domingo, julho 28, 2013

O JARGÃO POLÍTICO DO ESTADO NOVO NEOLIBERAL

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Desperte a sua consciência crítica e traduza, com justeza e lisura, o jargão político do Estado Novo neoliberal (usado pelos mercados e seus comediantes), de acordo com Mário Vieira de Carvalho (MVC)[1]

Se ouvir…

… traduza:

Reformar o Estado

Liquidar o Estado

Redimensionar as funções sociais do Estado, requalificar, emagrecer a administração pública

Extinguir o Estado social, despedir, privatizar

Competitividade, modernização da estrutura produtiva

Desemprego em massa, salários cada vez mais baixos, emigração em massa dos jovens mais qualificados

Os nossos credores, as nossas dívidas

Os especuladores responsáveis pela crise e que continuam a ganhar com ela, as dívidas da banca que os contribuintes pagaram e continuam a pagar (a juros altamente especulativos)

Salvar a Zona Euro

Submissão ao Diktat da Alemanha

Legitimidade democrática do Parlamento

Realizar um programa inconstitucional e não sufragado, acabar com a democracia e a sua tralha inútil

Goldman Sachs teve 1,5 mil milhões de euros no primeiro trimestre

Eis para que servem os cortes nos salários e pensões, na saúde, na educação e na segurança social, a subida colossal de impostos, as privatizações dos serviços públicos

O interesse nacional

O interesse dos mercados policiado pelo Estado, isto é, a privatização do interesse público

 

MVC termina, prevenindo:

O estado socialista estatizava os interesses privados em nome do interesse público. O Estado Novo neoliberal privatiza o interesse público em nome dos interesses privados. Há quem chame a isso “salvação nacional”.


[1] Ler o interessante artigo A privatização do interesse público, de Mário Vieira de Carvalho (Jornal Público, 28JUL2013)

Imagem, embora modificada, foi retirada DAQUI

quinta-feira, julho 18, 2013

E SE NOS DÉSSEMOS AO “LUXO” DE PENSAR?

rupturaSabemos, pouco ou muito, mal ou bem, segundo a natureza e a diversidade dos crivos e das jurisdições contidos na determinação desse saber por reputar. Do opinável, marcado pela avita aceitação social do confinante zelo, ao exercício da vaidade no palco das sapiências, malbarata-se o inestimável e profícuo alento na busca aplicada do firmado saber conquistado, reconhecido e depositado na tulha cultural da credibilidade gnosiológica.

Num tempo de densas e desdobradas aparências, ressai o apelante e sedutor artifício das exterioridades que, piscando o olho à soberbia aparecente do opinioso, o faz formigar em infundados desencontros que apenas se aquietam no suposto êxito do obnubilado convencimento. O contingente deslizar de opiniões na superfície das realidades, mistura-se, enleante, no feitiço do entretimento desprezador das finalidades últimas da razão humana. Servindo-se de diatribes, tendencialmente antinómicas de uma outra, mas servil razão, proscreve-se aquele trabalho que agrega, no exercício dialético da crítica – daquele que se ocupa da pergunta e procura, com verdade, uma resposta – a continuada busca material do seu fundamento.

Esta é a minha opinião, uma expressão tradicional e definitiva que, ao fixar, sem mais conversa, o termo de um qualquer desacordo, decide por cissura e abandono, as dificuldades sentidas, porventura, como já insuportáveis. Nestas circunstâncias, o adjacente mas encolhido acho que, convertido numa espécie de crença, sabe a pouco, já que, apesar do disfarce da impulsiva assertividade, não deixa de exibir dúvidas que a exortada adesão à validade de um saber, mais não faz do que o reconhecer como insuficiente, ou de mal a pior, sobretudo como simulado. A distância que separa a representação subjetiva do opinável ao pensamento que busca, pela persistência, a sua consistência e validade epistemológica (ou mesmo ontológica), pelo que em si e para si conta, somente funda a incomodidade desesperante do que sabe ser a facticidade na sua nua e modesta imediatez.

O teórico literário e filósofo Yves Citton, na conferência Como Sair de um Futuro em Crise (Festival de Avignon), conforme noticia o jornal Público[1], à questão “se podemos viver para além da crise ou se é a crise que nos ajuda a viver”, responde:

A crise, que cada vez mais se esquece que não é só económica, mas cujo poder económico asfixia a reflexão sobre a crise social, de valores, filosófica e cultural, é um momento de reflexão. Como se reconhecêssemos que antes da “crise” vivíamos numa estabilidade aceitável, ou sustentável, e quiséssemos a ela regressar. Porquê – pergunta o filósofo. Porque não sabemos viver sem imaginação. Reivindiquemos, primeiro, o luxo de pensar.

Desta redarguição, coloco em relevo sintetizado o tópico sugerido para reflexão, o questionamento da suposta aceitabilidade da era ante crise e a urgência de pensar, apreciado como luxo pela ingénita, embora perversa, asfixia infundida pelo poder económico. Numa perspetiva materialista e dialética, que aqui adoto, diria que a centralidade económica capitalista sempre mereceu, e não apenas nestes tempos de inusitadas agruras, um trabalho ousado e valoroso, não só do ponto de vista crítico e analítico como instrumental.

Assim sendo, no plano crítico, impõe-se desarmar, esclarecendo, o conjunto de presunções em que se cimenta a prática e a catequização que se aprumam na materialização de objetivos sociais de sujeição. No domínio da análise, uma economia capitaneada pela produção de capital, deve ser pensada, não apenas nos seus mecanismos de dominação histórica como também na base material sobre a qual essa dominação se conforta, não descartando, desse crivo, o movimento dialético que a encaminha e lhe é intimamente intrínseco. Enquanto instrumento, importa teimosamente descontinuar a dinâmica sistémica como a economia capitalista organiza a produção do nosso viver, procurando compreender os alicerces do seu funcionamento de modo a poder nela intervir consequente e consistentemente, assumindo com clareza uma vontade pensante, fundamentada e de inequívoca rutura. Do meu ponto de vista, ou a democracia vale, revelando esta plasticidade, ou a existência de um descontentamento, que se vai alargando e aprofundando, pode levar o “luxo de pensar” à necessidade de transposições doutrinais que se traduzam numa séria apoquentação para a dominância material e ideológica dos interesses por demais instalados. Mas não tenhamos dúvidas; a democracia não vale mesmo sem essa apoquentação. Em particular, decorrente da ação dos que se sentem, em consciência, explorados e injustiçados. 


[1] Público, 17 de Julho de 2013, artigo intitulado Pode a solução para a “crise” estar na imaginação, de Tiago Bartolomeu Costa.

Imagem retirada DAQUI

domingo, julho 07, 2013

MOTIVOS MENORES OU RASTILHOS ENORMES?

ng1833581Neste tempo de aposentação, ressumado em circunstância sentenciada ao recolhimento, a acumulativa estranheza das crises – as próprias imersas noutras que se exibem indeterminadas – desassossegam aquela amena solidão que, num aceno de dadivosa solidariedade, me vai recompensando com a liberdade crítica – por resistência aos lugares comuns e por recusa dos valores dominantes – na marcha licenciosa da inelutável demudança, criativa por vezes, de desengano quase sempre. Por aversão, o vicejante espetáculo da nossa governança, tão indecoroso quanto inquietante, salta fora dos meus motivos dando à escrita de hoje um outro estribo que tem como amparo a crónica de João Seixas (JS) no Jornal Público de 30 de junho.

O cronista traz-nos à consideração as revoltas que começam por motivos menores e que, parecendo serem coisas pequenas, se mostram afinal rastilhos enormes. Na Turquia, um parque verde central e popular face a um centro comercial banalizador; no Brasil, tarifas de mobilidade urbana de um país imenso face a milionários estádios de futebol e outras derivas imobiliárias 'emergentes' e efémeras. Ao inverso do que se procura fazer crer, estes conflitos não são locais mas sim extraordinariamente globais, como adverte JS, rematando em jeito acusativo:

São conflitos entre oligarquias e democracias; entre vidas artificiais e vidas reais.

Trazer à colação esta incómoda realidade é, também, testemunhar a vericidade da colonização do mundo pelo capital, através da refinada difusão do poder nas malhas das nossas vidas, amoldando as gentes e governando as existências. É o domínio do bio poder, no exercício sorrateiro de controlo sobre os corpos, a sua circulação, formas e usos do espaço público. Denunciar e desmontar estas redes de poder (e os preceitos que as escudam) constitui um dever de cidadania e de cultura. Talvez, mais do que nunca, vamos tendo a consciência de sermos seres intrinsecamente espaciais, envolvidos de modo continuado na obra, nem sempre coletiva, de espaços, lugares, territórios, ambientes e habitats. Este fazer geografia estabelece-se com o corpo numa intrincada relação com as suas cercanias. As nossas ações e pensamentos moldam (ou participam) assim o (ou no) espaço que nos rodeia e dentro do qual inevitavelmente vivemos, menosprezando por vezes que esta espacialidade é sempre um produto da organização humana e da sua consequente estruturação ambiental ou contextual.

Neste quadro, e para terminar, como mensagem, aqui deixo o remate da REVOLUÇÃO URBANA[1] de João Seixas:

É assim vital não ser arrogante para com a cidade e os seus cidadãos. Agir ecológica e equitativamente, construindo os suportes para a materialização dos direitos urbanos, e assim [atuar] sobre as dimensões e os espaços mais pertinentes, como é o caso da mobilidade e da inclusão social; da escala da metrópole à escala de cada bairro. Em diversidade, em pluralidade, em convivência. A revolução urbana é inevitável. Temos tudo a ganhar se a compreendermos e acompanharmos. Aproximando a Polis da cidade; e vice-versa.


[1] Revolução Urbana

Imagem retirada DAQUI