sexta-feira, março 20, 2015

ONDE ARRUMO O QUE SUPONHO ESQUECER?

memorias-do-subsolo

Um mês depois, volto ao GRITO mas desta vez com recônditos ARGUMENTOS…

Sem sossego, surrado pela normalidade da vida, sinto-me sendo o que ainda vou sonhando ser. A heteronímia que em mim se espreita, e me move afinal nesta agitação de ser, encalha numa insubmissa identidade que resiste ao enfadonho subterfúgio de ser apenas um outro incerto. Por isso, para além da fadiga que me cansa a alma, a escrita possível – e que dessa lassidão teima em sobreviver – nem sempre escapa à descrença desse sonho que advém de um estranho e arrebatador desejo, sempre forte e irresistível, que em mim desperta a ânsia ébria de tão-somente sentir ser. Dar vida e voz a tão forte avidez exige de mim a presença, desprendida e tranquila, de uma arguta cumplicidade que a tome e, com verdade e atenção, cuidadosamente a alente. Na ausência dessa reciprocidade, a ocupação da escrita submete-me sem fim ao trânsito inevitável de uma amarga desordem, de um ingrato tempo de entremeio que se afunda numa delicada e extenuante arte de engaste e que, de algum modo, me atormenta e até deprime.

Não tenho ilusões. Sei que as minhas memórias abrigam feridas que não me satisfaz avivar. Na inseguridade da permanência dessa certeza, e da violência do seu silêncio, experimento um singular tempo de fortes ventos incitados por temeridades cogitadas, assim creio, de írritas inquietações. Logo, não sei se o-que-vou-sendo tem as suas raízes no chão da memória que ressignifico, se na cripta do esquecimento que desafio ou – como saberei? – se no baldio da (des)lembrança que decididamente não encorajo. Em consciência, não me sinto encarcerado no interior conflituante dos aludidos povoados e dos seus dissimilares proveitos. O que sei, de um saber sentido, é que deste transcorrido mundo o que me aproveita não é certamente fixar o passado mas, a partir dele, saber esclarecer um porvir que me acalente o ânimo de desvendar renovados horizontes, escolhas e possibilidades, de ainda vir-a-ser. Deste jeito, a vivacidade do esquecimento assim arrumado reanima a ressignificação das memórias que me acompanha nesta penosa faina de escrever.

 

Imagem retirada DAQUI