quinta-feira, abril 24, 2014

A LUTA NÃO PODE ENTRAR EM GOZO DE UMA QUALQUER SABÁTICA LICENÇA

capitalAs boas e veneráveis liberdades do liberalismo são as serventuárias liberdades que assistem o Capital e cuidam da acumulação que o abriga e opulenta. Em jeito de refutação, as liberdades auspiciosas à elevação da dignidade do Trabalho, por sua vez, interessam aos cidadãos em geral e aos trabalhadores em particular. Abraçar ambas tem sido a bandeira da democracia (designadamente a social) e, como tal, o seu excelso intento. A atual crise exibe-nos, todavia, a verdade mascarada mas irrefreável do capitalismo e da sua inumana faceta, sempre violenta e moralmente dissoluta.

Para tal, hoje mais do que nunca, descarna-se a democracia mas protege-se, como convém, o seu esqueleto encoberto em múltiplas e torpes sombras. Chegados a este inaceitável ponto, como pensar tão manifesto e devastador absurdo? Se fui tendo, ao longo do tempo, como certo que a dança da alternância, e das suas sedutoras cadeiras, não era mais do que uma variante aformoseada da mesmidade, estou agora declaradamente convicto da urgência de provocar uma transformação ousada desse mesmo, acriminando a contumácia da ignóbil batota politiqueira.

Assim sendo, importa alargar limites e tudo fazer para corrigir matricialmente a forma de instituir e de organizar a recriação de um novo e diferente viver para as nossas sociedades humanas. No mundo globalizado de hoje, a tarefa encontra-se cercada e minada por uma enrolada e, sobretudo, por uma pervertida e estudada complexidade. Saber onde tocar, e sobre o quê, torna a luta a travar bem mais delicada e, deste modo, a construção e a organização da alternativa necessariamente mais problemáticas. No entanto, não se vislumbra outro caminho. Sobreviver não é viver e, muito menos, pode significar a desistência de viver. Logo, nestas circunstâncias, e tomando de empréstimo uma expressão de Barata Moura, a luta não pode entrar em gozo de uma qualquer sabática licença. Por isso, mãos à obra e briguemos pela Vida reabrindo, como diz o poeta, as portas que ABRIL abriu.

sexta-feira, abril 11, 2014

A LABORIOSA LIBERDADE DE VAGABUNDEAR

127340_Papel-de-Parede-Tempestade-no-mar--127340_1440x900O meu íntimo, embora saturado de um labiríntico de afetos e pensamentos associados, desafia-me a viajar por minha conta e risco, liberto do olhar sentinela dos poderes expansivos e das violências intrusivas de um qualquer Outro, quiçá desorientado no interior túrbido da sua impulsiva presunção. Destes abanões, com o tempo aprendi a livrar-me instintivamente da mesquinhez de uma universalidade socialmente inventada e da mediania de um senso comum adormentado na desnaturada sujeição que a encaminha. Por esse motivo, nesse meu recanto íntimo, guardo este lindo poema de Manuel da Fonseca, com que uma sábia e sensível amiga , num dia de penoso desencanto, me soube reconfortar.

 

 

O VAGABUNDO DO MAR

 

Sou barco de vela e remo

sou vagabundo do mar.

Não tenho escala marcada

nem hora para chegar:

é tudo conforme o vento,

tudo conforme a maré...

 

Muitas vezes acontece

largar o rumo tomado

da praia para onde ia...

 

Foi o vento que virou?

foi o mar que enraiveceu

e não há porto de abrigo?

ou foi a minha vontade

de vagabundo do mar?

 

Sei lá.

 

Fosse o que fosse

não tenho rota marcada

ando ao sabor da maré.

 

É, por isso, meus amigos,

que a tempestade da Vida

me apanhou no alto mar.

 

E agora,

queira ou não queira,

cara alegre e braço forte:

estou no meu posto a lutar!

Se for ao fundo acabou-se.

Estas coisas acontecem

aos vagabundos do mar.

 

domingo, abril 06, 2014

A REALIDADE DA SERVENTIA

visao0411_blog1Participar não se esgota na mobilização. Mas sem esta, é duvidoso que se impulsione a participação. Todos (uns mais, outros menos e alguns absolutamente nada) queixam-se da apatia política. Mas há os que, exaltando-a na cobardia do silêncio, acham que a participação não é propriamente um bem. Pelo contrário – o seu excesso encoraja o conflito social e torna a democracia ingovernável. Nesta escurecida atmosfera, o neoliberalismo encontrou a sua solução. Arruinou um Estado (o Estado Social), erguendo, em substituição, um outro vergado aos mercados (leia-se ao Capital) e, em sequência, transformou-o num obediente regulador absconso e blindado ao controle democrático. Só assim se apreende a legitimação na imposição da austeridade cega, no desdém pelas promessas eleitorais e na canalhice institucional face ao Tribunal Constitucional. Alguém tem dúvidas deste aprisionado percurso ao projeto político de destruição progressiva da democracia? Uma coisa é certa; a apatia política é, para esta gente, a expressão triunfante de um eficaz e oportuno grau de aprovação das suas políticas. Lamento o desabafo, mas aqui reside esta minha desgostosa e angustiada crença!

sábado, abril 05, 2014

UM DESABAFO SOBRE OS HOMICÍDIOS PASSIONAIS E O CORREIO DE TODAS AS MANHÃS

cmanhaA paixão afronta sempre a desprotegida (ou desprevenida) razão castigando-a com a impenetrabilidade estranha, e quase sempre espinhosa, de um caudal complexo de sentimentos contrastantes. No entanto, talvez ainda bem que assim seja pelo desafio incontornável que coloca à presunçosa, embora vulnerável, condição humana. Como é evidente, sempre se sente um deleite aprazível em estar apaixonado, sucedendo, não obstante, e no silêncio de noites mal dormidas, que a emoção rejubilante que se experimenta, afinal, não depende só da nossa vontade e, talvez por isso, cedo se adivinha reiterados e intraduzíveis sofrimentos. A assertividade do consentimento, ou mesmo da liberdade que a ele se alia, logo se emudece na presença viva, e sobretudo agitada, dos sentimentos e das emoções que na paixão se ocasionam.

No entanto, a razão avisada, pela prudência da experiência e do testemunho, não esconde a intensidade da paixão, não mente sobre a possibilidade da sua efemeridade e, sobretudo, não se afadiga em alertar para o achaque primitivo da sua eventual exclusividade. Contudo, nestas circunstâncias, a unilateralidade pode levar-nos mais longe e tornar o objeto da paixão insubstituível e, como tal, originar uma dedicação obsessiva que nele se vai esgotando doentiamente. A paixão é um sentimento tão encantador quanto incerto e, por conseguinte, capaz de aturdir o lado racional dos apaixonados, abrindo um obscuro caminho à inconsciência da potencial violência das emoções (e dos ciúmes em particular), ao arruinar neles qualquer referência ética ou moral. E a partir daqui, tudo é possível. E é neste “tudo” que pode permanecer o medonho da história que tão bem acasala com a ganância de um certo e bestificado jornalismo.

terça-feira, abril 01, 2014

UM ENCENADOR CONVENCIDO, NUMA TRÁGICA COMÉDIA

passoscoelho11Passos Coelho, ontem no Europarque, em Santa Maria da Feira, avisadamente não chalaceou com a supina piada de que neste Portugal-melhor existem pessoas que se obstinam em continuar pior. Absteve-se do ridículo representando-o pela fabulação de um amanhã que luz nos confins desta trapaçaria sem fundo. A exaltação inicial, de que o pior já havia passado, logo se embaciou num futuro assombrado pelas dificuldades que, por pirraça, teimam em não se retirarem de cena. Por isso, condoído, Coelho gostaria de entusiasmar mas, prudentemente, reconhece os limites da palhaçada. Todavia, tal compadecimento não lhe abala a vaidade pelo que fez e ensinou, ousando sugerir que não vale a pena o zelo de aleitarem outros e diferentes cenários. Apenas e só a peça que está em palco e o contrato do encenador é que valem. Contudo, educado eu na minha visceral radicalidade, enxergo que o competente ensinador/encenador Coelho não tenha historicamente aprendido que, ao pensar-se num projeto alternativo, a raiz dessa ousadia semeia-se num outro solo cuja fertilidade se firma, não no terreno da sua entufada infabilidade, mas, bem pelo contrário, num outro de negação resoluta do “seu” presente.