quinta-feira, outubro 25, 2012

O MELHOR POVO DO MUNDO OU O DESAZO SONSO DO MINISTRO

 

Passos_Vitor - CópiaO melhor povo do mundo, de facto, aguenta o insustentável. Não só a pobreza, os escassos proventos, a míngua presente ou o horizonte iminente do irremissível desespero. Suporta - e isso é dor infinda - a combinada agiotagem na sua labuta diária sem outro resultado que o de dar serventia ao mando dos poderosos. Nesta cruciante narrativa, esmola-se um necessitado e serviçal trabalho onde a vida se desaprende na sua iniludível devassidão. Amarga-se prolongadamente, no recato da privança, as arengas farsantes forjadas na mesmidade sempre atualizada da perfídia política descabelada. Desses sicários poderes enclausurados na sua arrogância obstinada em durar, imperando.

Sem a robustez de uma expressão em comum partilhada, as palavras desamparadas do sofrimento, mesmo que zangadas, não concedem a essencial rijeza aos caboucos necessários mas provavelmente ainda inensaiados de outros possíveis coletivos. Não chega fazer diferente, importa escavar e laborar a qualidade da diferença. Interessa revolucionar (não para ser o melhor povo do mundo, mas) para ser apenas e tão-só gente responsável, dialogante e imaginativa. No essencial, gente que saiba fazer da humanidade de que é mensageira, um povo cultivador de uma outra destinação, um povo que saiba fundar um outro devir aonde a iniquidade incomode verdadeiramente e de modo consequente.

Não quero, por isso, fazer parte da ficção “vitoriana” dos melhores. Chega-me estar ao lado da vigilância crítica, do fundamento sério e do esclarecimento exato dos problemas. Na busca ativa de outros caminhos e percursos onde a emancipação autêntica, humana e social, não se deixe submeter ao jugo da inanidade. Nesta linha de pensamento político, o sentido de responsabilidade é claramente constitutivo e definidor, designadamente no que às competências de quem nos governa diz respeito. Assim sendo, reitero e acresço; o sonso do Ministro abusou de idiotice e a resposta unissonante e conveniente das divergências …vai (re)tardando.

quarta-feira, outubro 17, 2012

NÃO FOI A MANUELA QUE INSINUOU A SUSPENSÃO DA DEMOCRACIA? ELA AÍ ESTÁ … A SUSPENSÃO

 

Velha Manuela Ferreira leiteDesde 23 de agosto que me reparto (sobretudo) pelo trabalho que remanesce e pela leitura que desfadiga, tarefas no entanto aquietadas – reconheço – pela madraçaria que me cerca neste tempo de inaturável crise. Se o exercício do grito me tem seguido no protesto, o impulso para instruir e amanhar os argumentos que esclareçam a tristura que o acompanha é que não. Repisar o desmarcado que há muito foi censurado e evocar hoje as advertências em outra hora feitas é demasiado estopante (e provavelmente ocioso) tendo em conta a frágil e deliberada militância desta página que, por uma questão de método, sempre a fui alcunhando de GRITOEARGUMENTO.

Sou daqueles piegas que presumem que os valores participam e não se dissociam de todo o tipo de argumentação e, especificamente, que a sua qualidade intrínseca se reconhece com perspicuidade nas práticas que protegem as distintas e diferentes explanações. Se nos raciocínios de ordem científica estes se direcionam no sentido do valor da verdade, nas jurisdições do comportamento, da política e da filosofia, os valores testemunham e acompanham o esteio da argumentação e do seu desenvolvimento (embasando e favorecendo, intencional e racionalmente) opções aceitáveis a admitir por outros, aliás, como ordena a ética de um qualquer acordo que se pretenda legítimo. 

Neste necessário tabuleiro axiomático, interessa-me (talvez com alguma imprudência) confessar, por mera precaução intelectual e alguma disciplina lógica, que me esforço por traduzir os lugares-comuns na sua sedutora cosmética (formada na superfície dos nossos quotidianos), tendo consciência da sua contínua e desengonçada generalidade. Se assim for, como a experiência não se cansa de comigo insistir, os lugares-comuns tornam-se recursos fáceis, acessíveis e utilizáveis em toda e qualquer circunstância dada essa desventurada superfluidade que define a sua natureza. Emerge daqui, desta possível mas incómoda verdade, a sedativa banalidade que o tempo faz com que enseque um qualquer valor argumentativo precedente, favorecendo e proporcionando adesões práticas e mecanistas, quando não aquiescências intencionalmente maldosas.

Acrescentarei ainda, tenho para mim, que a razão maior para que tal aconteça é que os lugares-comuns relacionam-se bem com o que é vivenciado como habitual e que este sentimento feito reconhecimento (puro e humanamente muito próprio) tonifica-se mais ainda com o que importa sagazmente considerar-se de normal. Nestas naturais, engenhosas e distrativas circunstâncias, num impulso só se passa do que se faz ao que se deve fazer, ratificando a norma que robustece lamentavelmente o acostumado que lhe dá berço.

Ora, toda esta lengalenga vem a respeito dos valores da honradez e da responsabilidade que naturalmente acompanham os compromissos e as obrigações que se estabelecem e aos quais se está (como é natural) impelido moralmente a satisfazer. Aliás, o precavido Passos Coelho fez questão, embora acabrunhado e abaladiço pela sua consciência agitada, de o lembrar há dias. Mas, afinal, do que pretendo falar? Dos compromissos – daqueles que hoje não se podem ignorar – quer com a troica, quer com o povo português, realizados pelos ditos “partidos do arco governamental”. Há um compromisso que se estabelece com a CE, BCE e o FMI e um outro com a democracia com base num “show” eleitoral sancionado (quer se queira ou não) pelo voto. Em traços largos, largos embora irremediavelmente contundentes, a dificuldade está em enxergar como a dita consonância (com PS ou sem ele) vai orientar-se perante a impossibilidade prática de respeitar ambos os compromissos.

Caracterizando a dificuldade exposta, poder-se-á dizer que à contradição dever-se-á acrescentar a incompatibilidade. Quanto à contradição, ela torna-se evidente; ninguém se pode comprometer com uma determinada proposição e, ao mesmo tempo, aventurar-se com uma outra que a negue. Todavia, se a contradição – e o termo é decididamente simpático – lesa a credibilidade de um qualquer exercício da política que nela assenta e que, sobretudo, enfraquece o valor e a autoridade da democracia representativa, a incompatibilidade só é possível dissimular suspendendo, por vontade de alguém, uma das suas proposições. Neste particular, e ao que se vê, cumpre-se (assim) o que a Manuela Ferreira Leite sugeriu faz tempo; suspenda-se a democracia e falseie-se a representação. Ora aí está, na intimidade da hipocrisia, é o que temos. Por isso, a democracia saltou para a rua e aí vai recuperando a vitalidade que o institucional (em absoluto) tem vindo a perder. E é em tempos como este, que se capta melhor a importância política e social, porventura decisiva, da democracia participativa e comunicativa que a representação e as suas instituições, com cínica negligência, desconceituam. Para mim, a rua já me é familiar. Não estranharei …

Imagem retirada DAQUI