segunda-feira, fevereiro 25, 2013

O ASSELVAJAMENTO DO TRABALHO

 

QUALIFICAÇÕES?

POR ONDE COMEÇAR?

sem_direito_ao_trabalho_sem_direito_a_indignac3a7c3a3oViajar pelas afastadas terras da filosofia faz bem. Dá exercício ao entendimento, soltando-o (por breves mas proveitosos momentos) da oratória ferina da calculadora e da sua encolhida razão mercantilizada. A urgência em fazer, custe o que custar a bem da pura eficácia da aclamada competitividade – chancela aliás da barbárie do nosso tempo presente – alinhava (com a sua energia) fórmulas e matemáticas incognoscíveis, depaupera (com a sua insanidade) o estudo do conhecer, perturba (com sua insolência) a verdade da perceção e confunde (com sua presteza) o valor e o sentido da dignidade humana. Construído assim (e há muito) o mecanismo da racionalidade capitalista, este força (no lascivo rumor que lhe é próprio) à desistência do pensamento e da reflexividade acolhendo, na troca de uma infame subordinação, as devassas premências das medidas do poder, dispondo do próprio homem como acessível apenso coisificado (e como tal descartável) em avaro benefício do seu jogo ambicioso e ordenante.

A bem de uma humanidade que se deseja, o respeito pelo valor da dignidade recusa que a pessoa humana não seja tratada como sua razão de ser e (em tempo algum) unicamente como um meio. Sendo a pessoa um fim em si mesma, o seu valor revela-se intrínseco e, nesse limite, torna-se certamente pertença do que não pode não ser. Assim, acolhida esta necessidade lógica da impossibilidade do contrário, a dignidade humana desvela-se parte integrante e incontornável da própria essencialidade do homem, não autorizando por isso equivalências nem trocas por um qualquer preço. Posto isto, pergunto-me o que importa destacar numa forma de economia onde o preceito da renda - em matéria de acumulação capitalista - se arroga num despótico e universal fundamento? O que tem a ver então o trabalho com as raízes da dignidade humana ou da rendibilidade capitalista? Neste contexto incerto, o que se pode entender por “trabalho decente” (defendido por Juan Somavia) ou “trabalho digno e com direitos” (expressão frequentemente enunciada por Carvalho da Silva)?

O trabalho humano, ao assalariar-se, esculpe no ajuste da recompensa a sombria incoerência da subordinação que, com uma obscura regularidade, extravasa as decretadas balizas do pacto. Enjeita-se assim (por necessidade feita de elementares buscas) a autonomia da razão, afadigando-a ante obediências a estranhas exterioridades e arbítrios. Reconhecendo a iniquidade, o direito ao e do trabalho intentou circunscrever a vasta largueza dos atropelos procurando outorgar valor à dimensão pessoal e social do trabalho. Criou-se um obrigante direito coletivo, alicerçado num sujeito coletivo com direitos coletivos, em proteção à vulnerabilidade da vassala relação individual de quem trabalha perante quem emprega. Muitos argumentos se invocam, hoje mais do que nunca, procurando cinicamente dissimular os pecados decursivos (velhos e novos) desta vontade que persiste submetida à violência de uma relação salarial que dificilmente encobre a alienação constitutiva do trabalho mercantil.

Com eixo na economia e no suporte ardiloso das inovadoras tecnologias, a globalização vem escorando um poder capitalista extraterritorial progressivamente anulante dos estados-nação. Neste silencioso extermínio dos poderes próximos, e sobretudo com a cumplicidade destes, tiraniza-se o exercício da política e da cidadania ensecando a jurisdição primordial e legítima de vinculação entre governantes e governados. O controlo à escala global, sempre mudo e encoberto, vai-se aprimorando através das engenhosidades de desregulação ao nível da lenta mas incisiva extenuação das legitimidades nacionais. Vive-se tempos de desvinculação, de dessocialização e de individualização com fortes investidas e repercussões nos mercados de trabalho onde emergem novas e adequadas formas de organização do trabalho, a ubiquidade peculiar das novas tecnologias de informação e de comunicação e a precariedade crescente dos enlaces laborais. Nesta mundialização de trabalhadores vulneráveis, que a crise ajuda a aclarar, a urgência confunde-se com sobrevivência e o homem percebe-se mutilado numa humanidade rebaixada e sumida num certo jeito de animalesca urbanidade. Como é próprio da natureza capitalista, sem sincera e consequente afeição pela dignidade da pessoa humana. Mormente quando o trabalho é usado como serventia primária da sua lógica sem freios. Qualificar, sim … mas para que trabalho?

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

A PROPÓSITO DOS LABIRINTOS DO SABER E DA COMPETÊNCIA

images (5)Sou daqueles que ouso prezar o trabalho de competências no domínio da educação e da formação, escolar e/ou profissional, não obstante o meu confesso reconhecimento da extensa complexidade do tópico e da disputa densa que o cerca. Expressa na sua reconciliação sempre incerta com o saber, a controvérsia filosófica que os opõem apresenta-se como um dado constante e comum da polémica apesar das diferenças de partida dos pontos de vista adotados. Resultem estes de modelos que buscam a organização de comportamentos eficazes face a uma ordem de situações ou de outros bem distintos que se empenhem no desenvolvimento de capacidades favoráveis à inventividade de respostas a novos incitamentos.

Não sendo um versado na matéria, atrevo-me a acreditar que a conceção do saber da qual se parte para o debate pode favorecer ou, pelo contrário, embaraçar a natureza e a conflitualidade da sua dinâmica relacional com a competência. Na minha perspetiva, como é óbvio e pacífico, o saber não se confunde com opinião reduzindo-o ao que pensa e crê o sujeito. Todavia, menos evidente e aceite, tampouco se deve tomar o saber como algo liberto dos universos representativos e simbólicos do sujeito que pensa e crê. No plano das aquisições, do conhecimento aos saberes de ação, as ideias de apropriação, de sentido e de uso não devem ser desatendidas em total amparo da pureza do saber, enquanto conhecimento isolado e concebido como resultado impoluto, indiferente ao processo que o produziu e ao projeto intelectual que o convoca.

Conhecer não se estriba na cândida nomeação de conceitos nem no decoranço de enunciados ou definições, nem tão-pouco na aprendizagem mecanizada da algoritmia procedimental. Na sua energia nutriente, conhecer significa compreender e explorar o poder do saber tornando-o numa ferramenta de utilização dotada de sentido e intencionalidade. Se assim for, e em consonância com esta linha de abordagem, o conhecimento não sendo em si nem por si uma competência, ao cultivar-se o seu poder de uso intencional, teórico ou instrumental, ele inscreve-se constitutivamente na formação e no desenvolvimento de competências e destas se provê. Isto posto, ao valorizar-se esse exercício de uso no domínio pedagógico reconhece-se a utilidade educativa e formativa da atividade na apropriação e significação fundamentada dos saberes, tendo ainda como valor acrescido a sua focagem no sujeito aprendente.

O saber exercita-se e desenvolve-se assim através do seu poder de uso reflexivo, extensivo e exploratório, desde os mais comuns e repetitivos às atividades mais exigentes e criativas, incluindo – é bom lembrar e acentuar – os usos que envolvem a dimensão simbólica do conhecimento. Neste quadro interpretativo, as competências (tomadas como poder de um saber em uso intencional) desvelam-se na concretude dos lugares (sociais, culturais ou profissionais) por mediação decorrente de dissonantes e desproporcionados universos simbólicos. Acresce (porém) que todo o fenómeno que envolve saber e competência, para além da inscrição em si das dimensões (representativa e simbólica) atrás referidas, subsome uma outra de natureza relacional. Trata-se aqui de um outro poder que, pela sua mudez presumida, encrenca inutilmente o desejável aclaramento do debate. O objeto torna-se deliberadamente impreciso e a discussão reiteradamente vacilante, quando não … ociosamente desencaminhada.