domingo, março 03, 2024

A INDIFERENÇA RARAMENTE SERVE, NUNCA A DEMOCRACIA

A atmosfera da disputa política do momento tem vindo a tornar-se um clima favorável à inoculação viral da desinformação. Como? Emaranhando cabíveis discordâncias com intentos que, no seu básico, apenas fomentam a corrupção dos propósitos. A democracia deixa assim de o ser quando se entrega vulnerável ao fado da corrupção. Através da falsidade, da detração sistemática, da má-fé, da violência, das arengas de ódio e de outras viciosas artimanhas. A palavra em si fala por si, todavia é na sua sombra que por inteiro assume a vitalidade da desencaminhada intenção. A democracia, e o democrata, não deve, não pode ser indiferente a esta condenável e grosseira sagacidade. Ou seja, apreciando tais conteúdos inteiramente forjados enquanto sinais distorcidos sem correlação com o essencial e, sobretudo, com a sua verdade. Sabe-se que vivemos um tempo pardo de ordinárias “fake news” que ajuda e possibilita formas de corrupção na sua diversificação e intoxicação de ambientes contagiantes. Neste ponto (e em concreto) quando a corrupção da informação tem, no campo político, uma significação moral de consequências sociais e humanas imperdoáveis. 

quinta-feira, fevereiro 29, 2024

UMA GEOMETRIA DECLINÁVEL

A lei económica, hoje mais do que nunca, não só ordena como se apodera do destino humano. Arrasta lógicas, transfigura idiossincrasias e bem se engorda à custa de outrem. A abastança é a meta, a patranha maestria e o domínio condição. Os vinténs dispersos tiveram o seu tempo e a sua sóbria catequese. O mercadejar hoje não atura a palavra doce dessa reza. Quer certezas inatacáveis, logo bem protegidas. O poder da grana não se expõe, é fáctico. Escondido e silencioso manobra o abuso e assenta o roteiro. O fosso ganha distância e o castelo situacionista protege o bicho.

terça-feira, fevereiro 13, 2024

ESTAREI PREPARADO PARA TUDO?

O engodo na (e da) palavra política serve-se hoje mais da sua ligeireza do que do inegável embuste. A desfaçatez da balela artificiosa medra com os tempos mascarando-a na arte recicladora do retoque. O argumento afugenta-se do concreto, mas o feitiço do carisma, calando a guinada, dá conta do recado exaltando almas. As verdades brigam entre si, umas mais mascaradas, outras sem arte no espalhafato. Para lá chegarem, ao tentado efeito, uns driblam melhor do que outros. Todavia, atrelados em campo, distinto nas cotoveladas. Uns obstinados na sua verdade, outros inflexíveis na sua certeza, outros ainda gaguejando na parada. Verdades diferentes, agilidades reversas, silêncios estrondosos. No pardaço da discordância, a verdade assim se vai perdendo, dispersando-se no imbróglio democrático da chicanada. 

quinta-feira, fevereiro 08, 2024

TEMPOS SEM TEMPO

Tempos de inverdades e empáfias, baloiçantes estas entre a enxurrada livre da conformidade e a mediação implicante do seu reflexivo. Remove-se fronteiras, alterca-se arraias e rivaliza-se ascendências. A impaciência acontece e a subjetividade que pensa perde pujança, talvez ânimo para esgravatar. A aparência alcança então espaço, a sua palavra presença, atabafando a realidade no fosso nublado do sumiço. Entre a aparência e a realidade faz-se assim vaguear a dita liberdade, sim, aquela que não atura o intrometido voto da dignidade ética. 

domingo, fevereiro 04, 2024

CHEGA DE XINGAMENTOS

A democracia valoriza-se relevando a coerência lógica dos seus arrimos basilares. Judiar a liberdade, suportada pela palavra fingida e colérica, insultante e afrontosa, apenas socorre a arte batoteira do eficaz e lucrativo devir político. A democracia não pode deixar de ser essa concreta universalidade cujo denominador comum seja claro e as divergências que a incrementam atualizem o todo nas suas diferentes proposições e eficiências. Pela ação e discordância, com certeza, pela palavra confiável, séria e polida. Não pela danação exibicionista do insulto que a história bem nos recorda e rejeita. Isto é, fazendo deslizar o significado "democrático" pelo avesso da sua dignidade.

sábado, janeiro 20, 2024

A POLÍTICA NOS MEANDROS DA VIGÍLIA E DO SONO

Discorrer sobre o viver político é, por princípio, frequentemente agitado. Todavia, a diligência de se dar pressa à sua razão fá-la mostrar-se no conveniente conforto do seu útil retrato. Pela palavra acertada, com sentido e método, ela se anuncia simulando. Ergue o seu arbítrio e entrega-se ao acerto da palavra reanimando emoções mais do que propósitos. Absorvendo a imaginada desordem move as necessárias e inferidas incumbências. Entrega-se, pois, à utilitária serventia do premente proceder. Recriando ou adulterando a convincente e eficaz generalidade. Aquela que mais facilmente possa arrumar o embaraçoso bulício. É sua, da razão ataviada, o acomodado papel de enlaçar as confinantes abrangências. Ordenando inclinações, acertadas apreensões e ousados juízos. A caminho de induções judiciosas e de recomeçadas ideias mais aguerridas e infalíveis. Aconchegando assim o percetual imediato através do trivial e do suposto possível. Embora grosseira e ardilosa, a repisada razão anuncia-se sempre forte no seu poder de convencer, e vencer, o receio que a incerteza suscita. A esperteza saloia assim sobrevive, e não só, também faz política.

terça-feira, janeiro 09, 2024

MAS, AINDA ASSIM, VOTAREI

A política excita-se nestes dias pela palavra e exacerba-se pela acústica. É um pautado tempo de saracotear a democracia e acotovelar lugares nas correlações de mando. Assim se agitam populares e amoldadas regências na muda e embrulhada excitação de eleger. Todavia, não os desviados, que calados, exigem, fazem acontecer e desse ocorrido se privilegiam. Ou seja, esse outro escondido real que acorre ao silente antro do pilim e do seu poder. Estes não vão a votos, apenas tratam de regras e de normas, de obediência. Logo, a ilusão vai idealizando o que resta, a sua liberdade e o poder de avivar e animar, apenas e tão-só, a aparência do cerimonioso formal. A agiotagem não é, nem nunca se amostrará neste democrático e liberal torneio. Como sabem, a treta não tem espaço nem tempo para politiquices ou outras curtições.

quarta-feira, dezembro 27, 2023

A LETARGIA DA INDIFERENÇA

O tempo acelera, o tempo chispa. Sem tempo para sínteses. Os fundamentalismos assim vão apressando as proveitosas verdades que aldrabam. Exortando esparramados dados que no dizer da mentira logo se unem e se aceitam. Os sofridos, neste ensombrado dos tempos, prontamente enxergam eventuais candeias. A onda digital assim se exibe atazanando o desprevenido. O noticioso igualmente se apressa a copiá-la rivalizando a disputa. Todos eles, uns mais outros menos, ao serviço da trapaceira luz do relativismo. Pior ainda, bem colados à truculenta incumbência de destruir a clareza significante do estímulo democrático.

sábado, dezembro 23, 2023

SAUDADES EM TEMPO DE NATAL

O Natal acontece entregando-se sempre a memórias que dão vida. Uma vida que a cada instante presenteia o Natal que se dá. Lembranças renascidas que se perfazem ainda mais belas e sublimes. O Natal é sempre um tempo singular de imaginação, abalos e sentimentos. A saudade merece assim ser recebida como uma prenda. Vivida como arte íntima de expressar um diálogo consigo mesmo. Sim, uma prenda passível de reinventar a realidade que a ela se acresce. A saudade, em dia de Natal, estará sempre presente no pensamento e na sensibilidade. Saibamos reconhecê-la e tê-la à mesa através das memórias que o tempo em tempo algum anulará. 

terça-feira, dezembro 12, 2023

GRACEJANDO COM A ETIQUETA … TANTÃ

Eis um ritual a todo o momento disponível a preceitos imitativos, procurando copiar. Servindo-se de aparências costumeiras ainda que dúbias. Ao bom gosto de um bizarro rendez-vous, ainda que macaqueando. Importa sim distinguir-se nos muitos espelhos. Neste tempo de sinésicos costumes, para além dos seus. Afinal, das amostras de uma casta que não a sua. Confiante no trepar da acirrada subida à cobiçada encenação. A autonomia desencaminha-se. Sim, mas não faz mal. A autenticidade adaptar-se-á à convencionalidade dos seus diversos maneirismos. O importante é representar, configurar a colocação do eu social, supondo ser mesmo Eu. 

terça-feira, dezembro 05, 2023

À LUZ DO ARTIFÍCIO

Não sei por certo deslindar o que enxergo, bem como o que escuto. Por vezes, tudo se me encena estranho. Ainda assim, procuro ser ágil em modelar as suas finuras representações. Tanto quanto desfraldam as afinidades presumidas que daí irmanam convenientes fachadas. Ajeitando ângulos, e com eles em harmonia, as astuciosas artes daí cinzeladas. Os tempos modernos, absorvidos como vanguardeiros, facilitam a sigilosa sagacidade e proveitosa aceitação. As analogias e as suas referentes vizindades vão capazmente atarracando o acerto dos seus juízos. A reflexividade e a alienação com prontidão aí se enlaçam na espinal medula talhada pelo artificio de viver. Parafraseando Zygmunt Bauman [1], "por decreto das circunstâncias, como que seguindo os esquemas de um kit de montagem". Todavia, um engenho montado pelo próprio usador e em caprichada liberdade.



[1] Em A ARTE DA VIDA. 

sexta-feira, dezembro 01, 2023

UM REPERCUTIDO AMANHECER

Levantei-me preguiçoso. Quem sabe cético. Talvez ainda fechado na minha madornice. A razão e a vontade não se entendem. É cedo demais. Mas vamos a isto, à vida. Pode ser que encontre alguém, a circunstância que me faça esquecer este mundo péssimo e do pessimismo. Basta que me encaminhe divertidamente à humana partilha da razão. Assim sendo, até mais logo…


domingo, novembro 19, 2023

O ÓNUS DA PROVA CABE A QUEM INCULPA

 Nem sempre, mas reiteradamente, sinto-me distante da certeza que me leve à tranquila evidência. Sempre determinado, e ousado, na prática birrenta do virtuoso direito à liberdade de duvidar. Como? Deslocando-me da atingível verdade do circunstancial implícito, revelada pelas circunstâncias, para uma oriunda razoabilidade compreensiva das suas entranhas. Gesto, quiçá, manifestamente pessoal mas sentido como dever de presença e obrigação. À partida, o inspirador cenário intuitivo esclarece rumos de maior relevância na aproximação do argumento ao concreto do real. O argumento não será, pois, uma parcela de um cálculo exato, supostamente evidente, mas sim passos operantes de esclarecedoras sequências interpretativas. Esclarecendo sentidos e conferindo à ordem clareza no entendimento. A razão por vezes perde-se, e não poucas, no uso ingénuo das palavras e das suas articulações. O conceito “DEMOCRACIA” não pode, pois, adormecer na inércia escuridade da sua bandeira.

quinta-feira, novembro 02, 2023

A VERDADE, PENSANDO BEM, VESTE-SE DA MENTIRA

Respiram-se ares de um enojo infeto por ardilosas verdades. O mando arbitrário falseia sinais que lhe são embaraços, os duros poderes conspiram tecendo alheias traquinices e o envilecido criticismo infesta de chinfrins o pastoreio do critério. A liberdade aqui se recreia, pois então, por espelhos diversos e embiocadas máscaras. O peso ágil de uns assim se adianta ao aperto de outros trepando reservadas escadarias. O sprint aperta-se e o abismo faz-se meta, fosso imaginário da obra sinuosa da suja petulância. O controle assim se cuida nas verdades caladas das mentiras que servem. Em apologético democratismo de mercearia.

domingo, outubro 29, 2023

A DESTREZA DE IMAGINAR

Há dias em que sinto felicidade. Outros de acasos menos venturosos. Ademais, muitos até, em que não me procuro. Nestes a razão torna-se incapaz e a imaginação na falta dela de mim se ocupa. Acolho aí, distintamente aí, a dura consciência do sentido do seu caminhar conjunto. A cada instante despertado, mas nem sempre capaz da sua sadia intimidade. Porém, sempre ansiando a circunstância exultante da sua afinidade acertada.

terça-feira, outubro 24, 2023

CUIDAR DO (IM)POSSÍVEL

O desabafo apegado e continuado do “viver dia-a-dia” arrasta consigo uma descuidada resignação à indiferença. Nela, o futuro acha-se longe de mais, o passado já era, restando assim, e tão-somente, o imediato do possível. O porvir, deste jeito, vai-se servindo de uma almargem de sobras pintadas, calcorreando o prado representável pela onda da moda para uns ou para o mau comum da inópia de outros tantos. Ou melhor, uns pelos seus atalhos de liberdade nessa doutrinada egolatria em festa a que se chama mercado, outros pela servidão enquanto coisa egrégia dos nobres pios cotados. Ainda assim, nunca se entregando consciências, importa lembrar que impossibilidades de ontem são hoje obras inflexíveis da decidida ética que acredita, e insiste, em um amanhã pronto a não comerciar o (im)possível do inclusivo percurso da dignidade humana. Assim matutando, mais vale consciências ideologizadas do que remanentes e acomodadas consciências alienadas. 

terça-feira, outubro 10, 2023

PARA ALÉM DAS PALAVRAS

… interessam os diversos roteiros optados pela representação a espelhar. Uns certamente mais óbvios, outros nem por isso. Rodeando casos e descasos na pretensão de inseguras relevâncias e provindos propósitos. O quotidiano no seu valor natural de irrecusável credulidade - dessa realidade seguramente vivida e sentida - é assim entusiasmado não tanto pela verdade quanto pela superação persuasiva da alojada inquietação. Os olhares convalidados não só logo se anunciam como informam esse embaraço facilitando a interpretação cabível no amplo colo do conforto referencial estatuído. Não é fácil objetar e dar solidez a um discordante exercício de previdência, de idealizar novos e múltiplos porvires e de revigorar a disponibilidade crítica, suas latentes joeiras, vínculos e discordâncias. À palavra entrelaça-se, pois então, uma outra inspiração do humano no empenhamento crítico deste concreto tempo despolitizado e silenciado por acaçapados, sórdidos e desmedidos poderes. O teatro da cidadania e da significação política, hoje como sempre, continua em palco, todavia pleno de farsas e tragédias não de imediato claras de entender neste mundo implacavelmente mercantilizado. 

sexta-feira, outubro 06, 2023

DAÍ, RAIZES INCERTAS

O “eu” mais do que uma certeza é um impulso. Na abstração do outro, uns esforçam-se por não se excederem. São, e sambem-se diferentes. Conscientes que o outro é um igualmente diferente. Diferenças ambas que se merecem inevitáveis. O relacional humano delas se serve e daí se busca construir o essencial da partilha. Logo, o “eu só” pouco ou nada idealiza sem esse sentir envolvente. Fatalmente atufado, quem sabe, na afetação insociável do seu umbigo. Egoísta, porventura.

quarta-feira, outubro 04, 2023

O SONHO ASSIM SE AGARRA

"Vivemos o tempo dos Budas, das flores de plástico e das cómodas douradas
E rimos muito alto, por cima da música alta das esplanadas
Vivemos o tempo da kombucha, do coaching, das soft skills e da gratidão
Saibamos agradecer aos bancos os juros que nos cobram na habitação
Vivemos o tempo mais corrido de sempre
Das metas, dos objetivos, do ‘nem que me esfarrape’
Não há esforço que não valha a pena, seremos todos Luft, Tap
Vivemos tempo de maioria absoluta, de posso e mando, de meritocracia
O mérito mede-se a partir dos dentes, das notas do colégio ou da demagogia?
Obrigada por esta oportunidade, um globo de ouro nas mãos de um ser tão falho
Há quem tenha muita sorte
A sorte, a mim, tem-me dado muito trabalho".

O que importa distinguir é não só a verdade mas, nos dias de hoje, também o impulso da coragem.



quinta-feira, setembro 28, 2023

NATURALIZAR NORMALIZANDO

"Naturalizar é uma forma de se tentar despolitizar. E isto é uma forma intensamente ideológica de se fazer política económica, de resto naturalmente favorável a uma redistribuição do trabalho para o capital", escreve João Rodrigues em "Ladrões de Bicicletas" (27.09.23). Subscrevo, acrescentando que esse naturalizar não é mais do que um reforço da abafadora normalização que procura autenticar o mergulho na referida e debochada pregação. Como diria alguém, o que importa é saber calcular a dor e o prazer de quem lhes serve evitando a dor desnecessária e, para tal, importa sim encontrar o acomodado gesto e palavreado. Gente boa pode não ser, mas esperteza acertada não lhes falta.


terça-feira, setembro 26, 2023

MELANCOLIA DOS DIAS

Alcançar a verdade da prédica económica dos nossos dias não é para todos. As regras são severas e o check-up sinuoso. A sapiência treteira não é facilmente atingível pese embora o uso e abuso do teclado em serventia. As reformas estruturais não se aposentam, a austeridade não envelhece, o social entranha-se na liberdade do individual e os direitos de todos adormecem mediante o canto monótono da sedutora mercancia. E aqui, ou por aqui, descansa a liberal e recreativa sociabilidade dos tempos vigentes e suas burlescas porfias.

sábado, setembro 23, 2023

DEVIRES DO IMPOSSÍVEL

As possibilidades em horizontes do impossível tornam-se, com resignante facilidade, fados abstratos. Por inquietação, porém, dão vida, e não poucas vezes, a relutantes impulsos na inspiração de virtualidades em nós adormecidas. Acordá-las, sente-se, é torná-las viageiras por afoitos destinos de sadia impertinência. E não só, de realização ao trazê-las presentes à imaginária seara da realidade em ato. Tornemo-nos, pois, persistentes mais criativos e coerentes uma vez que a arrastada e perdurável indignação já enfada. Não se adentre assim para fáceis e ofertados vazios trancados por portas devassadas. Crie-se trilhos discordantes que concedam à possibilidade o horizonte livre da multiplicidade virtual. Alarguemos o campo dos possíveis e nele encontraremos as esperadas linhas de fuga, ou melhor, de subjetivação que decerto nos levará a um mundo humano mais considerado, coerente e compreensível. A possibilidade do impossível assim fará os duros e intermináveis caminhos da imanência e não os roteiros das obscuras habilidades dos que perversamente nos encaminham.

sábado, setembro 02, 2023

BEM-VINDO AO ANUAL ENCONTRO FAMILIAR

Memórias, momentos e tempos, recontos de recordações. Pelo percurso, circunstâncias e palavras inerentes à consonante narrativa. Memorialística, porventura. Admitindo em silêncio que também somos o que esquecemos. Em verdade, memórias hoje que se relevam pelo íntimo do caloroso afeto e simpatia. Brechas vividas e trabalhadas pelas circunstâncias em convivência com as afloradas recordações. Acasos que não repelem o passado, mas deste abrem as agitações das suas raízes. Desses sentimentos subliminares que a cada instante acompanham o curso oscilante entre o ontem e o aqui de hoje. Do que de tocante sobrevive entre o antes sucedido e o que dele no instante se perpetua. Dando vida ao tranquilo poder de reanimação das memórias e das suas transcorrências. Silenciosas, e por certo, a cada instante extensamente presentes. Com esquecimentos, imprecisões e imaginação assim se trabalha uma verdade, a verdade que com o tempo se fez autêntica, logo, genuína. Seja por isso e pelo facto de se estar juntamente acolha-se em harmonia a preciosa e benfazeja arte da memória.

quinta-feira, agosto 31, 2023

CONFESSO

Calcorreio as ruas, cruzo-me e dialogo com pessoas, umas simpáticas, outras nem por isso. Gosto, mas interrogo-me; mas afinal o que me cativa e satisfaz? Porventura a ideia da simples e humana riqueza de estar e me cruzar com a desinteressada elegância e, sobretudo, sábia simplicidade. No íntimo, talvez me renda à aprazibilidade do natural, desses juízos de gosto únicos do seu existir. Acompanhado, confesso, pelo caloroso sentido empático e sedutor exibido na luzente ausência de artifícios.

sábado, agosto 19, 2023

O PERMANECENTE DESAFIO DO INFINDÁVEL ROTEIRO

Entre o homem e o humano espaçam-se rumos sem percursos determinados. Daí a confiança de que a liberdade não se finda no ser homem, mas sim no caminhar do Homem na sua condição de ser humano. O indefectível e progressivo entrelaçado do Eu, do Outro e do Comum é o que nos permite estimular e arquitetar o potencial arrimo e fundamento desse uno referencial da condição humana. Eis aqui, provavelmente, a verdadeira riqueza que ao Homem escasseia neste desvalido devir do mundo individualista, de poderes e egoísmos, discricionários e desmedidos. A comodidade dos nossos silêncios, na sua recôndita interioridade, a todos nos acusa da nossa cumplicidade, sobretudo da nossa cobardia e hipocrisia do fazer humano, que social e historicamente nos sentencia neste permanecente desafio do infindável e não aprazado roteiro.


quarta-feira, agosto 16, 2023

SINTO-ME CARTA FORA DO BARALHO

Oriunda das entranhas académicas e dos seus tempos, a leitura em cafés fez-se em mim visceral. Problema meu. Esse tempo foi-se. Todavia, permitam-me alargar o campo da minha utópica insatisfação. Como? Tornando-a mais extensiva, ou seja, alegando que o tempo presente expande com ele “corporações” que para mim, e meu singular sossego, reconheço, me ocasiona embaraços irritantes. Sobretudo quando a má-lingua se faz ouvir e/ou a simulação e a hipocrisia procuram convencer a relaxada assistência. Como? Mediante gestos e cristalinas vozes entufadas de vaidade de quem pode e sabe, ou de desajeitados brados e estúrdios de quem nada mais é capaz. De tudo isto sobra-me apenas uma, uma e imediata vantagem. O assunto para este meu bilhete que, servindo-me do circunstancial, se foca no ridículo desta tola e modernista performance social. 

domingo, julho 30, 2023

OS BORDADOS DE BORDALO

Bordalo, dito II, ousou sair, e bem, das aconchegadas subjetividades, das comuns miudezas do bem-educado, das suas preces cerimoniosas e, acima de tudo, das respetivas obediências formalistas. Como diria o sensato filósofo, o homem é a medida de todas as coisas, sobretudo na disputa das interpretações que devêm da norma sempre teimosa e insistente, inspiradas nos seus acomodados juízos de valor. Todavia, a sua arte argumentativa nem sempre convence no real campo das verdades e das suas objetividades, socorrendo-se para tal da eletrizante influência do forâneo e venerando sagrado. Aqui situados, a razão torna-se celestina e o poder silencioso do sagrado faz-se aí sentir nesse íntimo e soberano dever das suas obediências. Confesso, todavia, e por esse juízo, que a empreitada resultante do método de bordadura do artista Bordalo merece, aqui e da minha parte, a devida e humana empatia crítica.

terça-feira, julho 18, 2023

UM ADEUS SEM DESPEDIDA

Ontem despedi-me da minha tia Eduarda, abraçando os filhos, os meus primos. Um encontro que se fez raro pela sublimidade do enleio em que a lágrima e o sorriso se transformaram em um todo singular. Espelho natural e verdadeiro de uma vida que se fez acontecer e congraçar no momento da perda. Aceitando-se os pêsames, agradecia-se e reconfortava-se os presentes, os outros, familiares e amigos. Uma revelação iluminada pelo espaço, pela sua escolha e pelo segredo do íntimo assumido. Tudo em consonância, uma vida realizada e um adeus, afinal, como sinal de serenidade e não de despedida. À memória cumpre-me, pois então, a faculdade de conservar e lembrar a história dos nossos tempos. Obrigado TIA, o mérito é todo teu.

sexta-feira, julho 07, 2023

O INCONSCIENTE DA MESURA

Quem desaprova tem (ou julga ter) o poder da razão. Quem se sente desaprovado, e aceita, reconhece quem o reprova e, porventura, o juízo crítico do ato censurado. Não obstante, o possível errado, ou o mais errado, é quem entende que a ação não é reprovável, mas tolera a insolente advertência. Assim aclarando, admite o poder de quem incute a regra do irrefutável. Daí, torna-se então um provável inábil em afirmar a sua vontade de verdade ao instituinte próximo, apesar da confiança do infundado. Os "poderes", esses entre aspas agradecem…

segunda-feira, julho 03, 2023

O PERIÓDICO CHEGOU…

Acabo de receber e abrir o “LE MONDE DIPLOMATIQUE” (maio 2023). A minha primeira leitura basear-se-á na apressada leitura das identificações titulares dos seus múltiplos textos. Assim diria que “DA CORROSÃO DA POLÍTICA” pularei para “AS NOVAS TECNOLOGIAS, VELHA PRECARIEDADE E DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO”, no seu todo, e seguidamente centrar-me-ei na perceção e vontade de que tal reconhecimento “NÃO SE HARMONIZE NO RETROCESSO”. Posto isto, interessar-me-ei pelo “BRUTALIZAR A ORDEM DAS MANIFESTAÇÕES” e alcançar mais acertadamente o que emerge “QUANDO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PASSA PARA A DIREITA”. Mais tarde, e com a sensibilidade crítica mais almofadada, retornarei à primeira página e farei uma nova triagem. O caminhar será, decerto, mais claro, curioso e entusiasmante. Assim aguardo.

sábado, junho 10, 2023

NA CONVIVÊNCIA DO ÍNTIMO E DA VERDADE

A racionalidade, a cada momento, é desafiada por sensações e inquietações que desarrumam a condição do agir sentido e autêntico. A proximidade de abertura sincera ao outro, e à incitação da verdade, desde logo se confronta com a ligeireza do movimento cómodo como desviante da apatia que nele se inscreve. A razão e o sentimento, obrigados ao diálogo, e não ao silêncio, aí se afrontam ante o conveniente e humano postulado da sinceridade e da naturalidade relacional. Do meu ponto de vista, o sentimento não é forçosamente uma “erva daninha”[1], mas sim uma exigência de confronto delicada com a verdade, e a coragem, dadas as remanescentes representações, incoerentes e dissonantes, que a perseguem e a sitiam. A ideia de suposta inverdade, ou até de meia-verdade, não sendo mentira clara, com esta se concerta na sua inevitável e celular patologia. O relacional humano ecológico com este mal empobrece, certamente. O valor da verdade, desta verdade com o outro próximo, não me emerge de referenciais obsoletos e disciplinantes. Pelo contrário, desponta da liberdade de ser na continuidade e vivência de caminhar o comum que a perpetua e revigora. Não sendo fácil, ainda assim afigura-se-me este o acesso e o rumo do ansiado possível.



[1] Expressão usada por Zygmunt Bauman, em “A vida Fragmentada”, pág.65.

quarta-feira, junho 07, 2023

LAMBE-LAMBE

A apatia GALAMBA alimenta a indolência da ação e a inércia da mente. Eis a política do subjetivo que rodopia nesse absoluto de coisa alguma.

sexta-feira, maio 26, 2023

A RETÓRICA DA RASTEIRA

Os valores ditos agregados, por vezes, e não poucas, exibem-se como um todo menosprezando os valores que o antecedem e o compõem. Esse todo assim se expõe procurando ludibriar a dialética associada e, como tal, emudecer os valores contributivos na sinopse da sua interesseira síntese. As distorções lógicas convertem-se em axiomáticos critérios de cálculos conformes as conveniências. Fazendo uso de uma expressão de Zygmunt Bauman diria que é no meio que se converte o ouro da liberdade no vil metal da necessidade. Acrescentaria, dos interesses afinal cobiçosos de muitas e repetidas artes…

sábado, abril 01, 2023

DIREITOS HUMANOS?

Sim, quem se empenha na luta contra a pobreza e as suas incompreensíveis e profundas desigualdades é quem, de verdade, assume a potencialidade da categoria de defesa dos direitos humanos, os promove e os socializa. Neste atual tempo meândrico os meios antepõem-se aos fins apoderando destes a agulha ética dos interesses e dos seus valores. Como situar então o cinismo discursivo que enlaça o persistente uso dos seus juízos e concepções? Carl Schmitt, em "O Conceito Político", anota a seguinte e incómoda ideia; "A humanidade, enquanto tal, não pode fazer qualquer guerra, pois ela não tem qualquer inimigo, pelo menos não neste planeta. O conceito de humanidade exclui o conceito de inimigo, pois também o inimigo não deixa de ser homem e nele não se encontra nenhuma diferenciação específica. Que sejam feitas guerras em nome da humanidade não é nenhuma refutação desta verdade simples, mas tem apenas um sentido político particularmente intensivo. Quando um Estado combate o seu inimigo político em nome da humanidade, isso não é nenhuma guerra da humanidade, mas uma guerra na qual um Estado determinado, diante do seu opositor na guerra, procura ocupar um conceito universal, para (à custa do opositor) com ele se identificar, de modo semelhante a como se pode usar equivocamente paz, justiça, progresso, civilização para os reivindicar para si e recusá-los ao inimigo. A ‘humanidade’ é um instrumento ideológico das expansões imperialistas particularmente utilizável e, na sua forma ético-humanitária, um veículo específico do imperialismo econômico. Para aqui, com uma modificação aproximada, é válido um dito cunhado por Proudhon: quem diz humanidade quer enganar". Vale a pena refletir sobre os direitos humanos e na humanidade que, com verdade e coerência, os compreende.

segunda-feira, março 06, 2023

NUNO BELO, LEVA CONTIGO O MEU ABRAÇO

Vivenciar ao longo dos tempos a indubitável experiência de simpatia pelo Nuno é sentir algo de humanamente profundo. Referenciar estas ou aquelas qualidades em qualquer dos momentos desafia a insuportável insuficiência das palavras, dos conceitos que se requerem e, particularmente, da verdade que, ao longo do tempo, nos uniu. Por mim, e no dia de hoje, elejo o pressuposto da dignidade enquanto verdade de uma humana relação com o outro que o filósofo bem aconselhou; "Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio". Com o Nuno convivi e com ele profissionalmente trabalhei alguns bons anos. Com muito entusiasmo e alegria pelo desporto, mas também com imenso respeito, dignidade e sadia verdade. Com o Nuno fiz-me mais pessoa e melhor professor. Obrigado Nuno e até sempre.

quarta-feira, fevereiro 22, 2023

A LIBERDADE, OS TEMPOS E OS SEUS RITMOS

Reconheço-me estranho, de uma estranheza que me inquieta na condição humana da proximidade quando maltratada pela ofensa, subtil que seja, à verdade inteira. A dissimulada simpatia, cínica no seu formal sorriso da languidez moral da circunstância, aliás sempre retraída, melhor ou pior reconforta o que em tempo algum se ajusta. Afinal, tudo me parece confundir-se na inteireza da essencial integridade. Unidade essa aliás, por sua vez e por inteiro, desde logo perdida nas suas refeitas e descoloridas raízes da indefinível sinceridade. A determinação desvirtuada e a imaginação empobrecida sulcam assim os caminhos dos triviais artifícios das manhas há muito erradamente ratificadas. Por vezes, e não poucas, penso ter deixado de ser eu, ou pior, ter descuidado a coragem que me exige a liberdade, me dá vida e me faz humano. Diria que sempre presente, quiçá obstinado, com equívocos certamente, creio por inteiro na minha vontade de ser livre e em conformidade, sublinho, com a verdade que a outros possa tornar-se coisa certa, claramente certa porque aperfeiçoável e irrefutável.

segunda-feira, fevereiro 06, 2023

GALHOFAR COM OS MORALISTAS DA APARÊNCIA

Estes artistas não são o que são e o que os envinagra é o que os lhes é exibido enquanto divergente e incomum. A moral do artificio, do descaro destes que não são o que são, como se confirma, engata ronceiros umbigos em cadeia. O compromisso e o ganho que dessa ardileza se revela animam os incautos cordeiros mais do que importunam os lobos disfarçados. A bonomia da cegueira não enxerga a patranha e, por consequência, dá voz e sentido à miopia do truculento descabido. Daí, uma arrogante e fiteira fala, que do fundo do seu armário, não só se faz ouvir como conspurca o ecossistema com a sua petulante sedução. O idiotismo assim se deixa enraizar à conveniência do útil e vagabundo pragmatismo. Onde o ser e o parecer cegamente se tornam face única da buçal e trapaceira máscara. A hipocrisia altruísta, sempre cúmplice de si, não se arreda das suas egoístas obtusidades. Os seus arbítrios e os despontantes poderes que a estas se aproximam, e deles se servem, logo as arrebatam. Os cegos são mais que muitos e a malandragem de imediato se dispõe a cooperar e a orquestrar a dramática marcha da vida. Venham as bengalas ou, na falta delas, reinvente-se o mundo com uma diferente e astuciosa cegueira. Um mundo que por estes trilhos ou restaurados atalhos se esconde entre os matagais das trapaças ou, bem mais seguros, pelos meandros tumultuosos dos seus espessos arvoredos. A singularidade no meu circunstancial retiro torna o desabafo, estou certo, não muito corajoso. Todavia, salutarmente mais livre.

segunda-feira, janeiro 30, 2023

FUNDAMENTALISMOS DEMOCRÁTICOS

As inclinações demagógicas atraem em geral astuciosas obliquidades.  Sobretudo as de tendências totalizadoras. Aquelas que nutrem os poderes que sempre medram das credulidades desatentas e, de preferência, ajoelhadas. Abusam da humana ingenuidade das incautas massas suscitando aproveitáveis arbitrariedades tendenciosas. Isto posto, revigoram ao mesmo tempo calculadas e traiçoeiras intolerâncias ideológicas. Falseiam-se implacáveis fundamentos políticos aliciadores de convenientes vantagens e uteis arbítrios. A tagarela da liberdade desperta-se, pois então, como bandeira da farsa e do açambarcamento. A concorrência estorva e assim se anunciam perversidades a suprimir. Os insaciáveis glutões, embora cada vez menos, tornam-se cada vez mais ganhadores. Os derrotados, pelo contrário, são cada vez mais e, acima de tudo, mais vencidos. Os redentores fundamentalistas logo se apandilham na cobiçada poltrona da esperada ascendência. O demagogismo exacerba-se e o inseparável populismo encena o oculto e impreterível espetáculo. Da comoção autoritária saltita-se para o artístico embuste da difamação democrática. Servindo-se, embora tristemente bem, da afamada sagacidade desses tais abespinhados e assanhados fundamentalismos democráticos. Graças a seguidismos cegos de novos messias, de certezas certas, verdades indiscutíveis e de sedutores encantos de social e humana arrumação.

quarta-feira, janeiro 25, 2023

AS MEMÓRIAS E OS TEMPOS

Pressinto a realidade mover-se em mim. Seguramente entre a verdade e a imaginação. Explorando roteiros da humana e pautada compreensibilidade. Logo, caminhos que pelo juízo da lisura me vão despertando renovados horizontes. Guiões afinal que reconsideram a impreterível mobilidade da condição e do seu tempo. De possibilidades que exigem uma decidida e generosa compreensão. Caminhando interpretações assediadas pela inquietação das incertezas. Desafiadas estas por dessintonias diversas da singularidade hermenêutica dos tempos. Tudo se me junta, se aproxima, se completa ou, pelo contrário, se confronta. Possíveis prováveis sobressaem, outros tantos se desvalorizam. Sempre ajuizados no reconhecido desassossego do entendimento. O equívoco racional não ajuda, apressa-se sim a curvar-se ao abstrato impreciso da (in)verdade. Revisito então o passado procurando o acordo de memórias, das suas moradas e dos seus tempos. Hoje, em lugares distintos, e mudadas as experiências, revisito as lembranças. Reconheço linguagens estranhas e diferenciadas de um inconsciente que de mim faz parte. Apenas me relembro, e bem. A desconstrução aperfeiçoou-se captando recomeçadas decifrações. Da pertinência das margens, da significação das omissões e do reconhecimento das inescrutáveis sobras. Sinto-me mais eu, sinto que com o tempo apaziguei a imaginação e a verdade. Encurtei a distância entre elas. O diálogo tornou-se outro. Para o melhor das minhas memórias.

domingo, janeiro 22, 2023

A ARTE DA ARTIFICIALIDADE

 O desejo não se basta com o trivial peregrinar da necessidade. A sua medular presença soterra-se na mnemónica de efémeras e repostadas satisfações. Ou por outra, resfolga nesse calado tédio da embalada permanência. Cumpre-se o imediato apetecido, mas não o fundo da experiência da satisfação. O inconsciente absorve o gozo encolhido na história da sua sinuosa e duvidosa agitação. Do desejo empobrecido no seu ser-aí e da sua linguagem. Afinal, tudo parece anunciar-se indistinto, solto e insuficiente. De costas voltadas para o irmanado sentimento do humano, do apego e da verdade.

sábado, janeiro 14, 2023

CONJUGAÇÃO VERBAL

                               Nota; o texto apresentado é da autoria do meu amigo DELFIM CAMPOS

Já o disse e reafirmo: é uma miserável IPSS espelunca esta em que estou internado.
Melhor diria, encarcerado.
Mas eu reconheço que o pessoal auxiliar e de enfermagem todos nos mimoseiam constante e continuamente com açucarado tratamento.
Ele é “vamos comer, querido”, “são horas do soninho, amor”, “vamos tomar os remédios, meu lindo”.
Ora, é inevitável, ao fim de algum tempo já não se aguenta tanta pieguice.
É demais.
Há uns dias atrás, calhou-me em sorte aparecer a despertar-me uma matulona de meia idade, a abanar-me e a sussurrar-me: “São horas do banho, amor lindo, vamos acordar…
Recalcitrante, estremunhado, virei-me para o lado e fiz tenção de reatar o meu interrompido sono.
Mas a gaja era insistente e porfiou: “Então, querido, vamos lá tomar o nosso banhinho, vai-nos saber tão bem!
Aquilo decidiu-me: sentei-me na cama, sorri-lhe o sorriso mais escancarado e descarado que consegui, e convidei-a: “Vamos lá, então, querida. Eu dispo-te, tu despes-me, eu ensaboo-te as mamas e tu lavas-me a piloca…
Ficou fula num instante, os peitos inchados que nem câmara de ar de camião TIR: “Seu filho da puta mal educado!!!”, grunhiu-me furibunda.
Tentei aplacar a megera furiosa: “Minha senhora, a senhora disse ‘vamos’. ‘Vamos’ é 1ª pessoa do plural. Por isso, já vê…
Não viu ou não quis ver. Atirou-me à cara uma almofada quase tão anafada como a sua monstruosa mamosidade e desandou porta fora.
Vá lá a gente querer ensinar a língua portuguesa à plebe ignara.

O MANO NARCISO

No começo, as públicas maneiras de Marcelo, animadas e desembaraçadas, adocicaram a minha precipitada empatia com um eu de um outro que, afinal, não é o Marcelo, mas sim o seu mano Narciso. Sim, é a recreativa sumidade deste que o leva deleitar-se e a arrebatar-se com os fogosos povaréus que teimosamente o assediam e asfixiam. À vista disso, é o mano Narciso, e não o sóbrio Marcelo, como se testemunha pela animada comunhão de beijocas salivantes, afagos aromáticos e proximidades descaradas. Aliás, pela badalada e reconhecida insuficiência narcísica de Marcelo, ele só pode ser um outro manifestamente oposto ao mano Narciso. Marcelo, creio eu, encolerizar-se-ia na presença de um repetido e alvar riso de um qualquer e indistinto espelho popular. Quem apadrinharia, então, essa ousada ideia que Marcelo e Narciso seriam irmãos, ainda por cima gémeos? Ninguém, ou talvez apenas uns poucos acreditariam naquele outro que se faz dois em um, em um outro que, afinal, se prestaria à carnavalesca e burlesca calha. Que deus nos acuda se puder e se para aí estiver virado.

terça-feira, dezembro 27, 2022

A INCERTEZA DOS SENTIDOS

 Com regularidade enfrentamos situações burlescas. Como se sabe, palavras desalinhadas de critérios enfatuados azedam muito o pessoal niquento. Esta gente educada, quem sabe porventura aburguesada, forja à pressa, e mal, sensibilidades enxofradas que legitimam as suas irretorquíveis más caras. Nestas circunstâncias, de preferência quando expostas a outros, apenas a reprimenda de grosseria não basta. Tornar-se-ia apenas o mindinho da sua dramática e martirizada inquietação e representação. A oportunidade do descabido pretexta-se, então, incómoda, exige mais, algum teatro e, sobretudo, levar o texto à cena. Afinal, importa exigir a mão gorda da petulância acomodada ao asserto da pirâmide social. O que está em causa não é, afinal de contas, o que é ou parece ser, mas sim o que importa comprovar. No caso, uma dama desvela a sua meritória e snobe aparência perante o descuido dum “merda” solto por um rapazola, aliás, mais alheado do que atrevidaço. Olhando então de soslaio e de voz afiada para o jovem boçal, a dama reclama em voz alta respeito, muito respeito. Sobretudo, por si, pois não teria sido alfabetizada para tamanha rusticidade. O rapaz acabrunhado, diminuído e sem jeito, sem olhar para a dita, titubeia para um dos seus amigos; “porra, já fiz merda, peço desculpa senhora”. Os diversos presentes, todos eles mais adultos, olham-se e não resistem. A gargalhada geral acontece, ruidosa e prolongada. O ridículo da sobranceria da polida e respeitosa ricaça, se rica era, afinal não era para menos. A cumplicidade do riso acabou por se tornar o testemunho da verdade do seu excesso grotesco.

segunda-feira, dezembro 26, 2022

O ÍNTIMO EMPAREDADO

 O certo é certamente um não se acertar. Um caminho que requer paciência, insistência e aventura. Vidas concertadas pela certeza das incertezas. Não induzidas ou catequizadas pela impossibilidade. Encostadas sim, e sempre, à verdade sentida como possível. Certamente no distante do mais adiante. Sem receios de recuos, de ilusórias pisadas ou de crenças sem luz. Exilado em teias de captura, redes de invenções, ilusões ou preconceitos. No íntimo do corpo, na sua humana condição asilar de sensações, prazeres e afetos. Na errância viva da incerta e espelhada continuidade.

segunda-feira, novembro 21, 2022

HÁ DIAS E RUMOS

As rotas da vida nem sempre se fazem acompanhar da liberdade. Os caminhos, decididos ou devidos, desafiam, sem exceção, múltiplas e adversas inclinações. O “hoje e aqui” tudo pode estimular, confundir ou comprometer. Ainda assim, associada à vida, a emancipação hesita no exercício e uso da sua inspiradora razão. Aí e diversamente, sempre sujeita à serenidade do afeto, à agitação da emoção ou ao todo recomposto que as vinculam. Sentimentos, de mais a mais, aparentemente contraditórios e por vezes incombináveis, embora visceralmente determinantes. O afeto e a emoção tornam-se, pensando bem, pilares basilares dos arrimos humanos da compreensão, ou seja, da razão capaz de mais verdade. Sobretudo, da verdade que nos acompanha e, com uma inevitável certeza, nos reconduz na nossa indeclinável sintaxe identitária. Por isso, todos os dias há dias e rumos que nos marcam, ou seja, circunstâncias que nos desafiam enquanto seres intencionais. Por isso, a liberdade julgo tornar-se incómoda pela exigência da sua verdade, não só moral, mas intrinsecamente existencial.

domingo, novembro 20, 2022

A FUTURIDADE SEM RUMO

 

A monetária e obscura palavra política usa e abusa do termo futuro, sobretudo quando o presente lhe aponta o dedo acusador. Na circunstância, a música dos valores sobe de tom, a harmonia dos princípios busca os acordes e a entediante versificação do cântico entrega-se às suas convenientes tonalidades. O tateável do humano e triste fado assim se desvanece no acervo das abstrações e o concreto da vida se deixa absorver na apatia de uma estranha realidade. Eis a política que se oferece para um futuro ricocheteado pela mesma música, a tal música aliciante que chalaceia e convence um crédulo e abstraído meio mundo.

quarta-feira, outubro 26, 2022

EVIDÊNCIAS OCULTAS

 Neste tempo da (pós)modernidade a verbosidade não falta. Vive-se tempos energicamente marcados pelo agressivo e dispersado paradigma do imperialismo capitalista. A racionalidade neoliberal vai-se incentivando através da traiçoeira palavra legitimadora do egocêntrico e interesseiro individualismo. As oposições primárias que servem o seu expansionismo repetem-se e dão-lhe sustento reforçado. As variantes incessantes do primário, eu sou eu e o outro é outro, o que é meu é meu e tudo o resto são tretas, ressoam. Da sua diversa e reconhecida simpleza, muda e múltipla, despontam as raízes discursivas. Rotineiras e vivamente repetidas, fazem-se identitárias de forte enlace ideológico. Outros arranjos se associam revigorando dilúvios de poder de oficiosos corpos intermédios. De simbólicos a representativos é um pulo credor de validação democrática. Assim sendo, no terreno da vida e das suas circunstâncias, invocar o inverso é infame. Rotuladas de lábias sujas, próprias de indolentes enciumados ou de obtusos e ferozes esquerdistas. Por isso, é neste contexto que o Privado, enquanto sector, se apresenta com rematadas certezas e irrefutáveis méritos. Mesmo assim, o Público canhoto, o dito comum, talvez importe, sim, mas para tratar, e apenas, do que sobra. Acima de tudo, se se amiga ao particular e a ele se molda. Só assim a Liberdade merece ser confirmada, a Democracia validada e, como tal, o Povo não deixará de ser soberano alcançando o cume da pirâmide hierárquica do poder. Porém, com a vida fluidificada na narrativa fabulosa dos referidos conceitos de Liberdade e de Democracia, o nocivo tóxico das abstrações produz os seus efeitos. As analogias, as metáforas, as imagens e as comparações assim se vão sucedendo na acolchoada representação da teatral retórica. O futuro manter-se-á pois garantido, todavia na reiterada e estrutural promessa de credenciar essa gente competente, e não só, também gente boa e de bolsos cheios.

quarta-feira, outubro 05, 2022

O HOMEM ENTORPECIDO

Somos frutos de rotinas, espelhos, crendices e significâncias que, ato contínuo, se alimentam comprometidos. Assim feitos, não nos é fácil desarticular a homogeneidade da sua aparente coerência e, deste modo, distinguir a discrepância dos seus extremos. Isto posto, não se faz fácil desmentir o presente e tornar passado a memória que não nos liberta da sua poluída potência. O futuro assim vai despontando em um presente pleno de conversões, todavia presos à naturalizada sornice do “sempre foi assim”.  Seres irrelevantes, aceitáveis neste especulativo mundo que faz do homem um ser idiota, imoral e apolítico. Um ser adimensional, adormecido na sombra da sua humanidade, individualista e irreal.

sábado, agosto 27, 2022

PARA UM CONFIRMADO AMIGO

 Aqui vai um desabafo em jeito de censura à minha descuidada atitude face a uma circunstancial precipitação retórica que, de modo ocasional, confirmou a “lei de Godwin” e a sua consequente orientação acusadora e esclarecedora. Em princípio, o que diz ela afinal e, sobretudo, o que a edifica? Diria que nos aclara a imprudência que, no quadro de uma discussão distendida, nos poderá conduzir à banal e censurada precipitação a recursos de arbítrio fácil, quiçá de instintiva afronta, lembrando ao outro hipotéticas inclinações. Por exemplo, aproximá-lo (em modo reflexo) a um qualquer Hitler ou, no caso, a incómodos descendentes genéticos. Reconheço que a salubridade humana, relacional, social e democrática, por aqui passa. O meu pontual desalinho, o descuido em geral aliás, estou certo, maleficia a liberdade de expressão, desconsidera o outro e agride a empatia da civilidade. A circunstância, por vezes, gera sensações que escapam à alçada do somado saber de experiência feito. Desacertei, sem dúvida. Daí a razão do presente acerto. Um abraço.

terça-feira, agosto 16, 2022

DA METÁFORA AO SILÊNCIO DA VERDADE

 Parafraseando Serge Halimi (“Le Monde Diplomatique”/agosto 2022), e prestando atenção ao seu editorial, atrevo-me à impertinência - que a liberdade me permite e a sintonia estimula - de realçar que as “medidas de urgência” que se sucedem, e se vão aclamando, cuidam, com o devido método, e fingimento, da irredutível espera das urgentes e sempre proteladas medidas. Não é verdade que o Estado vai oferecendo “ventoinhas e garrafas de água aos mais pobres, e descontos na gasolina aos que não fazem as compras de bicicleta”? A confiança persistirá, estou certo, mesmo caminhando na lama destas, e de outras, infindáveis frustrações, quiçá, aviltamentos à dignidade humana.

quinta-feira, julho 14, 2022

SEGUIR EM FRENTE, EM CÍRCULO

 O excesso encaminha as exigências de uns. As insuficiências as necessidades de outros. Os primeiros consomem, os outros consomem-se. Vidas dissonantes em inquietante sintonia. Repetidamente faladas, sim. Perduravelmente desconsideradas, outrossim. Um jogo, afinal, que se consome na esperança. Na perdurável promessa com tempo e não prazo. Um presente tal qual presentes outros que houveram. A permanência da continuidade. Da palavra e do compromisso. Dos excessos e das insuficiências. Das suas raízes. Da injustiça.

terça-feira, julho 12, 2022

IDENTIFICAÇÕES ENVIESADAS

 Não poucas vezes acerta-se o cenário em conformidade com o pretendido. Aí se intenta afinar a adicional mecanicidade da representação, do sinuoso engenho do modo e da afetação. Preambula-se pelo geral, pela névoa apelativa do impreciso, fazendo-o deslizar para a lógica encurtada das acomodações convenientes. Em especial, através da suasiva e magnética atmosfera, fazendo o juízo desejado caminhar na conformação do desvio aprontado. Verdade seja dita, nem sempre consciente da arte libidinal do enredo, mas certo da sua eficiente sublimação. Para tal, a ficção sobrevém ao facto suscitando no outro o linear conforto da identificação, do imediatismo relacional e da simpática e cómoda credulidade. Em suma, a afável precipitação não serve, é minha opinião, a exigência do autêntico e, particularmente, a salutar e humana simplicidade que dele, no relacionamento, se eleva.

sábado, junho 04, 2022

TOLEREM-ME

A política não é suja. Sujos, sim, são aqueles que a tornam suja. Ou seja, política e socialmente desacreditada...  


terça-feira, março 08, 2022

DEIXADOS DE LADO

A proximidade, na sua abeirada cidadania, sempre significa. Significa sempre muito, e muito especialmente. Por certo quando semeia a intimidade da humana condição. Acertando vínculos, reconhecendo histórias e testemunhando identidades. Bem como sensibilidades e valores fruto desse cuidado reiterado e interpelante. Os tempos vão-se passando e sucedem-se no seu impreciso porvir sem momentos perdidos. As rugas, sinais desse desenrolar inexato, mais tarde se anunciam. Despontam e intumescem na contínua agitação da paulatina e pronunciável solidão. Enlaçando-se em memórias que se fazem de afastamentos e melancolias. Que remanescem na obstinada e impiedosa ausência. Memórias que se contam, ou se calam, em reditos diálogos de crença, desalento ou mesmo de cansaço. Memórias de um lugar remoto, porventura adormecido por um presente que inesperadamente se estranha, e entranha. Nesse lugar vazio sem saída onde apenas se espera por alguém. Sobretudo pelos que prometeram sempre, a cada instante, aparecer. Em todo o caso a vida continuará. Esses, os que hoje não aparecem, amanhã pacientemente saberão, sem dúvida, esperar.

sábado, fevereiro 05, 2022

ADENDA ELEITORAL

Uma adenda, um acrescentamento marcado pela imediatidade ideológica sensível à geometria protocolar, e horizontalizada, da corrente cartografia política. Deste jeito, diria, que ante o divinizado centro, o útil bateu certo à esquerda, ao passo que a briga, como sequela, se bravateia hoje à direita. O cansaço de Costa foi-se, e logo espalhou o transe do seu avesso. Rio, esse, naufragou, e encalhado modorra na raia do sugestivo e maroto engodo. Fora dos deificados, Catarina e Gerónimo mostraram-se, e sem demora apareceram reinventados na espera do confiante recuo do desleal bamboleio. Propondo, estou certo, mais vida às ruas lamentavelmente abandonadas. As pequenas-grandes novidades, essas, despontam triunfantes. Uma, garantindo a higiénica liberdade à democracia; outra, propondo uma renovada, e casta, ordem moral. Para a primeira o Estado não é mais do que um egocêntrico de braços largos e abarcantes. Para a segunda impõe-se uma acirrada refrega à vigente e sediciosa cidadania onde os anjos escasseiam e as carnalidades sobram. O que nos espera? Não se sabe. Venham então mais palpites das gentes que tudo sabem e profetizam. Contudo, não se esqueçam dos úteis e confortáveis barretes.

sexta-feira, janeiro 14, 2022

ELEIÇÕES, ENGODOS E LEGITIMAÇÕES

Eleições. Diz-se, tempo de Liberdade, não obstante aquela presumível e birrenta certeza da inverdade. O que se pensa - a vida nos vai alumiando - nem sempre afina com o que se diz. Na conveniência, a parcialidade cria, e concentra-se, no excurso da relação desse pensar e desse dizer, quiçá, em busca de uma ardilosa e trabalhada significação. Com frequência, por aqui se desmerece a raiz da Liberdade e fabulam-se, então, adaptadas prosas à intenção, e ao ato, de representar. Buriladas cantatas aí despontam amanhando a terra consoante a letra que se busca cantarolar. Uns, rimando com astúcia a estrofe, outros, recorrendo a estribilhos desembestados. Quando não, também há disso, valendo-se da canalhice insistente e obstinada do enxovalho e da banal alarvaria. Tudo parece, afinal, acomodar-se sem assento certo ao semeado sobressalto da inquietação ou, bem pior, à fervura impetuosa do encanzinamento. Assim sendo, evidente se torna o desrespeito pela verdade face à conveniência da vantagem, mais-querendo deste jeito a habilidade do que a integridade das ideias. Ergue-se, pois, a empatia fácil pelo lusco-fusco da superficialidade, do desembaraço pelo rentável ou, ainda, da obscuridade que, ao outro, desencaminha. Em qualquer das circunstâncias, atamancando a voz do disfarce embrulhando-a em mimetismos de dramáticos arbítrios ou de futuros desditosos e acinzentados. Resumidamente, esquadrinhando e valendo-se de fragilidades, do homem, da Democracia, ou melhor, das aspirações e interesses de ambos. Mesmo assim, depreenda-se que da falsidade sobressai sempre o lugar da verdade, da sua expressão e, acima de tudo, da possibilidade do andamento crítico e dialógico de que a Liberdade, livre e exigente, é capaz e (me) significa.

quarta-feira, dezembro 22, 2021

AVANÇOS, RECUOS E SOFRIDAS PARÓDIAS

Um tempo estranho este em que tudo parece conformar-se com tudo, ou nada se prova acertar com nada. Um tempo onde a vida se afadiga submersa na insaciedade recôndita de continuados contratempos. Com efeito, um tempo submisso ao amoralismo da sobrevivência que não deixa tempo ao tempo. Ao tempo de emendar esse absurdo saber afastado da dignidade e arredado do juízo da verdade. Um tempo, afinal, absorvido pelo impudente iluminismo enleado, e empobrecido, na cegueira luminosa das farsantes necessidades. Vive-se, pois então, não a vida, mas uma perdurável esperança coreografada pelo iludente respirar da espera. Espera, aliás, imanente à própria sobrevivência e ao seu quotidiano. Espera essa que afinal, e em suma, alenta o sustento da demorada desilusão.

domingo, dezembro 05, 2021

CHEGAR, SIM. MAS COMO CHEGAR?

A sequência e consequência de um raciocínio têm sempre presente um natural filosofar. Diga-se, uma filosofia. Há quem a apreenda, há quem a exercita, há quem a pense. Outros há, pura e simplesmente, que a dizem negar ou dispensar. Melhor, não são pessoas de filosofias. É gente que vive e sabe o que a vida requer, ou seja, a inteligência da utilidade. Não deixando de morigerar, rejeitam o pretexto filosófico em prol do êxito prático. Com desiguais razões, profundidades e densidades. O opinável discursivo digressiona, pois, entre a nitidez do propósito ou o sem rumo do factício. Seja qual for a inclinação, esta não será necessariamente coisa filosófica. Todavia, a inconsiderada filosofia nela não se acha, mas nela faz obra. Situados, posicionamo-nos então. Imobilizados no percurso normal da fixação emblemática do prévio ou, pelo contrário, resvalando nas réplicas moventes das ideias, das ações e das suas refregas. Sempre, mas sem exceção, em um deslocamento marcado pelo tempo que tornamos nosso e pelas circunstâncias que, nesse nosso, damos valor. Em síntese, pensando, configuramos um lugar e a ele incumbimos uma função. Seja esta de natureza privada, pessoal, social, ou bem mais elevada acima do dia-a-dia do contingente. Assumimos um comportamento, prático ou não, na sua real transparência e material verdade. Contudo, sempre caminhando, nem sempre certos, do caminho tomado. Afinal, nesse longo percurso onde a singularidade nos aparenta qualidade solta, sem liames, e sem história. Por outras palavras, sem um todo que em nós habita, nos tece e entretece. Acorrentados, pois então, a uma lógica de espera que, bastando-se a si própria, de nada serve a não ser à própria espera. De uma obra comum, que num outro e longo tempo histórico, nos esclarece teimosamente irresolvida. Por conseguinte me interrogo; onde estamos? Ou melhor, onde estamos ainda?

terça-feira, novembro 23, 2021

A INVERDADE, UMA CIRCUNSTÂNCIA DA MENTIRA

Por muito que a ideia cause incómodo diria que a falsidade, a todo o momento, futura o rumo da verdade. Esse tal destino de horizonte largo onde a mentira se arquiteta, e sobretudo se recria. Hábil ou não, sempre intemporal enquanto negação e deturpação. Negação na sua dialética e assonante na deturpação da sua representação. Hospedado o capcioso senso, a partir daí assedia-se a simulada valia da significação ilusória. Desviando-se da razão precisa, a mentira tudo ajeita para virar o aspeto à “coisa”, ou até, e sem dó, em definitivo a sepultar no fossário das ausências. O apego ao rigor seguramente se perde e o acesso à natureza absoluta da inverdade revela-se. Isto posto, pergunta-se; por que não principiar pela mentira, pela tortuosidade do seu roteiro e pelo que ela cala ou busca falsear? Caminhar para a verdade pressupõe procurá-la, mesmo na mentira, nesse outro lado do biombo onde a emancipação humana entorpece e a liberdade se desfigura. Adormecidos? Quem sabe. Mas certa e massivamente entretidos ouvindo - e trauteando - a cançoneta capitalista de nota única[1].


[1] Expressão de José Barata Moura (Filosofia Em O Capital, pág. 224)

terça-feira, novembro 02, 2021

VAMOS A ELEIÇÕES

Não poucas vezes a mentira piedosa alicia a razoabilidade que prenuncia o que se espera escutar. A ideia açodada pelo amparo e segurança antepõe-se à alternativa do que possa estorvar. Assim, o precioso imprevisto deste continuum jeito, a cada instante refeito, torna-se então objeto inescusável do ofício da ilusão e da mestria do sôfrego exercício. Reclinando ou desnaturando os factos, habilmente se ilude o que é … em coisa diferente. Na circunstância, o sem-fim político desta ajeitada fabulação, bem arrumada por calados e membrudos poderes, depressa afina coligados interesses e vitais agilidades. Do dolo e finório gesto grupal, acolchoado de cínica moralidade, cria-se o traçado da agitação aproveitando então a apetecida onda despontada. Com ardileza, e aptas práticas ábditas, arrumam-se as gentes e dá-se aos movimentos acerto e conveniência. Em liberdade, diz-se. Por coincidência, arrolada esta ao relento da entrópica ficção que, aligeirada, abre mão da urgente verdade. E a culpa, como sempre, aos mesmos pertence. Os açuladores simulam-se mártires, os padecentes obstúpidos tão somente votam e, ao sabor da contingência política, a empatia do vicioso círculo, destarte, vai sustentando a exotérica rotina do esquema. As eleições aproximam-se e o método ressoa. Com papas e bolos assim se vão fazendo as cráticas mentiras que, liberalmente, aos tolos são servidas.

sexta-feira, outubro 08, 2021

ENTRE A COISA E A PALAVRA

Entreouve-se um silêncio de dentro, um silêncio que desperta as humanas imperfeição e insuficiência. Decerto, uma incompletude atenta que sempre se encaminha por entre sombras sem brilho. A todo o momento desafiada pela inevitável e infinda busca de unicidade e transparência. Busca que se oferece ao mundo habitando a experiência dura da singularidade. Opondo-se ao comum do evidente, persegue então corrigidos alcances para além dele. Dando às palavras sentidos mudados e verdades reparadas. Metaforizando-as, supondo horizontes, percursos e lugares. Em suma, juntando ao banal a dimensão do que, sendo único, se percebe a cada instante diferente. Entre a coisa e a palavra, intuições se percecionam, imagens se esboçam e verdades se garantem. Com autenticidade. Ou, porventura, sem ela.

quarta-feira, setembro 22, 2021

GRATA LIBERDADE

O tempo passa. Por vezes depressa demais. Afinal, sem tempo para se apreender a superior sublimidade da experiência. Da experiência humana da íntima liberdade. No tempo impaciente do passado, caminhos calcados e sofridos foram andados. Quantas vezes só, sufocado por culpas de ocultas e teimosas razões. Em afinidade com os ressoados ecos de uma frágil consciência. Sempre conformes, saturados pelo crescente enfado do rito e da regra. Repetições. Sombras e silhuetas justificantes que afinal se revelam. Adormecendo a dúvida inevitável que a trivialidade no seu colo embala. Recalcados gestos advindos da quietação embalada por acomodadas coreografias e deificadas crenças. Ambas abraçadas na dança arrastada de indolentes movimentos. Recatado, e pelas margens andejando, interpela-se a liberdade. Aquela que compromete, que desafia e que connosco priva. E que em segredo sussurra…

Sê mais igual a ti próprio. Caminha, sem medos de novos caminhos. Descobre o que vais encontrando. Não receies o espanto. Deixa-te interrogar. Reavive e muda. Não receies ser sujeito. Se possível, todos os dias mais sujeito.

Grata Liberdade!

sábado, setembro 18, 2021

OPINIÕES

À opinião marcada pela incerteza, sitiada esta entre o acerto da ciência e a titubeação do desconhecimento, reconhece-se em geral o dever de consideração, logo, o crédito ao direito fundado e democrático da sua expressão. O dito que expressa acertada interrogação, lógica afirmação, ou sustentada recusa, e que expõe, propõe ou adita algo, concorrerá naturalmente para a aclaração e transparência da pretendida compreensão. Sendo este, talvez, o dizer e o propósito do ofício adversativo das heterodoxias, quiçá necessárias e proveitosas a reciclagens profícuas de ortodoxias envelhecidas, venham elas, então, as opiniões. Nada mais. Apenas um simples e puro desabafo nestes tempos em que a falsa opinião alheia se faz invasiva da condição de se pensar livremente.

terça-feira, julho 06, 2021

OBRIGADO, ROGÉRIO

Jovialidade, sublinhada pela alegria, simpatia e um singular e saudável humor. Uma incomum persistência que, ao longo do tempo, habitou o seu carácter, disponibilidade e presença. Mas não só. Igualmente, a sua superior inteligência, o seu saber incisivo e a sua maneira própria de significar, e com outros trabalhar, a causa solidária. O Rogério deixou-nos o exemplo sem querer, de modo algum, ser exemplar. Serviu, sim, um espelho de vida, de amizade e de ousadia. Em suma, um homem imenso, invulgarmente humano e admiravelmente interessante. Obrigado, Rogério.

sábado, maio 29, 2021

A VERDADE DE UMA VERDADE

Vagueia-se, não ausente, no encalço de uma verdade que, em definitivo, não se encontra. Uma verdade sem critério de universalidade, nem afinidades com a ciência. Uma verdade outra que, afinal, se vai criando ao longo da vida e do conhecimento que ela nos oferece. Uma verdade que cedo recusa a insuficiência de uma existência mimética, porventura acorrentada. Sem receios do vazio e de estar só, livremente só. Nesse lugar de liberdade, possibilidade e criação com os que procuram, afinal, a felicidade de todos e de cada um. Como diria Jung, estar só só é solidão quando nos sentimos incapazes de comunicar as coisas que nos parecem importantes, ou por defendermos pontos de vista que outros consideram inadmissíveis. Assim sendo, fala-se então de uma verdade outra que exige coragem, e um insistente e persistente humanismo crítico[1]. Ou seja, um modo de estar na busca dura dessa verdade.


[1] Ideia suscitada pela leitura do prólogo do livro de Manuel Frias Martins, A Espiritualidade Clandestina de José Saramago.

terça-feira, maio 25, 2021

A LEI E O PARDO DAS SUAS CINZAS


A lei compromete-se a encaminhar. Exaltada, escuda-se na ordem. Entre o traço do rumo e a deriva acomodada desponta o lusco-fusco do cinzento. Habilmente escuro, e obscuro. Um sujo matizado e amoldado à mutante e obscena violência de ideias últimas, impacientes e, pelos vistos, de sentidos elevados. Num ardiloso e sarcástico movimento, o uso da lei contorna assim a ordem e assume-se vício de imposição, pronto e insistente. Porventura, pragmático, simples e cómodo, mas sempre conveniente. Lugar propício à falsidade e à verdade que assim se arrumam numa desfigurada e adversa generalidade. Ou melhor, numa circularidade que vive, e resiste, mediante o desgaste criador, e crítico, da alma e do juízo humano. Demudando valores e desfigurando ideais. Sem apurados rodeios, prescrevo então; viva-se sem valores nem ideais pastando erva e ruminando desgraças[1]. Pascente-se, destarte, e alegremente, neste de campo recamado de frutífera e rotineira forragem.



[1] Matos, António Coimbra (2017). Nova Relação (pg. 30). CLIMEPSI EDITORAS.

domingo, maio 16, 2021

O ENTORPECIMENTO DA RAZÃO

Repetidamente, a urgência em explicar desleixa a exigência de compreender. Porém, a explicação não advém, sem mais, da compreensão, mas desta não se desobriga. Envolvem-se mútua, e certamente, quando, com paciência, a determinação se resguarda do consolo fácil, quiçá útil, da simplificação. Escutar, com distância, muitas das vozes ao serviço do mundo do futebol, faz-se uma experiência superior. Logo se adentra numa ardorosa e ostensiva várzea que desvincula, de modo interesseiro, a emoção do pensamento. Aí se excedem, pois então, pressupostos e preconceitos que enfraquecem a razão, banalizam o desvio e incapacitam a sensibilidade. Culpar apenas os adeptos é cobardia, é situar a causa distante da causalidade e esta retirada da sua prevalência. As sintomatologias da modernidade movimentam-se, além do mais, no fenómeno do futebol. As suas raízes, no presente, tornaram-se bem mais abrangentes, entranhadas e obscuras.

quarta-feira, abril 28, 2021

OS TÚMULOS DA VIDA


Estou velho, persiste-me apenas futuro. Sinto-me, em absoluto, impaciente com os rituais e, em verdade, morto com os protocolos. Abraço o que me dá vida, o que me traz a energia da dúvida e me sussurra a clareza do relativo. A palavra de ontem do “eu ideal” foi-se. Hoje, procuro uma verdade mais simples, mais nítida, a do “ideal do eu”. Sonho, realidade, ou mera obra do pensamento? Não sei. Certamente de tudo um pouco, ou mesmo nada disso. Unicamente pressinto a química que me projeta para além da sobrevivência. Abrindo-me à impermanência dos tempos, dos seus movimentos e das suas realidades. Definitivamente sem túmulos, os convencionais de ontem e os antecipados de hoje.

sexta-feira, abril 02, 2021

O FOSSO DA INDIGÊNCIA E AS SUAS PROFUNDIDADES


Seria superior alcançar a ideia de injustiça como prévia à idealização da justiça, ou seja, esta como confirmação daquela. Ao tempo, a justiça revelou-se como redarguição da injustiça, logo, um conceito oposto e deste derivado. Sem rodeios, afrontando a negação da vontade, da liberdade e da dignidade do outro. A injustiça fez-se, nesse tempo filosófico, a condição da justiça. Por sua vez, a justiça deste modo justificada e legitimada, torna-se argumento de direito. Do direito natural, moral, ao histórico e crescente direito jurídico. Neste criativo movimento, diz-se, busca-se ouvir e honrar a consciência moral mediante a instituição do acordo social e cominativo. Surge assim o Estado e o seu poder obrigante. Despontam os cânones que regulam, moderam e organizam a vida. Vagarosamente, a moral vai perdendo o seu impulso e o credo da convenção, captando o seu império. A justiça ganha autonomia, e no seu dinamismo arquiteta uma vontade racional própria. A injustiça, de causa passa a ser efeito, finalidade, motivo. A justiça, perde as suas raízes, e sem elas, passo a passo deturpa a relação entre a promessa e o contrato. Inverte a sua lógica e a sua correspondência original. Dissipa-se nos impetuosos egoísmos dos interesses e nas astúcias discursivas e politiqueiras dos poderes. As obscenas e crescentes desigualdades do tempo recente são a prova irrebatível desta inversão (ou mesmo regressão) civilizacional. A ambição da Igualdade vai-se perdendo nas sombras das suas palavras, das palavras reiterados do seu louvor.

segunda-feira, março 29, 2021

O IMEDIATO, O MEDIATO E UMA PERCEÇÃO

José Gil, no seu livro O Tempo Indomado, alega que a subjetividade digital implica novas perceções do espaço, do tempo e do corpo. Eis um enunciado labiríntico e desafiante, não só na superfície lisa e impaciente das ideias como, e aqui sim, nas presumíveis e caladas decorrências da deduzida, e consequente, virtualização em todos os domínios da experiência[1]. Sintetizando o tema de A crise da subjetividade, num arrumo meu, resumido, referencio alguns dos subtemas aludidos, predizendo, e assim anunciando, uma multiplicidade de relações indeterminadas, tais como, a experiência do tempo num tempo virtual, o encapsular do tempo e a absorção da realidade, a experiência do corpo, os processos de subjetivação, a manipulação das linguagens informatizadas, seus códigos e algoritmos, a desterritorialização dos referentes tradicionais e sua virtualização, entre outros possíveis.

Desta súmula prenunciadora, o essencial que daqui pretendo destacar, e ressair, é a questão central da subjetividade enquanto processo pelo qual o indivíduo traceja e organiza a sua singularidade e a torna elemento constitutivo do seu ser, indissociável do contexto, da historicidade, das significações e dos sentidos aí originados. Se assim for, será no âmbito consequente de uma complexificação progressiva de relações que, naturalmente, se vai incorporando e aprimorando (pela positiva ou não), uma construtura de mediações que posiciona o particular nesse inerente e permanente diálogo entre o singular e o universal, quiçá subjetivo. Daí, certamente, desponta a importância da qualidade e da materialidade (humana e social) dos vínculos que se estabelecem com a vida e com o mundo, relevando a sua hierarquização e subordinação, de modo que a “consciência sobre si” se faça útil, moral e exigente. Todavia, a caotização geral de que José Gil refere, as brechas que abre e espalha, e que certos interesses e poderes aproveitam, e impõem, será ou não, interrogo-me então, fruto/produto de uma crise da subjetividade inscrita, e acasalada, já hoje, no silêncio dessa alegada crise generalizada da vida social e individual?


[1] Págs.101 a 104.

sábado, fevereiro 20, 2021

UM RENASCER DO PURGATÓRIO?


A memória procura lembrar, a história construir. Tornando presente o passado, possibilita-se futuro. A sua herança dispõe saber. Entre um e o outro tempo, fica o tempo de um imaginário, sempre mudável. Um todo, afinal, onde o passo faz caminho, e o caminho, obra. Obra coberta de imagens. Visuais, mentais, oníricas e simbólicas. Bem como modos de representar, de pensar, de sentir e de agir. Que se disputam, seguramente. Mas capazes de partilhar e se alongarem em um tempo de curso coletivo. Um tempo histórico, com verdade, não anacrónico, fora do tempo. Diversamente, um tempo feito de juízos e sensibilidades do tempo presente. Sem evasivas ou inventos de lugares consoladores entre o paraíso e o inferno. O consenso, estou certo, realizará o seu caminho, o caminho da história, da evolução civilizacional.

sexta-feira, fevereiro 12, 2021

O DESENTENDIMENTO COM A REALIDADE

(Um breve comentário ao excelente texto de João Almeida Santos)

A irresponsabilidade libidinosa da política tabloide e a similar esparrela das redes sociais, eis o que temos. No fundo, um traiçoeiro reforço para a nossa preguiçosa e incauta desatenção seletiva. Aí, a polémica vira ingrediente de estéreis disputas e as opiniões desvirtuam-se na apatia da desconversa acomodada. E assim, absorvido, se vai entranhando na viva e ruinosa monotonia do absentismo crítico, e criativo. Pergunta-se; a quem interessará o alcance crescente deste recreativo impasse?

quinta-feira, janeiro 21, 2021

GENTE BOA, E OUTROS


Há dicotomias que não esgotam a sua amplitude. Adormecem no tempo, propiciam a recorrência e sustentam a ignorância. O humano é um ser de relações e o seu agir habilitado manifesta-se a partir desse complexo relacional. O vicioso conformismo moralista, por sua vez, arredado do devir e do múltiplo, conforta-se no silêncio da ignorância que o serve. Com o seu olhar socialmente imposto, esforça-se assim em desvigorar compreensões e possibilidades. Em desfavor de uma necessidade ética de afirmação do humano e da sua condição. E como tal, das mudanças que as possam constituir. Sem os outros, com toda a certeza, não haverá essa gente boa.

quinta-feira, janeiro 14, 2021

VERDADES ACOBERTADAS

Inquieto e ansioso, no meu divã analítico me sento. Aqui vou procurando esboçar razões sobre os plurais, e presidenciais, verbos em uso. Atinando, ou talvez não, como se esgaravata a palavra, se mimica o esgar e se contamina cabeças. Com mais ou menos pressa, apenas com o fito de se achegar aos vantajosos poderes do Estado. Assim, disponível a inopinadas e cénicas agitações, disponho-me a ser atraído pela imoderação do impressionável. Logo, pronto à compaixão do que me possa sair do tom, apto ao que não me soa bem, propenso, por adição, ao hiato ético do insólito. Acima de tudo, atento à trama comocional dos detalhes e dos iterados factos fora de cenário. Uns, comezinhos e burlescos, outros, ao que parece, impulsivos na suposta e certa hora de agir. Dispondo do “terra a terra” das circunstâncias, mas ambos excludentes, boçais e grotescos. Em prenunciado pirutear mediante a arte discursiva do simplismo binário, rude e grosseiro. Por isso, só empastado neste mundo do subentendido se descobrem verdades acobertadas. Afinal não há desemprego, eis um exemplo. Existem, sim, malandros que não querem trabucar. Muitos destes convertem-se emigrantes, afinal de contas, para vaguear por aí, digressionando. Querem mais? Sentem-se e desfrutem do (e no) vosso divã…

sábado, dezembro 26, 2020

SUGESTÃO PARA IMPACIENTES



Quando te fizerem uma pergunta, antes de responderes, deixa a pergunta respirar…




Imagem retirada DAQUI

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quarta-feira, dezembro 23, 2020










Natal, um tempo, simbólico e denso, de afetos e valores. Um tempo, de subtil química, confiado ao enleio do estreito abraço. De um “nós” que aceita a qualidade do diverso, do sentimento aberto e do renascer das memórias. Um Natal, afinal, que se repete, na verdade, recriando-se. E que assim seja, reverdecendo o intemporal voto de um Feliz Natal.

sexta-feira, dezembro 18, 2020

O MEU VOTO ... ÚTIL



“Se não tratares da política, a política trata de ti”

O voto útil tem, e terá sempre, fundamento na afirmação política e não na (em) conformidade com uma qualquer algoritmia eleitoral. Assim, vale nestas circunstâncias, de mais a mais politicamente engenhadas, lembrar essa verdade primeira, a da razão de ser do voto. A epistemologia dos cálculos não passa de um entretém ideológico, como bem se pôde confirmar na passada “Circulatura do Quadrado[1]. O refrão, aliás, de uma burguesona e persistente saloiice política…


[1] A 16.12.2020.

sábado, dezembro 05, 2020

NA DESPEDIDA DE EDUARDO LOURENÇO

Agradeçamos ao Deus dos vivos e dos mortos; agradeçamos ao Deus fiel a todas as nossas perguntas, sobretudo àquelas para as quais não encontramos reposta; agradeçamos ao Deus que se debruça sobre as nossas procuras, que anota estes nossos passos balbuciantes, este nosso tatear como se na ausência víssemos o invisível; agradeçamos ao Deus das Bem-Aventuranças as palavras que Eduardo Lourenço nos iluminou sorrindo e aquelas para cujo sentido ele nos abriu chorando[1].


Não afirmando a existência de Deus, admito-o em nós, nas perguntas para as quais não temos respostas, nas procuras obstinadas que não nos afadigam, nas incertezas que suscitam a humana teimosia da indagação, nesse bem-querer igualmente humano de abraçar a sua humanidade, manifestamente sempre imperfeita e insuficiente. Acompanhando, sem vaidades e arrogâncias, a simplicidade da limitação e da finitude, desse deus afinal que, pela Razão, em nós nos completa.



[1] Tolentino Mendonça termina assim a sua sublime homilia na despedida de Eduardo Lourenço (ler em https://dasculturas.com/2020/12/04/texto-da-homilia-de-jose-tolentino-de-mendonca-na-despedida-de-eduardo-lourenco/).

sábado, novembro 14, 2020

SEM-VERGONHICE

NOTAS DESLAÇADAS

… os EUA podem ter crédito praticamente infinito, o dólar é a divisa mundial, não há limites à quantia que os Estados Unidos podem pedir e obter crédito[1]. O capitalismo, sobretudo nesta sua particular onda, sem desfaçatez, desvela que um qualquer Estado (em termos genéricos) nada mais pode ser senão uma conspiração dos ricos…


[1] Diz Fareed ZaKaria, em entrevista ao Expresso (13NOV2020)

sexta-feira, novembro 13, 2020

UM DEVER DE SER CIDADÃO, HOJE

Julgar, formar juízos face aos populismos políticos, e áreas circunvizinhas, exige que se apresente, e se dê a conhecer, o registo da simplificação em que tomam assento as suas manhas de linguagem. Importa, do meu ponto de vista, aliás com vivaz propósito o digo, alertar para o superficial quotidiano das representações que se admitem na reflexão sobre a verdade da vida em geral, advertindo que tais simplicidades organizam e modelam discernimentos configuradores de realidades, cortejadores de preguiçosas e conformadas avaliações e/ou comportamentos. Deste modo, convicção minha, é que é neste lugar tacanho em que obviamente se entalham tais ideologias, se amanham perceções, ressecam lógicas e se emperram desenvolvimentos. A ideologia desta emergente e contemporânea direita, que à direita se apresenta como alternativa, abasta-se, pois, nesta semiótica bandeja de abusivas, apressadas e descomplicadas generalizações onde se apronta, e se serve, os seus simplificadores códigos binários, reconheça-se, de produtiva utilidade excludente. Tudo se remexe e encurta, deste modo, ao preto e branco, ao bom e mau, ao insuspeito e ao estranho, em síntese, a um falso e simplista jogo simbólico que não admite uma outra qualquer razão subordinada à reciprocidade e à compreensão dos valores da primazia democrática. O sentido e o significado de cidadania, intrinsecamente ligada - hoje - ao desenvolvimento humano e social, apela assim à consciência de cada um de nós e à nossa própria inteligência. Trata-se de um inalienável direito cuja substancialidade exige o cumprimento persistente desse dever (social e cultural, logo político) de cidadania.

quarta-feira, outubro 07, 2020

O “DILEMA DAS REDES SOCIAIS”, DA CRÍTICA AO FANTASMA DA DESGRAÇA

Um testemunho [1] que retrata, objeta e aclara mudanças, algumas delas desafiantes em face dos seus abalos na nossa vida. Desde o simples e mordaz “like”, na busca pessoal e ingénua de enganosos reconhecimentos, à extensa dimensão traficante de dados como fonte de lucro ou rendimento, assim como a outros silenciados tópicos que aí se ilustram. Julgo que ninguém duvidará que as redes sociais nos oferecem coisas auspiciosas, ímpares e surpreendentes. Todavia, os algoritmos que as confirmam sempre processam informações, encontram soluções, resolvem problemas e causam mudanças. Muitas destas versatilidades parece revelarem-se de intencionalidade danosa. Sim, mas aqui chegados, perguntar-se-á; para onde nos poderá levar esta palpitante arena de mediação? Para uma menoridade humana regressiva ou, pelo contrário, favorecerá a nossa liberdade, aperfeiçoando a nossa inteligência e comunicação? Lembremo-nos que, ao longo dos tempos, bem antes das “redes sociais”, a dependência sempre nos limitou e o negócio nos utilizou, porventura, nem sempre nos servindo. Porém, uma certeza se apresenta; o digital veio para ficar, apensando-se ao mundo real e fazendo deste o seu próprio mundo. Sintetizo, citando João Almeida Santos: “… tal como aconteceu com a televisão, esta revolução será devidamente metabolizada pela História e conhecerá o destino que formos capazes de construir, agora que a cidadania tem meios para o fazer como nunca teve no passado”. Haja, então, saber e coragem de utilizar a inteligência e a liberdade que o exercício da cidadania exige e a nossa humana condição impõe.


[1] Documentário da NETFLIX sobre “O Dilema das Redes Sociais”.

quinta-feira, outubro 01, 2020

MAS, É SEMPRE POSSÍVEL AVANÇAR

A vida surpreende-nos mais do que supomos. A verdade das evidências assim o revela ante a realidade patética dos desencontros. Dos desejos que não se cumprem às esperanças, afinal, infundadas. Habitamos pressupostos que nem sempre questionamos e, sobretudo, pressentindo o temor da inquietação, não temos a coragem de desafiar. Certamente reconhecendo que os pressupostos acompanham, em síntese, a vital efluência da sensorialidade das nossas expectativas. Humano? Sim, desejavelmente humano. Contudo, dramaticamente humano. Na busca infindável de um ajustado (tolerável) paradigma mundano mais saudável.

terça-feira, setembro 29, 2020

A APARIÇÃO DO PALADINO


A jura de um futuro que enlaça o medo, o desconhecido e a imperfeição, pelo interior de um legível retrocesso civilizacional, presentifica-se mediante uma codificação semântica imaginária assente no primarismo emocional. Daí, o empenhamento numa prosa ideológica ao serviço de um redutor, embora eficaz, esquema de busca de volúveis identidades afetivas assentes na credulidade, na ignorância e na conveniência de uma ardilosa autoridade. Chega!

quarta-feira, setembro 16, 2020

POLÍTICA, FUTEBOL E DESDOBRAMENTOS

Política e futebol, ou futebol e política, a miúdo mostram-se enrodilhados no miasma epidémico das significações. De conversões inusitadas, o reducionismo dicotómico presta-se ao semiótico partilhado. Estou onde estou, pois o meu estar nada tem a ver com a política. Muito dessa imundice calculista, em rede com o lixo emocional do adepto, vem enodoando a brisa social da nossa cidadania. Significando, germinando e, lamentavelmente, muitas vezes enraizando. Eis para mim, entre semelhantes, um elementar de tristes e reiteradas arengas.

sábado, setembro 12, 2020

LER, DANDO ALMA AOS LIVROS E VIDA À VIDA


Quando tudo se desmorona, o que resta é a cultura” (Alberto Manguel”)

Acabo de ler a entrevista do bibliófilo Alberto Manguel à A REVISTA DO EXPRESSO. Reforço, sublinhando, as suas mensagens finais. Diz ele:

  • Em França , sempre que jovens vinham visitar a biblioteca, eu dizia-lhes; … “Posso prometer-vos uma coisa: se procurarem durante tempo suficiente, garanto que há pelo menos um livro, uma página, um parágrafo ou uma palavra que foram escritas para vocês, e isso vai iluminar-vos o caminho. Procurem e acabarão por encontrá-lo.
  • Mais à frente, sobre a confiança nas gerações futuras, ele responde … Sim, mas só se a educação que dermos a essas gerações for um espaço aberto à imaginação, um campo de liberdade. Se isso acontecer, talvez deixemos de estar à beira do precipício. Porque é aí que estamos agora. À beira do precipício.

Termina, então, dizendo … Eu sei que estou no último capítulo. Restam-me algumas páginas, mas estou absolutamente satisfeito com as leituras que pude fazer.

Imóvel, apenas o meu olhar ousou recuar, relendo estas últimas das suas palavras. Inconformado, sem dúvida, com as leituras que não fiz, e agastado com o tempo (este tempo) que seguramente vai encolhendo…

quarta-feira, agosto 19, 2020

LABIRINTOS MAIS OU MENOS ARCAICOS

Mesmo que enlaçados, ler e escrever requerem disposições discrepantes. Quanto a mim, é mais imediato, porventura mais mobilizador, cultivar o pensamento através do diálogo com a leitura. Não obstante, a escrita proporciona-me, e vai impondo ao meu pensar, o deleite da disciplina, da coerência e da profundidade. Imposições às quais vai acrescendo a escrupulosa exigência de agradar ao intento de dispor de um pensamento sentido como livre e verdadeiro. Tornando-me, quem sabe, mais transparente, mais sujeito da minha subjetividade, neste tempo abstruso, denso de sucessivas e bastardas incitações. Na verdade, situamo-nos num tempo sombrio, de silenciosa serventia aos aguilhões do exterior, que causando a dispersão do interior humano, imergem o homem no lodaçal primário das entranhas emocionais. Forçado à presença teimosa desta cultura perversa, o sujeito desliga-se de si, dissolve-se e enfraquece-se. Já absorto e distraído, deixa-se então “encaixotar” – é o termo – no recetáculo regrado de uma anestesiante e simplista subjetividade. Ademais, gerando e tramando, através dela, cínicas e novas condições à expansão das vulnerabilidades individuais, tecendo, e é disso que se trata, decorrentes e talhadas conjunções de conformidade irrefletida. Afinal, obediências de que os múltiplos populismos se valem, e buscam, da economia à política, frutescendo o disfarce das determinações que, na deslisura, os possam justificar e validar. Assim acreditando, finalizo este breve texto parafraseando Francisco Louçã[1], admitindo que o sonambulismo não nos irá proteger, em tempo algum, desse e doutros vírus ubuescos. Bem pelo contrário.


[1] Em “A estratégia do bufão” (A Revista do Expresso, de 15 de agosto de 2020).