar-se-á pelos territórios políticos que definirmos. Ou seja, colocamos a fronteira que os separa entre o PSD e o PS, entre o PS e o PCP/BE ou a rasgar o PS?

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Na minha despretensiosa opinião, a raia entre PSD e PS é um não-lugar de clarificação política. As diferenças exibidas e aclamadas não resistem ao silêncio ruidoso dos acordos profundos. Entre o PS e o PCP/BE, temos um espaço visivelmente fiscalizado e vigiado por múltiplos poderes, interesses e polícias em fraterna cumplicidade. Trata-se de uma evidente linha que divide e separa. Temos fronteira. Rasgar uma fronteira no interior do PS implicaria desafiar a geografia política atual. A esta possibilidade, os socialistas presentes no Congresso Eleitoral do Sócrates anteciparam-se. Agora votem utilmente …

sábado, abril 09, 2011

A PROPÓSITO DAS BIOGRAFIAS FORMATIVAS – UMA PERCEPÇÃO

 

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O que se é tem a ver com o que se pensa e com os sentidos que se dá às situações de vida. A condição humana de seres pensantes e reflexivos é indissociável da historicidade que acompanha as memórias de cada um. Aos acontecimentos que se recordam sobrepõe-se a descoberta das relações que as explicam e as interpretações de sentido que se lhes acrescentam. Procura-se a compreensão do que é passado com os referenciais de hoje e com as representações que já deixaram de ser as da altura. Mobiliza-se, deste modo, a capacidade reflexiva através de uma atribuição que se realiza na busca de uma proximidade intrinsecamente humana do que foi e está mais ou menos distante. Nesta ocasião, formam-se as necessárias e inevitáveis significações crendo em racionalidades carregadas de uma subjetividade interessada. E é, também, nesta permanente e continuada construção, de tempos e momentos cruzados, que se sustenta, assim percepciono, a formatividade que nos projeta.

sexta-feira, abril 08, 2011

NUM CALÃO AJUSTADO, ANTES ARCAICO DO QUE CHUNGA

 

Os mercados, lugar de chavascal dos grandes bordéis financeiros e empresariais, tanto chinfrinaram que catrapiscaram os artistas do centrão na artimanha de um gardanho que anuncia os calotes de outros mas calam as suas trapassas e os seus intentos. Evangelizam pregando as tretas do endividamento de todos nós e a cenaita dos nossos muitos e indecorosos gastos e exigem, a lamber os beiços e com as unhas de fora, a liquidação do graveto que não devemos.

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De ora em diante, Deus é grande e aconselha-nos a pagar. Mas, como Deus nem sempre é testemunha e os ardiúmes na pachacha incomodam, vêm os ensafornados conselheiros dos homens do guito advertir para a urgência de se ser previdente e saber acautelar o futuro. A cartilha chega aos bordéis e a agitação instala-se e espalha-se. Do pé para a mão, os chungosos do circo dão conta do alvoroço e no silêncio das suas chocadeiras, ordenam aos morcões que finjam malabarismos para congraçar a encenação dos desvarios e embelecer a torpeza das intemperanças.

Com a mão na massa e a toque de caixa, aqueles artistas chungosos, mais parecidos com perfumados coninhas de sabão, decidem então atirarem-se aos dispêndios ditos inúteis que tanto fazem salivar os cagalhões engomados, chibos que não vão a votos mas que há muito aprenderam, e bem, a vender gato por lebre e a botar água no feijão para que a miséria não se note. O recato da vilanagem vira sem disfarce, na chafurdice da hospedaria, num entusiasmante espetáculo de alegres berlaitadas dos bunicos engravatados com as perspicazes alternadeiras.

O futuro ganha assim um brilho resplandecente à medida que os lazarentos, com o abate dos seus ganhos “indevidos”, sentem gelar-lhes o sangue nas veias. Na estilha, o farsola conselheiro do homem do guito, com aquele seu ar televisivo de jeco, logo assevera que é castigo merecido para manguelas que nada querem ou sabem fazer e que, a todo o momento, confundem o olho do cu com a feira de Montemor. Basta de pérolas a porcos, diz o javardo de nariz no ar e peito aberto.

As contas, isso sim, é que têm de estar em dia, insistem em uníssono os badamecos desta grotesca estória. Depois das fábulas da carochinha que somos mestres em contar, cochicham eles aos papa-açordas, a vossa felicidade em breve estará de volta e as bichas de bacocos a mendigar ocupação, que tanto vos quilharam, irão desta pra melhor. A alegria dos pequenos nadas será, finalmente, o vosso resgate e nós damos de frosques para o nosso modesto coio.

VIVA A DEMOCRACIA, gritam os gabirus dos lagaços. FONIX, respondem os atrunhados morcões desconfiados.

terça-feira, abril 05, 2011

UMA ACUSAÇÃO ?

Estes - e outros compadres que não estão na fotografia - são os responsáveis por este horizonte onde as possibilidades parecem não existir. Diagnosticar o presente político é tropeçar nestes comparsas que representam, na paróquia portuguesa, as forças que constituem a nossa triste atualidade social e económica. Representam, também, apesar da dramatização mediática dos seus aparentes conflitos, os movimentos conservadores que nutrem o medo das mudanças necessárias, favorecendo o pânico público do temor da transformação que não os serve a eles nem, sobretudo, aos que deles se servem. A sensação de um tempo sem alternativas é uma mitificação que apenas tem como propósito ofuscar todo e qualquer inconformismo. Nesta perspectiva, importa ter coragem e procurar pensar diferente não contribuindo, pelo silêncio ou inação, para a inevitabilidade do que infelizmente existe.

Para vosso esclarecimento, convido-vos a uma visita ao …

“EL GRAN CASINO EUROPEO”

 

Agradeço ao Ricardo Pinto o facto dele me ter dado a conhecer este “achado”.
 
 

domingo, abril 03, 2011

DESCULPEM … MAS A CRISE NÃO É NOTÍCIA

 

A atual crise apenas se junta a outras normalmente caladas. A diferença essencial está nas vozes inabituais que se acrescentam aos protestos. A dualização social no seu movimento perverso apenas desordena as fronteiras da geografia das desigualdades e das exclusões. As redes de solidariedade debilitam-se a cada dia que passa ao mesmo tempo que se vão estrangulando as sociabilidades e as convivialidades. À acerbidade do triunfo do individualismo associa-se a pretensa bondade das desregulações sociais e a estas, alia-se a sentença das militâncias que as contestam. Aos territórios tradicionais das classes alarga-se os guetos das gentes perigosas - feitos de gente rica, de criminosos farsantes e de pobres sobreviventes - que avolumam a realidade das inseguranças e dos medos que angustiam.

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A atual crise, afinal de contas, não é tanto atual como se supõe. As crises do emprego, das relações sociais e de sentido são factos há muito anunciados mas que apenas alguns tinham dado por isso e agido em conformidade. Ou seja, por aqueles que estão atentos às iniquidades e às desigualdades e as denunciam e, sobretudo, pelos que vivem seriamente injustiçados e desapossados. Hoje, o sonho virou pesadelo e alguns mais vão despertando. O mundo prometido dobrou sociedade irracional e manipuladora. Os mundos imaginários de refúgio, está visto, não são solução. Mas, evitem-se a invenção de utopias que aceitam delongas. O tempo não admite esperas. Um forte sentido mobilizador de oposição sólida às perversidades a que nos conduziram estes tratantes é o lugar da utopia necessária. E a ação urgente um critério da sua vontade …

sábado, abril 02, 2011

A “ESTÉTICA DO EU”


Um jovem irrequieto, provavelmente narcisista, pouco dado às exigências das religiões e animado pelos valores da auto-realização e pelos princípios da auto-determinação, apresenta um vídeo desafiante que, ao contrário de outros de sua autoria, escapa ao simplismo e afasta-se da banalidade. Os sentimentos de culpa não lhe fazem companhia e as ordens múltiplas e diversas parecem ser os seus inimigos de estimação. O inevitável é sem custo ladeado e as hierarquias tornam-se, no discurso, raias demasiado ténues para serem acatadas.

                                                                                      O incrível PC Siqueira

Procura deslegitimar, sem negligenciar, os lugares e as exigências fora do seu mundo de desejos e aspirações, sejam eles as religiões, um qualquer deus, política ou algo que o tente amoldar. O padrão social e tecnocrático parece igualmente aborrecê-lo pela plasticidade pegadiça de uma racionalidade instrumental supostamente asquerosa que sustenta tal bitola. A forte e determinada vontade de ser ele próprio respira o ar puro de um niilismo que estimula a busca incessável de sentidos, ao mesmo tempo que arrasa os que lhe oferecem.

A descoberta de nós próprios, associada à vertigem da originalidade, não tolera os modelos existentes posto que, como se sabe, recomeçar de novo a isso constrange. Mas os moldes existem e subsistem e, nessa medida, têm de ser dominados, quando não, demolidos. E nesta contenda, a própria descoberta se confunde com a ideia e, sobretudo, com a vontade de criação na definição de si próprio. E o processo faz recorrer, fatalmente, à imaginação que se quer original nessa impugnação aos conformismos de todo os tipos.

A liberdade do eu confronta-se, nessa ocasião, com os diferentes limites da vida e a autenticidade que se vai inventando, ao desaguar em mares de ondas alterosas, encontra a realidade dos outros e do enraizamento de cada um e de todos na comunidade. E é a partir desta incontornável perplexidade que à “estética do eu” se impõe, penso, adir e edificar uma ética dialógica na formação de si próprio com os outros. O valor não reside nem se pode reduzir à própria escolha mas, isso sim, à preferência de sentidos que se estima na escolha. A autenticidade pressupõe o reconhecimento do outro diferente e, nesse acto de reconhecer, a criação de uma ética que a legitima.

NOTA – Confesso; gostei de ver o vídeo e, ao fazê-lo, senti-me desafiado. Por isso decidi partilhá-lo com algumas observações e breves reflexões.

sexta-feira, abril 01, 2011

EM VÉSPERAS DE ELEIÇÕES, UMA RUPTURA PELA DEMOCRACIA


Consumo-me e desgasto-me a “indagar” políticas, políticos, comentadores e outras redondezas que, não podendo dar ouvidos à política, não se fartam de dizer mal dela, das suas figuras e, por vezes, ajustadamente, dos seus figurões. A política e as culturas que a enformam impõem-se em todos os lugares e a todo o tempo e raiam-nos, na sua habitualidade, como um dado inevitável tanto quanto incontornável é a permanência dos fenómenos do Poder e dos poderes na sua combinação com a conflitualidade que se deduz de perspectivas sociais e existenciais diferentes, quando não claramente contrárias.

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A atual distância dos que fazem política dos cidadãos que pretendem representar, mas que deles se descasam, constitui um sinal dos tempos cuja explicação não é simples nem tão pouco de alcance fácil, designadamente perante as múltiplas complexidades e perplexidades do espesso e quase ilegível mundo de hoje. Algumas percepções, no entanto, vão-se esboçando em consensos cada vez mais alargados e, em simultâneo, trazendo à controvérsia novos problemas e acrescentadas preocupações. Sinalizemos, sob a forma de interrogações, apenas alguns desses problemas e dessas preocupações.

  • Estamos ou não a assistir a uma apropriação indevida e perigosa, por parte dos nossos eleitos, da representação que lhes conferimos através dos nossos votos? O que os faz desprezar a sua condição de representantes? Quais os factores essenciais que os levam a esse assenhoreamento obsceno?
  • Os votos ao significarem, para uma imensidão de cidadãos, frustrações feitas de expectativas e projetos de vida permanentemente atraiçoadas, não se tornarão causa de uma energia que se liberta e favorece um forte e expressivo distanciamento dos cidadãos face à política?
  • Será que a democracia ainda se reduz ao exercício do político e este mantém a centralidade em que aquela se fundamenta? Então, como se explica o sentimento de uma prevalência técnica e tecnocrática no exercício da política? Ou pior, como se pode justificar a progressiva, e hoje acentuada e quase pornográfica, demissão do político a favor do económico e do financeiro?

O exercício político não pode simplificar-se apenas à administração das pessoas e das coisas. Tornar os cidadãos meros consumidores é adormecê-los face às suas exigências fundamentais, exigências intrinsecamente humanas que não dispensam um olhar crítico e uma ação concertada pela criação de condições de existência que favoreçam e promovam a dignidade e a humanidade a esta associada. Ser democrata, verdadeiramente democrata, é ser por uma democracia que saiba dar respostas claras e coerentes, entre outras, aos problemas e preocupações atrás colocadas. Impõe-se AGIR em conformidade. Não se trata de um dever-ser. Trata-se, tão-só, de SER MAIS … exigente e solidário.

Nota: Imagem obtida em http://opuma.blogspot.com

A INICIATIVA DAS NOVAS OPORTUNIDADES – DAS REALIDADES À CONSTRUÇÃO DE POSSIBILIDADES


Pensar e refletir com base num percurso profissional naturalmente formado por factos e situações de convivência exigente e contraditória que prefiguram a complexidade dos referentes que orientam, no fundo, a nossa atividade enquanto profissionais docentes, constitui uma necessidade e, ao mesmo tempo, uma ambição que, espontaneamente, estimula a disposição e a motivação para uma procura empenhada e argumentada de sentidos e significações para algumas indeterminações que esses mesmos factos e situações definem e que, no plano lógico, justificam justas preocupações éticas, políticas, profissionais e deontológicas.

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Exprimir ideias ou pensamentos sobre a temática das aprendizagens, da sua de avaliação e das suas consequências nos planos do sucesso (ou do insucesso), envolve a consciência óbvia de que se entra num universo de múltiplos poderes e racionalidades, dos seus dispositivos e mecanismos de ação, realidade essa que interessa prospectar e analisar, de modo a examinar a complexidade das suas operações, natureza e formas de disposição. Perante a noção exata desta complexidade, nada me custa reconhecer a desconformidade das minhas múltiplas e diversas dificuldades face à vontade e à necessidade que me anima em contribuir, ainda que modestamente, para um esclarecimento útil e proveitoso dessa mesma problemática.

No entanto, não me parece excessivo ou mesmo imprudente dizer, numa perspectiva histórica mais alargada, que a escola tem funcionado neste nosso mundo ocidental como um lugar vocacionado para articular íntima e eficientemente o(s) saber(es) com o(s) poder(es) num sentido de cumprir o ideal da formação de “ordens” e “representações” capazes de educar o “outro”, pese embora as diferentes formas que se determinam com esse “outro” e, nesta perspectiva, destaque-se as formas que se estabelece, em especial, sobre esse “outro”.

É neste quadro de continuidade da ou das culturas e do seu porvir nem sempre linear, quando não crítico ou mesmo antagónico, que surgem as “certezas prontas” provenientes dos múltiplos dogmatismos (dogmatismos, aliás, de toda a ordem – política, pedagógica ou mesmo científica) ou, de igual modo, as “certezas prontas” das “novidades” que propõem uma “nova visão” alternativa da trama educativa, de aparência sedutora na sua intenção humanista e social. Assim sendo, neste quadro sobranceiro das “certezas prontas”, contraponha-se um saber profissional, de natureza arqueológica, que progressivamente se vai sedimentando no dia-a-dia do professor, feito de empenhadas experiências reflectidas e exigentes de resistência e vigilância àqueles apelos de uso fácil, procurando questionar a relação da nossa ação profissional e de cidadania com as verdades múltiplas das realidades educativas, tendo presente a busca inteligente e clara do que se identifica como verdadeiro e, desta forma, esclarecer a si e aos outros as razões que legitimam esta necessária e atenta disputa.



Falar em saber profissional, leva-me a expressar a convicção de que os professores, no contexto da ação educativa institucional, são os atores sociais provavelmente mais aptos na utilização dos sistemas de conhecimento abstracto para mediarem a distância controversa e exigente entre os que produzem esse conhecimento (por vezes, marcadamente disciplinar) e o terreno social e educativo de ação, porque, para além do reconhecimento e a responsabilidade sociais que lhes são conferidos, o seu saber experiencial e reflexivo e o conhecimento concreto e situado das realidades (humanas e sociais), favorecem a recontextualização adequada e relevante do uso desse mesmo conhecimento.

Tendo em atenção o que pretendo dizer, passo de imediato, a uma possível e muito pessoal aproximação à Iniciativa das Novas Oportunidades. Assim sendo, a questão que se me coloca é a de como combinar, neste quadro da Iniciativa das Novas Oportunidades (INO), os temas das aprendizagens, da avaliação das aprendizagens e do sucesso ou insucesso daí decorrente. Eis, portanto, o estímulo que vou aceitar, numa linha de lealdade do que atrás defendi, enunciando num dos seus dos seus aspectos mais indicativos, as controvérsias que se formam à volta desta Iniciativa, não apresentando propriamente respostas mas dando a forma de dúvidas a esses pontos de vista manifestos.

Como introdução, permitam-me que apresente uma leitura, a minha, de um prefácio de António Nóvoa a um livro de Rui Canário sobre a temática da Educação de Adultos. Ao longo da leitura desse texto senti-me provocado a encaminhar a minha preocupação – tendo presente essa ideia mais ou menos hoje socialmente consentida de educação e aprendizagem ao longo da vida – para três elementos fulcrais na justa medida em que eles se constituem como pontos de apoio para o convite a um olhar mais vasto, talvez mais completo e, com toda a certeza, mais compreensivo sobre a abrangência do tema em debate e que se inscreve na natureza complexa e inescapável da permanência educativa e formativa das pessoas ao longo dos seus percursos de vida e dos diferentes contextos que os significam.

Sobre o elemento “tempo”, António Nóvoa leva-me a admitir que a época em que se distinguia o “tempo de escola” do “tempo de vida” é um passado que o presente obriga a repensar e, através dessa reconsideração, alcançar, imaginar e fazer surgir novas e necessárias ideias e perspectivas.

Sobre o elemento “lugar”, António Nóvoa faz-me interrogar como deve a escola, na sua afirmação institucional legítima, com um estatuto socialmente legitimado e com responsabilidades legitimadoras no campo dos saberes e das qualificações, relacionar-se com outros lugares de educação e formação, onde as oportunidades educativas acontecem, por vezes, de uma forma intensa, útil e marcante sob o ponto de vista pessoal e colectivo.

Sobre o elemento “saberes”, António Nóvoa lembra-me, que há muitos saberes e procedimentos que, aparentando ser semelhantes, são claramente desiguais na sua natureza, formando dissemelhanças que convém considerar e reconhecer nas suas diferenças e alcance. Percebe-se, de modo intuitivo e sem correr o risco condenável de aventuras epistemologicamente repreensíveis, que nem todos os saberes cabem no livro da escola nem se produzem nos seus métodos, pese embora o reconhecimento socialmente generalizado da sua importância, tendo em conta o que ela proporciona (ou devia proporcionar), no que ela se adquire e aprende (ou se deveria adquirir e aprender) e é (ou devia ser) no que respeita ao desenvolvimento cognitivo e educativo de crianças e de jovens.


Selecionei algumas notas que me merecem alguma atenção, mais num propósito de pôr em questão do que dar ou apresentar respostas:

Em primeiro lugar, permitam-me que refira alguns números expressivos que, pela sua ordem de grandeza, merecem um exame exigente e desapaixonado; as novas ofertas de Educação e Formação de Adultos (EFA), que não se reduzem aos processos de RVCC, tem hoje cerca de 1 milhão e 500 mil inscritos e no campo das certificações já realizadas esse número ronda os 500 mil adultos validados. Perante estes números, algumas perguntas se impõem fazer; o que está a acontecer? Com que impactos, ganhos e perdas nas esferas do individual, social e económico? Estaremos em presença de uma revolução silenciosa no mundo das aprendizagens, como bem questiona o Professor Luís Rothes?

Neste panorama impressivo, não será pertinente questionar se a EFA é já hoje mais um sistema ou, ainda e tão-só, um conjunto generalizado e diversificado de práticas mais ou menos localizadas? Seja qual for a ideia que em cada um de nós se vai formando, é inescapável o desafio que esta realidade coloca, ou seja, com base no reconhecimento destas transformações, a EFA pode vir ou deve constituir-se num efetivo sistema de massas? No contexto destes números que causam estranheza, uma ilação é admissível; o Estado é encarado, provavelmente por estes adultos, e em particular pelos que tem respondido positivamente à INO, como um Estado não hostil mas, com toda a probabilidade, considerado como um Estado potencialmente aliado. E a ocorrência desta subjetivação cada vez mais alargada, designadamente junto de uma população menos escolarizada, não é algo que se possa depreciar política e socialmente enquanto condição relevante em termos da evolução próxima da educação e formação de adultos.

No entanto, as percepções valem o que valem, mas neste contexto complexo e disputado de subjetividades e de conflitualidade das racionalidades que delas emergem, duas perspectivas se apresentam, designadamente no âmbito do RVCC. Uma das perspectivas, dá por certo que a produção massiva de certificados escolares tem vindo a constituir-se num mecanismo renovado de confirmação das desigualdades sociais. A outra, mais optimista, considera a INO e o processo RVCC como uma aposta mais próxima da ideia de um serviço público e, sobretudo, de uma ideia em prol de uma mudança social mais comprometida com a democratização da democracia vigente
[1].

O campo da EFA, sendo um sector específico e especializado onde as dimensões do “educativo”, do “sociocultural” e do “económico” se defrontam numa interação nem sempre tranquila, é que se torna necessário esclarecer as diferentes lógicas em disputa que permitam, de alguma forma, satisfazer, numa perspectiva de animação comunitária, a necessidade de garantir aos adultos as oportunidades de conseguirem diplomas escolares e, concomitantemente, fomentar a posse e o uso de competências de literacia, sem esquecer, porventura, o desenvolvimento de uma educação pós-inicial que aborde criticamente as relações de poder desiguais da sociedade atual promovendo uma lógica universalista da ação da EFA que não se torne num mero dispositivo paliativo ao desvalorizar projetos de emancipação pessoal e social dos cidadãos em geral e, em particular, dos mais desfavorecidos.

É neste quadro, onde a politicidade das intervenções é evidente e expressiva, que importa tornar claro a exata dimensão, em termos quantitativos e qualitativos, das instituições e organizações envolvidas no âmbito das respostas à EFA – anteriores a esta fase massiva da INO – com projetos político-educativos próprios de cariz social ou integrados em intervenções de desenvolvimento local. A verdade destas realidades e da sua dimensão, que de modo algum pretende por em dúvida a sua qualidade, valor e legitimidade, constitui informação relevante para debater com seriedade, embora sem descuidar a necessidade da urgência, os dilemas ou aspectos críticos que se colocam a este campo da EFA e das propostas políticas mais imediatas. Aguarde-se o pós atual crise política e a nova governança. O regresso massivo dos adultos à "escola" constitui uma força social que não deve, ou melhor, não pode ser já desprezada ...

[1] Rossana Barros, na sua Etnografia Crítica em Educação de Adultos, A Criação do Reconhecimento de Adquiridos Experienciais (RVCC) em Portugal (pag. 205).