segunda-feira, maio 26, 2014

AS ELEIÇÕES EUROPEIAS E O REAL EMBARAÇO DA INTERNACIONAL SOCIALISTA

Publico_Porto-20140526“Face à gravíssima crise em que a Europa está mergulhada desde 2008, é preocupante constatar a incapacidade dos partidos membros da Internacional Socialista (IS) para formular e apresentar propostas políticas, económicas e sociais que constituam verdadeiras alternativas às políticas neoliberais que estão a corroer a democracia, o Estado Social e a própria União Europeia”, anota o socialista Alfredo Barroso no seu livro “A CRISE DA ESQUERDA EUROPEIA”.

Mas acrescentemos, dele, outras cortesias condenatórias:

(1) “É um problema que afecta toda a social-democracia europeia” que perante o “evidente fracasso do neoliberalismo” não dá sinal de “uma forte reacção política e [de um claro] sobressalto ideológico”, tornando-se, assim, numa “variante social-democrata do neoliberalismo”;

(2) “Agitando a bandeira da ´modernização`”, a social-democracia anuncia uma “terceira via” apresentando-a com enunciados esclarecedores, tais como: “as diferenças entre esquerda e a direita são obsoletas”, “não há alternativa à globalização neoliberal”, “nada temos contra quem consegue acumular grandes fortunas”;

(3) Para além de uma “´colonização` da sociedade civil por uma espécie de ´senso comum neoliberal`, a social-democracia tem vindo a fazer da “empresa” um “novo modelo do Estado, tal como a ´gestão empresarial`, o novo modelo de direcção dos organismos estatais”;

(4) Elevou, igualmente, o “´homem de negócios` e o ´empreendedor` “à categoria de heróis e exemplos a seguir, e o ´empreendedorismo` passou a ser um termo recorrente …” dos seus discursos políticos;

(5) Evitando um elencar mais exaustivo, uma última fineza; “A chamada ´esquerda moderna` foi-se aproximando, assim, da ´nova direita`, claudicando perante a hegemonia das ideias ultraliberais”.

Após o 25 de Abril, ainda eu era um imberbe cidadão, quiseram-me convencer que a social-democracia não era um fim em si mesmo mas, com toda a certeza, um meio humano, e igualmente eficiente, para chegar ao socialismo. Hesitei, provavelmente mais por intuição do que por fundamento, mas o vigor das dúvidas fizeram-me conservar as distâncias. Ao longo do tempo, os tempos mudaram e com eles, as vontades e os discursos da social-democracia também. O socialismo foi para a gaveta e no seu lugar despontou uma imprecisa gestão do capitalismo com preocupações sociais, através da bondade discursiva de um estado regulador capaz ou, numa fase mais adiantada, de um eficiente estado incentivador e garantidor dos serviços públicos essenciais.

Arrastados pela rivalidade do caminhar neoliberal, descuidaram que esse andar se faz, não tanto pelos caminhos amáveis do capitalismo, mas pelos lugares sinistros da sua essência, assente na exploração do trabalho, na maximização do lucro e no agravamento das desigualdades, e que em muito têm contribuído para um estado de classe, progressivamente mais cínico e forte, ao serviço dos objetivos dos múltiplos e diversos sectores dominantes, em particular do ganancioso e globalizado mundo financeiro.

Deste modo, termino como comecei, citando Alfredo Barroso; “O ´centro do centro` é, pois, um território propício a todas as renúncias ideológicas e abdicações políticas, invocando-se sempre os superiores interesses da Nação, do País ou do Estado, consoante a carapuça que cada partido queira enfiar”. Nesta linha de raciocínio, não posso deixar de me questionar até que ponto esta social-democracia em colapso, e a Internacional Socialista que a emoldura, não são sérios culpados pelo tsunami político e social que a União Europeia vivencia, como os resultados eleitorais de ontem atestam. Não conseguindo capitalizar, de forma convincente, os votos do descontentamento e da desilusão dos portugueses, a vitória envergonhada do PS não escapa, também por isso, a esta crítica de fundo. E é pena.

segunda-feira, maio 19, 2014

O EPICENTRO DESTE CONTINUADO ABALO SÍSMICO DO EMPOBRECIMENTO

A 25 de Maio, as raízes do meu VOTO

20110929_espiral.capitalistaO despudorado palavreado de intimidação moralista, que sustenta a mecânica da austeridade, abespinha. Os seus efeitos molestam. No plano material da economia, a sua capacidade destruidora é indómita. Arrasa a riqueza geral do país, destrói a sua capacidade produtiva, arruína o emprego e destina para o exterior uma parte significativa da nossa minguada riqueza. É neste contexto de austeridade e da sua voraz instrumentalidade, socialmente injusta e regressiva, que o governo PSD/PP se coloca ao serviço de finalidades mais veladas do que reveladas.

Os sistemas públicos de segurança social estão, nesta circunstância, na berlinda deste continuado abalo sísmico do empobrecimento. A pretexto da necessidade de redução da despesa pública, devoram-se direitos e rendimentos e entreabre-se a porta pública à cupidez da banca privada com a doce linguagem da complementaridade e do plafonamento. Para o governo, ajustar consiste em reduzir despesa pública e reformar, deformando o Estado. Para as gentes que trabalha significa cortes salarias e supressão de prestações sociais, acrescidos das truculentas arremetidas à segurança social, à saúde e à educação.

É nesta conjuntura, de obstinada investida, que os sistemas de pensões são tiranizados pelos argumentos tão ruidosos quanto enfezados de proteção às gerações futuras. Os jovens desempregados e emigrados, esses, não são futuro e, pela atual ação política, nem presente são. Os reformados e pensionistas, por sua vez, já foram. São hoje parcela a mais na despesa social pois em nada concorrem para a melhoria da competitividade da nossa economia. Valem, por isso, congelamentos, cortes e confiscos. Assim sendo, fica bem ao governo defender os direitos da geração que há-de vir mesmo que à custa dos direitos daqueles que exerceram o dever solidário com os que lhes antecederam.

A discursividade metafórica do pretenso lenocínio social dos aposentados parece exigir, através desta insistente e tonta balela, direito de cidadania a este vagabundear argumentativo neoliberal. Subverte-se a lógica da repartição solidária agitando as bandeiras da insustentabilidade financeira, das criancinhas que insistem em não nascer e dos velhos que teimosamente se aferram à vida, espalhando aos sete ventos a ruína do Estado Social ao mesmo tempo que, assistindo de palanque, o mercado aplaude mostrando-se presente para patrocinar as complementaridades necessárias.

Fazem-se cálculos, procuram-se convergências, trabalham-se limites, introduzem-se fatores e inventam-se taxas, tudo isto acompanhado de outras tantas tentativas bondosas, embora felizmente fracassadas, de empobrecimento das gentes de um país vozeado, por alguns, como cada vez melhor. Estes tratantes fingem ignorar que a solidariedade entre gerações funda-se num princípio que dimana de contribuições pagas sobre os rendimentos de quem trabalha e que a condição essencial para a sua sustentabilidade passa, naturalmente, por mais emprego e melhores salários. Ou seja, passa por uma mudança inequívoca nas políticas económicas que apadrinhem tal desiderato. As eleições europeias de 25 de maio podem, de imediato, nada resolver. Com toda a certeza, porém, podem ajudar. Talvez mais do que se possa pensar. Sinceramente, estou nessa.

 

Imagem retirada DAQUI

quarta-feira, maio 14, 2014

CUMPRIR O DEVER HOJE, PARA GARANTIR O DIREITO AMANHÃ

Eis o princípio original de um sistema de repartição socialmente solidário

8828336990_73b63522b3_0Em bom rigor, pensar e desdobrar uma problemática obriga a um talhar conveniente pelas articulações certas. Sem doutas presunções, apenas com a elementar prudência intelectual, apresentarei aqui, como ponto de partida, uma parte pertinente de um argumentário, que suponho basilar, para aclarar o modo como as políticas que adotam extensamente a austeridade têm como efeito, entre outros, pela ideologia e pela ação, desacreditar e desmantelar os sistemas públicos de pensões.

Neste brevíssimo escrito, pretendo apenas chamar a atenção para a importância do sentido que se abraça quando se representa o esquema de repartição – e não de capitalização, entenda-se – que apoia a visão da natureza da instituição-repartição. Deste modo, interessa esclarecer sobre o que institui ela? A transferência, por cada geração e numa perspetiva individual, do rendimento no tempo (modelo 1) ou, a partilha solidária do rendimento corrente entre gerações, ou seja, entre os trabalhadores no ativo e os trabalhadores reformados (modelo 2)?

A clarificação desta posição de partida não é de modo algum indiferente, quer no desenvolvimento lógico e argumentativo, quer nas implicações e consequências do modelo adotado. Bem pelo contrário. O modelo 1, ao assemelhar-se a um esquema de poupança-reforma, de implicação individual, oportuniza a emergência de uma semântica harmonizável com as ideias de poupança e de segurança e, em consequência, ativa um tipo de subjetividade que a legitima e, sobretudo, a naturaliza. O modelo 2, por sua vez, coloca-se na orbe da solidariedade entre gerações e da natural e necessária responsabilidade social que a escora, tendo presente que um trabalhador quando contribui, não o faz para financiar a sua pensão futura mas sim concorre para a sustentabilidade das pensões de reforma dos seus contemporâneos.

Pois bem! O modelo 1, hoje tendencialmente apadrinhado pelas políticas liberalizantes, tem vindo a impor-se progressivamente como referência dominante na análise e definição das pensões, enfatizando-se a ideia de que cada geração, no período de atividade, deve contribuir de modo a alcançar, aquando da reforma, uma prestação futura, em termos de valor, equivalente. Como se pode facilmente apreender, esta visão avizinha-se da lógica dos esquemas de capitalização que, de modo desinibido, hoje se vai acomodando na mesa das negociações. Subjacente a este artifício persegue-se, importa sublinhar, uma validação com base no isco ideológico de que o trabalhador deve acumular recursos para financiar a sua própria pensão.

Por sua vez, o modelo 2 situando-se no campo da solidariedade geracional, assenta no dever de contribuir previamente para financiar as pensões dos reformados das gerações precedentes, justificando e legitimando deste modo o direito de receber uma pensão no futuro. Trata-se pois de um contrato social/geracional que ao Estado cumpre regular, criando as condições que garantam e assegurem o seu financiamento, nomeadamente pelos trabalhadores e os seus empregadores, não desrespeitando ele próprio as suas obrigações no que concerne aos trabalhadores da administração pública, de modo a proporcionar ao reformado uma taxa de substituição humanamente condigna, tendo como referência o seu anterior rendimento salarial.

Em síntese, a lógica solidária da repartição tem por base a riqueza criada, o rendimento do trabalho e a sua redistribuição sob a forma de prestações sociais, de acordo com regras claras a que se deve submeter a distribuição e partilha no todo social. Pelo que foi dito, e em jeito de conclusão, é assim óbvio inferir que o financiamento das pensões não está dissociado da produção e, naturalmente, da distribuição de riqueza e das respectivas circunstâncias económicas, sociais e políticas. A destruição atual em matéria de criação de riqueza, de emprego e de capacidade produtiva, aliada à transferência de rendimento nacional para o estrangeiro, através da irrevogável dívida, mostra à exaustão que o tema das pensões é, acima de tudo, um problema mais vasto de natureza política que importa alterar, designadamente nos campos económico e social. Através da ação crítica, não desdenhando da pertinência discursiva que a conduz e a fundamenta.

sexta-feira, maio 09, 2014

UMA SAÍDA LIMPA OU … UM BECO SEM SAÍDA?

 

 

Beco sem saída.
Beco sem saída?
(...)
Levanta-te meu Povo. Não é tarde.
Agora é que o mar canta  é que o sol arde
pois quando o povo acorda é sempre cedo.

(Do Soneto do Trabalho, de Ary dos Santos)

Retirado, tal como a imagem, daqui

becoOutras andaduras me têm recreado em desfavor destes meus catárticos apontamentos. Hoje, como habitualmente, acordei bem-disposto e com uma vontade distendida, diria quase selvagem, de fantasiar um mundo ao meu jeito. Neste meio tempo, ao sair de casa, pulsou em mim, por inesperado, o sobressalto de um inconfortável desprazer. O sol não se quis aliar ao ideado devaneio e a friagem do tempo acolitou, quase que de imediato, o esmorecimento do meu inicial e determinado intento. Entreguei-me, todavia, ao rotineiro sabor da “bica” matinal e ao costumeiro descamisar do jornal diário onde, em nada me reanimando, ensecou, de uma vez por todas, a vitalidade do meu auspicioso espertar.

Já azedado, a sempiterna e desapiedada mesmice mediática não me poupou, trazendo-me à leitura gente (falsamente) moralista que reitera em aparecer e comparecer para acidar a minha alma e ensaiar trapacear a minha inteligência. A austeridade, enquanto representação, na base da sua familiaridade doméstica, saltita assim do editorial para as mais diversas e mágicas notícias e destas para os escritos argumentativos que, pela persistência e repetição, têm por incumbência estender e consolidar a opinião que importa. Se a busca da verdade constitui uma infinda e laudável empresa ética e epistemológica, o dizer-verdadeiro não pode deixar de ser a sua condição necessária.

Por isso, é na penumbra desta meia-luz que acontece a transmutação da controversa e disputada natureza da austeridade. Dispõe-se dessa ambivalência e dá-se a volta a uma interpretação de vinculação moralista tornando-a, apesar do seu minguado conteúdo substantivo, numa conveniente e conivente máxima económica. Se esta proposição acarreia consigo algum crédito, importa então sondar a ideia de austeridade e desenredar a instrumentalidade da sua relação com a economia, tendo presente o pensamento que a avaliza e a redefinição das relações fundamentais da organização da sociedade que ela agencia.

A austeridade ao serviço de uma economia política tem apenas uma saída que é, bizarramente, o seu nuclear mas inconfessável desígnio. De acordo com a sua pertinácia ideológica de derruimento social e económico, persegue-se a desvalorização do trabalho, a reposição de uma economia alicerçada nos baixos salários e embarga-se a possibilidade de evolução das economias periféricas face às economias centrais. Deste modo, firmar as disparidades estruturais é o propósito, cimentando, como é óbvio, dependências funcionais de meros abastecedores de trabalho barato, ao mesmo tempo que se procriam dóceis hospitalidades para os excedentes superavitários dos poderosos. Para tal, a austeridade não é mais do que um marcador que vai redesenhando, limpinho, os horizontes políticos e económicos do futuro. De um futuro, afinal, que mais não é do que um beco sujo sem saída.