terça-feira, julho 29, 2014

FOI BOM, PONTO FINAL

feriasNão fazendo coisas muito incomuns, ao longo destes dias últimos, o meu mundo testemunhou-se um outro bem diferente, pese embora a casmurrice desmedida desse encasulado frenesim tecnológico da parentela. De férias, lá para os lados do sudoeste alentejano, flanei por algumas das suas enleantes praias e arribas, deixei-me seduzir pelo gentio veraneante, escutei atrativas e dispersas falações e, como sempre acontece, embeicei-me com a candura dos meus irrequietos sobrinhos netos. A este respeito, e em apoio da verdade, diga-se que, não me sendo fácil tragar as suas apelantes birras, a episódica fervura daí advinda logo se esfria no bigodear manso das suas vivas e engenhosas arteirices.

Gozando esse clima de refolgo e aconchego, arredado da urdida lógica de exceção que nos manobra, resgatei o sentido da liberdade inteira, borrifei-me para o estado de necessidade ajeitado pela crise e, sobretudo, espezinhei o floreio retórico que emboneca o asselvajado buquê da austeridade. A musculosidade desta politicalha, que cacareja a semiótica mercantil de manhã à noite, não foi capaz de abocanhar as minhas vontades nem os meus prazeres impondo-me os seus sinistros valores da renúncia, da contrição e da frouxidão. Não me importa a efemeridade do clímax. Ter afantochado a requisição civil da política da exceção inteirou esse outro mundo diferente. Acresceu-lhe o seu lado humano, vivaz e afetuoso da amizade e da solidariedade. Foi bom, ponto final.

 

Imagem retirada DAQUI

domingo, julho 27, 2014

PROLÓQUIOS

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Lemos mal o mundo e depois dizemos que nos engana.

Rabindranath Tagore (1861-1941)

 

Ver aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante.

George Orwell (1903-1950)

 

Curiosamente, os votantes não se sentem responsáveis pelos fracassos do governo em que votaram.

Alberto Moravia (1907-1990)

domingo, julho 13, 2014

A SAÍDA ASCÉTICA DA INEVITABILIDADE

Doc2A investigadora Raquel Varela (RV), em entrevista ao Diário de Notícias de hoje (13.07.2014), à interpelação sobre se o PREC não foi um tempo de loucura, responde de modo contundente:

Não. Acho que de caos e loucura só numa visão muito ideológica. A verdade é que não estávamos habituados a que os setores mais pobres da sociedade tivessem um papel construtivo na sociedade como aconteceu na revolução. E o que dizer deste período em que vivemos, com um milhão e quatrocentos mil desempregados e 47% de pobres. É um período de ordem? Essa é – igualmente, acrescento eu – uma visão muito ideológica.

No entanto, não sendo certamente uma ordem moralmente justa, não deixa de ser um desregrado ordenamento onde os valores fundamentais, aqueles que dão sentido à vida e à existência comum e partilhada, estão sendo aniquilados na sua autoridade moral e normativa, deixando progressivamente de ter valor. No fundo, parafraseando RV, este ordenamento não mais é do que a ordem do absurdo em que se torna uma sociedade não pensada para as pessoas mas para os mercados, para a eficiência e para a competitividade.

Porque defendo o postulado de que um mundo humano, e socialmente humanizante, se consolida na significação que proporciona sentido, sentido todavia legitimado na grandeza da tangibilidade desses valores fundamentais, não posso deixar de anuir à crítica feita à absurdidade desta (des)ordem vigente. Sonegando ela – esta (des)ordem – valor aos valores humanos mais elevados é a própria vida que perde valor tal como o mundo que desgraçadamente se apouca nessa eversão. A não ser que nos intimem um outro sentido para o nosso sofrimento cujo expediente tranquilizador se possa entrever nalguma ficção de uma qualquer tentadora transcendência, seja ela política ou divina. Será?

quinta-feira, julho 10, 2014

PROLÓQUIOS

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Para que serve o arrependimento, se isso não muda nada do que se passou? O melhor arrependimento é, simplesmente, mudar.

José Saramago (1922-2010)

 

A caridade degrada os que a recebem e endurece os que a dispensam.

George Sand (1804-1876)

 

As massas humanas mais perigosas são aquelas em cujas veias foi injectado o veneno do medo… do medo da mudança.

Octavio Paz (1914-1998)

 

Imagem retirada DAQUI

terça-feira, julho 08, 2014

O VALOR HUMANO E SOCIAL DE UMA ÉTICA TRANSGRESSIVA

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O DESPLANTE DE UMA CIÊNCIA COXA

Os tempos e as vivências, no fluir da sua historicidade, amiúde presenteiam-nos com o desvelamento de inusitadas perplexidades que, sujeitas ao crivo de uma empenhada crítica, notadamente denunciam a insuficiência do álgido, embora altivo, conhecimento económico. Despido este de vida e de humanidade, a favor da sua veneta de (querer) ser ciência inteira, relapsamente repele a discursividade humana e cívica, e com ela, a indeclinável presença e inscrição de orientações éticas e morais na colocação em perspetiva da ação política e da sua sustentação ideológica.

O PAPEL DA CENSURA LINGUÍSTICA

A magia da linguagem tem, neste domínio, uma relevância tão crucial quanto engodativa. Não constando do código linguístico dominante e, como tal, hegemonicamente circulante, há palavras que não se falam e que, dessa arte, na circunstância da sua mudez, calam imensos silêncios amordaçados. Outras há que, causticando a ordem instaurada, de imediato são apressadamente objurgadas por impiedade ou descomedimento. Outras ainda, desdobradas no interior de si próprias, confortavelmente se abrigam das significações inconvenientes ou mesmo incomportáveis.

A REALIDADE OCULTA NA SOMBRA IDEOLÓGICA DOS INTERDITOS

Assim, é neste cortejo de firmados interditos que se vai respaldando a lógica intrínseca do capitalismo, ao mesmo tempo que se acoberta a sinistra natureza do seu modelo económico. Ou seja, um modelo onde a exaltação da inovação e da criação do diferente e do opíparo, enquanto pilares consumistas de um desenfreado movimento desejador alienante, coabita impassível e tranquilamente com 1,4 bilhões de famintos espalhados por este nosso e contemporâneo mundo. Em contrapartida, uma outra ideia, de um diferente modo de produzir e de fazer acontecer, que anuncia a sua superioridade pelas suas preocupações éticas e ecológicas, encaminhadas na superação das reais necessidades humanas, constitui – imagine-se – um tedioso anacronismo histórico.

A CRÍTICA NECESSÁRIA À EMANCIPAÇÃO DO DESEJO

Desejar pelo que não se tem, sempre foi (e será) humano e legítimo. Mas na moldura do consumismo capitalista corre-se um sério risco de transfigurar o circunstancial em necessário, voltando-se o desejo contra si mesmo e assim embarcar num tipo de ideologia reativa e contrária à vida, isto é, num caos que interessa, como é por de mais evidente hoje, às governadeiras desta casa neoliberal cada vez mais global. Por experiência própria, e á base de muita bordoada, aprendi que o recurso à afirmação ousada vale bem mais do que a muleta da negação envergonhada. No essencial, descobri que o desejo emancipado ou criador pertence a uma outra ordem que não a do individualismo e da moralidade escrava do ressentimento e da inveja, típica da ideologia cultural judaico-cristã, tão bem caracterizada por Nietzsche na sua Geneologia da Moral. Por tudo isto, urge ser-se corajoso. Urge saber-se trabalhar uma cidadania fundada numa ética consequente firmada na indignação que esclarece e na transgressão que acalenta. Aos mais diversos níveis e nas múltiplas e diferentes paragens onde o humano e o social se podem e devem entrelaçar livre e produtivamente.