segunda-feira, março 06, 2023

NUNO BELO, LEVA CONTIGO O MEU ABRAÇO

Vivenciar ao longo dos tempos a indubitável experiência de simpatia pelo Nuno é sentir algo de humanamente profundo. Referenciar estas ou aquelas qualidades em qualquer dos momentos desafia a insuportável insuficiência das palavras, dos conceitos que se requerem e, particularmente, da verdade que, ao longo do tempo, nos uniu. Por mim, e no dia de hoje, elejo o pressuposto da dignidade enquanto verdade de uma humana relação com o outro que o filósofo bem aconselhou; "Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio". Com o Nuno convivi e com ele profissionalmente trabalhei alguns bons anos. Com muito entusiasmo e alegria pelo desporto, mas também com imenso respeito, dignidade e sadia verdade. Com o Nuno fiz-me mais pessoa e melhor professor. Obrigado Nuno e até sempre.

quarta-feira, fevereiro 22, 2023

A LIBERDADE, OS TEMPOS E OS SEUS RITMOS

Reconheço-me estranho, de uma estranheza que me inquieta na condição humana da proximidade quando maltratada pela ofensa, subtil que seja, à verdade inteira. A dissimulada simpatia, cínica no seu formal sorriso da languidez moral da circunstância, aliás sempre retraída, melhor ou pior reconforta o que em tempo algum se ajusta. Afinal, tudo me parece confundir-se na inteireza da essencial integridade. Unidade essa aliás, por sua vez e por inteiro, desde logo perdida nas suas refeitas e descoloridas raízes da indefinível sinceridade. A determinação desvirtuada e a imaginação empobrecida sulcam assim os caminhos dos triviais artifícios das manhas há muito erradamente ratificadas. Por vezes, e não poucas, penso ter deixado de ser eu, ou pior, ter descuidado a coragem que me exige a liberdade, me dá vida e me faz humano. Diria que sempre presente, quiçá obstinado, com equívocos certamente, creio por inteiro na minha vontade de ser livre e em conformidade, sublinho, com a verdade que a outros possa tornar-se coisa certa, claramente certa porque aperfeiçoável e irrefutável.

segunda-feira, fevereiro 06, 2023

GALHOFAR COM OS MORALISTAS DA APARÊNCIA

Estes artistas não são o que são e o que os envinagra é o que os lhes é exibido enquanto divergente e incomum. A moral do artificio, do descaro destes que não são o que são, como se confirma, engata ronceiros umbigos em cadeia. O compromisso e o ganho que dessa ardileza se revela animam os incautos cordeiros mais do que importunam os lobos disfarçados. A bonomia da cegueira não enxerga a patranha e, por consequência, dá voz e sentido à miopia do truculento descabido. Daí, uma arrogante e fiteira fala, que do fundo do seu armário, não só se faz ouvir como conspurca o ecossistema com a sua petulante sedução. O idiotismo assim se deixa enraizar à conveniência do útil e vagabundo pragmatismo. Onde o ser e o parecer cegamente se tornam face única da buçal e trapaceira máscara. A hipocrisia altruísta, sempre cúmplice de si, não se arreda das suas egoístas obtusidades. Os seus arbítrios e os despontantes poderes que a estas se aproximam, e deles se servem, logo as arrebatam. Os cegos são mais que muitos e a malandragem de imediato se dispõe a cooperar e a orquestrar a dramática marcha da vida. Venham as bengalas ou, na falta delas, reinvente-se o mundo com uma diferente e astuciosa cegueira. Um mundo que por estes trilhos ou restaurados atalhos se esconde entre os matagais das trapaças ou, bem mais seguros, pelos meandros tumultuosos dos seus espessos arvoredos. A singularidade no meu circunstancial retiro torna o desabafo, estou certo, não muito corajoso. Todavia, salutarmente mais livre.

segunda-feira, janeiro 30, 2023

FUNDAMENTALISMOS DEMOCRÁTICOS

As inclinações demagógicas atraem em geral astuciosas obliquidades.  Sobretudo as de tendências totalizadoras. Aquelas que nutrem os poderes que sempre medram das credulidades desatentas e, de preferência, ajoelhadas. Abusam da humana ingenuidade das incautas massas suscitando aproveitáveis arbitrariedades tendenciosas. Isto posto, revigoram ao mesmo tempo calculadas e traiçoeiras intolerâncias ideológicas. Falseiam-se implacáveis fundamentos políticos aliciadores de convenientes vantagens e uteis arbítrios. A tagarela da liberdade desperta-se, pois então, como bandeira da farsa e do açambarcamento. A concorrência estorva e assim se anunciam perversidades a suprimir. Os insaciáveis glutões, embora cada vez menos, tornam-se cada vez mais ganhadores. Os derrotados, pelo contrário, são cada vez mais e, acima de tudo, mais vencidos. Os redentores fundamentalistas logo se apandilham na cobiçada poltrona da esperada ascendência. O demagogismo exacerba-se e o inseparável populismo encena o oculto e impreterível espetáculo. Da comoção autoritária saltita-se para o artístico embuste da difamação democrática. Servindo-se, embora tristemente bem, da afamada sagacidade desses tais abespinhados e assanhados fundamentalismos democráticos. Graças a seguidismos cegos de novos messias, de certezas certas, verdades indiscutíveis e de sedutores encantos de social e humana arrumação.

quarta-feira, janeiro 25, 2023

AS MEMÓRIAS E OS TEMPOS

Pressinto a realidade mover-se em mim. Seguramente entre a verdade e a imaginação. Explorando roteiros da humana e pautada compreensibilidade. Logo, caminhos que pelo juízo da lisura me vão despertando renovados horizontes. Guiões afinal que reconsideram a impreterível mobilidade da condição e do seu tempo. De possibilidades que exigem uma decidida e generosa compreensão. Caminhando interpretações assediadas pela inquietação das incertezas. Desafiadas estas por dessintonias diversas da singularidade hermenêutica dos tempos. Tudo se me junta, se aproxima, se completa ou, pelo contrário, se confronta. Possíveis prováveis sobressaem, outros tantos se desvalorizam. Sempre ajuizados no reconhecido desassossego do entendimento. O equívoco racional não ajuda, apressa-se sim a curvar-se ao abstrato impreciso da (in)verdade. Revisito então o passado procurando o acordo de memórias, das suas moradas e dos seus tempos. Hoje, em lugares distintos, e mudadas as experiências, revisito as lembranças. Reconheço linguagens estranhas e diferenciadas de um inconsciente que de mim faz parte. Apenas me relembro, e bem. A desconstrução aperfeiçoou-se captando recomeçadas decifrações. Da pertinência das margens, da significação das omissões e do reconhecimento das inescrutáveis sobras. Sinto-me mais eu, sinto que com o tempo apaziguei a imaginação e a verdade. Encurtei a distância entre elas. O diálogo tornou-se outro. Para o melhor das minhas memórias.

domingo, janeiro 22, 2023

A ARTE DA ARTIFICIALIDADE

 O desejo não se basta com o trivial peregrinar da necessidade. A sua medular presença soterra-se na mnemónica de efémeras e repostadas satisfações. Ou por outra, resfolga nesse calado tédio da embalada permanência. Cumpre-se o imediato apetecido, mas não o fundo da experiência da satisfação. O inconsciente absorve o gozo encolhido na história da sua sinuosa e duvidosa agitação. Do desejo empobrecido no seu ser-aí e da sua linguagem. Afinal, tudo parece anunciar-se indistinto, solto e insuficiente. De costas voltadas para o irmanado sentimento do humano, do apego e da verdade.

sábado, janeiro 14, 2023

CONJUGAÇÃO VERBAL

                               Nota; o texto apresentado é da autoria do meu amigo DELFIM CAMPOS

Já o disse e reafirmo: é uma miserável IPSS espelunca esta em que estou internado.
Melhor diria, encarcerado.
Mas eu reconheço que o pessoal auxiliar e de enfermagem todos nos mimoseiam constante e continuamente com açucarado tratamento.
Ele é “vamos comer, querido”, “são horas do soninho, amor”, “vamos tomar os remédios, meu lindo”.
Ora, é inevitável, ao fim de algum tempo já não se aguenta tanta pieguice.
É demais.
Há uns dias atrás, calhou-me em sorte aparecer a despertar-me uma matulona de meia idade, a abanar-me e a sussurrar-me: “São horas do banho, amor lindo, vamos acordar…
Recalcitrante, estremunhado, virei-me para o lado e fiz tenção de reatar o meu interrompido sono.
Mas a gaja era insistente e porfiou: “Então, querido, vamos lá tomar o nosso banhinho, vai-nos saber tão bem!
Aquilo decidiu-me: sentei-me na cama, sorri-lhe o sorriso mais escancarado e descarado que consegui, e convidei-a: “Vamos lá, então, querida. Eu dispo-te, tu despes-me, eu ensaboo-te as mamas e tu lavas-me a piloca…
Ficou fula num instante, os peitos inchados que nem câmara de ar de camião TIR: “Seu filho da puta mal educado!!!”, grunhiu-me furibunda.
Tentei aplacar a megera furiosa: “Minha senhora, a senhora disse ‘vamos’. ‘Vamos’ é 1ª pessoa do plural. Por isso, já vê…
Não viu ou não quis ver. Atirou-me à cara uma almofada quase tão anafada como a sua monstruosa mamosidade e desandou porta fora.
Vá lá a gente querer ensinar a língua portuguesa à plebe ignara.

O MANO NARCISO

No começo, as públicas maneiras de Marcelo, animadas e desembaraçadas, adocicaram a minha precipitada empatia com um eu de um outro que, afinal, não é o Marcelo, mas sim o seu mano Narciso. Sim, é a recreativa sumidade deste que o leva deleitar-se e a arrebatar-se com os fogosos povaréus que teimosamente o assediam e asfixiam. À vista disso, é o mano Narciso, e não o sóbrio Marcelo, como se testemunha pela animada comunhão de beijocas salivantes, afagos aromáticos e proximidades descaradas. Aliás, pela badalada e reconhecida insuficiência narcísica de Marcelo, ele só pode ser um outro manifestamente oposto ao mano Narciso. Marcelo, creio eu, encolerizar-se-ia na presença de um repetido e alvar riso de um qualquer e indistinto espelho popular. Quem apadrinharia, então, essa ousada ideia que Marcelo e Narciso seriam irmãos, ainda por cima gémeos? Ninguém, ou talvez apenas uns poucos acreditariam naquele outro que se faz dois em um, em um outro que, afinal, se prestaria à carnavalesca e burlesca calha. Que deus nos acuda se puder e se para aí estiver virado.

terça-feira, dezembro 27, 2022

A INCERTEZA DOS SENTIDOS

 Com regularidade enfrentamos situações burlescas. Como se sabe, palavras desalinhadas de critérios enfatuados azedam muito o pessoal niquento. Esta gente educada, quem sabe porventura aburguesada, forja à pressa, e mal, sensibilidades enxofradas que legitimam as suas irretorquíveis más caras. Nestas circunstâncias, de preferência quando expostas a outros, apenas a reprimenda de grosseria não basta. Tornar-se-ia apenas o mindinho da sua dramática e martirizada inquietação e representação. A oportunidade do descabido pretexta-se, então, incómoda, exige mais, algum teatro e, sobretudo, levar o texto à cena. Afinal, importa exigir a mão gorda da petulância acomodada ao asserto da pirâmide social. O que está em causa não é, afinal de contas, o que é ou parece ser, mas sim o que importa comprovar. No caso, uma dama desvela a sua meritória e snobe aparência perante o descuido dum “merda” solto por um rapazola, aliás, mais alheado do que atrevidaço. Olhando então de soslaio e de voz afiada para o jovem boçal, a dama reclama em voz alta respeito, muito respeito. Sobretudo, por si, pois não teria sido alfabetizada para tamanha rusticidade. O rapaz acabrunhado, diminuído e sem jeito, sem olhar para a dita, titubeia para um dos seus amigos; “porra, já fiz merda, peço desculpa senhora”. Os diversos presentes, todos eles mais adultos, olham-se e não resistem. A gargalhada geral acontece, ruidosa e prolongada. O ridículo da sobranceria da polida e respeitosa ricaça, se rica era, afinal não era para menos. A cumplicidade do riso acabou por se tornar o testemunho da verdade do seu excesso grotesco.

segunda-feira, dezembro 26, 2022

O ÍNTIMO EMPAREDADO

 O certo é certamente um não se acertar. Um caminho que requer paciência, insistência e aventura. Vidas concertadas pela certeza das incertezas. Não induzidas ou catequizadas pela impossibilidade. Encostadas sim, e sempre, à verdade sentida como possível. Certamente no distante do mais adiante. Sem receios de recuos, de ilusórias pisadas ou de crenças sem luz. Exilado em teias de captura, redes de invenções, ilusões ou preconceitos. No íntimo do corpo, na sua humana condição asilar de sensações, prazeres e afetos. Na errância viva da incerta e espelhada continuidade.

segunda-feira, novembro 21, 2022

HÁ DIAS E RUMOS

As rotas da vida nem sempre se fazem acompanhar da liberdade. Os caminhos, decididos ou devidos, desafiam, sem exceção, múltiplas e adversas inclinações. O “hoje e aqui” tudo pode estimular, confundir ou comprometer. Ainda assim, associada à vida, a emancipação hesita no exercício e uso da sua inspiradora razão. Aí e diversamente, sempre sujeita à serenidade do afeto, à agitação da emoção ou ao todo recomposto que as vinculam. Sentimentos, de mais a mais, aparentemente contraditórios e por vezes incombináveis, embora visceralmente determinantes. O afeto e a emoção tornam-se, pensando bem, pilares basilares dos arrimos humanos da compreensão, ou seja, da razão capaz de mais verdade. Sobretudo, da verdade que nos acompanha e, com uma inevitável certeza, nos reconduz na nossa indeclinável sintaxe identitária. Por isso, todos os dias há dias e rumos que nos marcam, ou seja, circunstâncias que nos desafiam enquanto seres intencionais. Por isso, a liberdade julgo tornar-se incómoda pela exigência da sua verdade, não só moral, mas intrinsecamente existencial.

domingo, novembro 20, 2022

A FUTURIDADE SEM RUMO

 

A monetária e obscura palavra política usa e abusa do termo futuro, sobretudo quando o presente lhe aponta o dedo acusador. Na circunstância, a música dos valores sobe de tom, a harmonia dos princípios busca os acordes e a entediante versificação do cântico entrega-se às suas convenientes tonalidades. O tateável do humano e triste fado assim se desvanece no acervo das abstrações e o concreto da vida se deixa absorver na apatia de uma estranha realidade. Eis a política que se oferece para um futuro ricocheteado pela mesma música, a tal música aliciante que chalaceia e convence um crédulo e abstraído meio mundo.

quarta-feira, outubro 26, 2022

EVIDÊNCIAS OCULTAS

 Neste tempo da (pós)modernidade a verbosidade não falta. Vive-se tempos energicamente marcados pelo agressivo e dispersado paradigma do imperialismo capitalista. A racionalidade neoliberal vai-se incentivando através da traiçoeira palavra legitimadora do egocêntrico e interesseiro individualismo. As oposições primárias que servem o seu expansionismo repetem-se e dão-lhe sustento reforçado. As variantes incessantes do primário, eu sou eu e o outro é outro, o que é meu é meu e tudo o resto são tretas, ressoam. Da sua diversa e reconhecida simpleza, muda e múltipla, despontam as raízes discursivas. Rotineiras e vivamente repetidas, fazem-se identitárias de forte enlace ideológico. Outros arranjos se associam revigorando dilúvios de poder de oficiosos corpos intermédios. De simbólicos a representativos é um pulo credor de validação democrática. Assim sendo, no terreno da vida e das suas circunstâncias, invocar o inverso é infame. Rotuladas de lábias sujas, próprias de indolentes enciumados ou de obtusos e ferozes esquerdistas. Por isso, é neste contexto que o Privado, enquanto sector, se apresenta com rematadas certezas e irrefutáveis méritos. Mesmo assim, o Público canhoto, o dito comum, talvez importe, sim, mas para tratar, e apenas, do que sobra. Acima de tudo, se se amiga ao particular e a ele se molda. Só assim a Liberdade merece ser confirmada, a Democracia validada e, como tal, o Povo não deixará de ser soberano alcançando o cume da pirâmide hierárquica do poder. Porém, com a vida fluidificada na narrativa fabulosa dos referidos conceitos de Liberdade e de Democracia, o nocivo tóxico das abstrações produz os seus efeitos. As analogias, as metáforas, as imagens e as comparações assim se vão sucedendo na acolchoada representação da teatral retórica. O futuro manter-se-á pois garantido, todavia na reiterada e estrutural promessa de credenciar essa gente competente, e não só, também gente boa e de bolsos cheios.

quarta-feira, outubro 05, 2022

O HOMEM ENTORPECIDO

Somos frutos de rotinas, espelhos, crendices e significâncias que, ato contínuo, se alimentam comprometidos. Assim feitos, não nos é fácil desarticular a homogeneidade da sua aparente coerência e, deste modo, distinguir a discrepância dos seus extremos. Isto posto, não se faz fácil desmentir o presente e tornar passado a memória que não nos liberta da sua poluída potência. O futuro assim vai despontando em um presente pleno de conversões, todavia presos à naturalizada sornice do “sempre foi assim”.  Seres irrelevantes, aceitáveis neste especulativo mundo que faz do homem um ser idiota, imoral e apolítico. Um ser adimensional, adormecido na sombra da sua humanidade, individualista e irreal.

sábado, agosto 27, 2022

PARA UM CONFIRMADO AMIGO

 Aqui vai um desabafo em jeito de censura à minha descuidada atitude face a uma circunstancial precipitação retórica que, de modo ocasional, confirmou a “lei de Godwin” e a sua consequente orientação acusadora e esclarecedora. Em princípio, o que diz ela afinal e, sobretudo, o que a edifica? Diria que nos aclara a imprudência que, no quadro de uma discussão distendida, nos poderá conduzir à banal e censurada precipitação a recursos de arbítrio fácil, quiçá de instintiva afronta, lembrando ao outro hipotéticas inclinações. Por exemplo, aproximá-lo (em modo reflexo) a um qualquer Hitler ou, no caso, a incómodos descendentes genéticos. Reconheço que a salubridade humana, relacional, social e democrática, por aqui passa. O meu pontual desalinho, o descuido em geral aliás, estou certo, maleficia a liberdade de expressão, desconsidera o outro e agride a empatia da civilidade. A circunstância, por vezes, gera sensações que escapam à alçada do somado saber de experiência feito. Desacertei, sem dúvida. Daí a razão do presente acerto. Um abraço.

terça-feira, agosto 16, 2022

DA METÁFORA AO SILÊNCIO DA VERDADE

 Parafraseando Serge Halimi (“Le Monde Diplomatique”/agosto 2022), e prestando atenção ao seu editorial, atrevo-me à impertinência - que a liberdade me permite e a sintonia estimula - de realçar que as “medidas de urgência” que se sucedem, e se vão aclamando, cuidam, com o devido método, e fingimento, da irredutível espera das urgentes e sempre proteladas medidas. Não é verdade que o Estado vai oferecendo “ventoinhas e garrafas de água aos mais pobres, e descontos na gasolina aos que não fazem as compras de bicicleta”? A confiança persistirá, estou certo, mesmo caminhando na lama destas, e de outras, infindáveis frustrações, quiçá, aviltamentos à dignidade humana.

quinta-feira, julho 14, 2022

SEGUIR EM FRENTE, EM CÍRCULO

 O excesso encaminha as exigências de uns. As insuficiências as necessidades de outros. Os primeiros consomem, os outros consomem-se. Vidas dissonantes em inquietante sintonia. Repetidamente faladas, sim. Perduravelmente desconsideradas, outrossim. Um jogo, afinal, que se consome na esperança. Na perdurável promessa com tempo e não prazo. Um presente tal qual presentes outros que houveram. A permanência da continuidade. Da palavra e do compromisso. Dos excessos e das insuficiências. Das suas raízes. Da injustiça.

terça-feira, julho 12, 2022

IDENTIFICAÇÕES ENVIESADAS

 Não poucas vezes acerta-se o cenário em conformidade com o pretendido. Aí se intenta afinar a adicional mecanicidade da representação, do sinuoso engenho do modo e da afetação. Preambula-se pelo geral, pela névoa apelativa do impreciso, fazendo-o deslizar para a lógica encurtada das acomodações convenientes. Em especial, através da suasiva e magnética atmosfera, fazendo o juízo desejado caminhar na conformação do desvio aprontado. Verdade seja dita, nem sempre consciente da arte libidinal do enredo, mas certo da sua eficiente sublimação. Para tal, a ficção sobrevém ao facto suscitando no outro o linear conforto da identificação, do imediatismo relacional e da simpática e cómoda credulidade. Em suma, a afável precipitação não serve, é minha opinião, a exigência do autêntico e, particularmente, a salutar e humana simplicidade que dele, no relacionamento, se eleva.

sábado, junho 04, 2022

TOLEREM-ME

A política não é suja. Sujos, sim, são aqueles que a tornam suja. Ou seja, política e socialmente desacreditada...  


terça-feira, março 08, 2022

DEIXADOS DE LADO

A proximidade, na sua abeirada cidadania, sempre significa. Significa sempre muito, e muito especialmente. Por certo quando semeia a intimidade da humana condição. Acertando vínculos, reconhecendo histórias e testemunhando identidades. Bem como sensibilidades e valores fruto desse cuidado reiterado e interpelante. Os tempos vão-se passando e sucedem-se no seu impreciso porvir sem momentos perdidos. As rugas, sinais desse desenrolar inexato, mais tarde se anunciam. Despontam e intumescem na contínua agitação da paulatina e pronunciável solidão. Enlaçando-se em memórias que se fazem de afastamentos e melancolias. Que remanescem na obstinada e impiedosa ausência. Memórias que se contam, ou se calam, em reditos diálogos de crença, desalento ou mesmo de cansaço. Memórias de um lugar remoto, porventura adormecido por um presente que inesperadamente se estranha, e entranha. Nesse lugar vazio sem saída onde apenas se espera por alguém. Sobretudo pelos que prometeram sempre, a cada instante, aparecer. Em todo o caso a vida continuará. Esses, os que hoje não aparecem, amanhã pacientemente saberão, sem dúvida, esperar.

sábado, fevereiro 05, 2022

ADENDA ELEITORAL

Uma adenda, um acrescentamento marcado pela imediatidade ideológica sensível à geometria protocolar, e horizontalizada, da corrente cartografia política. Deste jeito, diria, que ante o divinizado centro, o útil bateu certo à esquerda, ao passo que a briga, como sequela, se bravateia hoje à direita. O cansaço de Costa foi-se, e logo espalhou o transe do seu avesso. Rio, esse, naufragou, e encalhado modorra na raia do sugestivo e maroto engodo. Fora dos deificados, Catarina e Gerónimo mostraram-se, e sem demora apareceram reinventados na espera do confiante recuo do desleal bamboleio. Propondo, estou certo, mais vida às ruas lamentavelmente abandonadas. As pequenas-grandes novidades, essas, despontam triunfantes. Uma, garantindo a higiénica liberdade à democracia; outra, propondo uma renovada, e casta, ordem moral. Para a primeira o Estado não é mais do que um egocêntrico de braços largos e abarcantes. Para a segunda impõe-se uma acirrada refrega à vigente e sediciosa cidadania onde os anjos escasseiam e as carnalidades sobram. O que nos espera? Não se sabe. Venham então mais palpites das gentes que tudo sabem e profetizam. Contudo, não se esqueçam dos úteis e confortáveis barretes.

sexta-feira, janeiro 14, 2022

ELEIÇÕES, ENGODOS E LEGITIMAÇÕES

Eleições. Diz-se, tempo de Liberdade, não obstante aquela presumível e birrenta certeza da inverdade. O que se pensa - a vida nos vai alumiando - nem sempre afina com o que se diz. Na conveniência, a parcialidade cria, e concentra-se, no excurso da relação desse pensar e desse dizer, quiçá, em busca de uma ardilosa e trabalhada significação. Com frequência, por aqui se desmerece a raiz da Liberdade e fabulam-se, então, adaptadas prosas à intenção, e ao ato, de representar. Buriladas cantatas aí despontam amanhando a terra consoante a letra que se busca cantarolar. Uns, rimando com astúcia a estrofe, outros, recorrendo a estribilhos desembestados. Quando não, também há disso, valendo-se da canalhice insistente e obstinada do enxovalho e da banal alarvaria. Tudo parece, afinal, acomodar-se sem assento certo ao semeado sobressalto da inquietação ou, bem pior, à fervura impetuosa do encanzinamento. Assim sendo, evidente se torna o desrespeito pela verdade face à conveniência da vantagem, mais-querendo deste jeito a habilidade do que a integridade das ideias. Ergue-se, pois, a empatia fácil pelo lusco-fusco da superficialidade, do desembaraço pelo rentável ou, ainda, da obscuridade que, ao outro, desencaminha. Em qualquer das circunstâncias, atamancando a voz do disfarce embrulhando-a em mimetismos de dramáticos arbítrios ou de futuros desditosos e acinzentados. Resumidamente, esquadrinhando e valendo-se de fragilidades, do homem, da Democracia, ou melhor, das aspirações e interesses de ambos. Mesmo assim, depreenda-se que da falsidade sobressai sempre o lugar da verdade, da sua expressão e, acima de tudo, da possibilidade do andamento crítico e dialógico de que a Liberdade, livre e exigente, é capaz e (me) significa.

quarta-feira, dezembro 22, 2021

AVANÇOS, RECUOS E SOFRIDAS PARÓDIAS

Um tempo estranho este em que tudo parece conformar-se com tudo, ou nada se prova acertar com nada. Um tempo onde a vida se afadiga submersa na insaciedade recôndita de continuados contratempos. Com efeito, um tempo submisso ao amoralismo da sobrevivência que não deixa tempo ao tempo. Ao tempo de emendar esse absurdo saber afastado da dignidade e arredado do juízo da verdade. Um tempo, afinal, absorvido pelo impudente iluminismo enleado, e empobrecido, na cegueira luminosa das farsantes necessidades. Vive-se, pois então, não a vida, mas uma perdurável esperança coreografada pelo iludente respirar da espera. Espera, aliás, imanente à própria sobrevivência e ao seu quotidiano. Espera essa que afinal, e em suma, alenta o sustento da demorada desilusão.

domingo, dezembro 05, 2021

CHEGAR, SIM. MAS COMO CHEGAR?

A sequência e consequência de um raciocínio têm sempre presente um natural filosofar. Diga-se, uma filosofia. Há quem a apreenda, há quem a exercita, há quem a pense. Outros há, pura e simplesmente, que a dizem negar ou dispensar. Melhor, não são pessoas de filosofias. É gente que vive e sabe o que a vida requer, ou seja, a inteligência da utilidade. Não deixando de morigerar, rejeitam o pretexto filosófico em prol do êxito prático. Com desiguais razões, profundidades e densidades. O opinável discursivo digressiona, pois, entre a nitidez do propósito ou o sem rumo do factício. Seja qual for a inclinação, esta não será necessariamente coisa filosófica. Todavia, a inconsiderada filosofia nela não se acha, mas nela faz obra. Situados, posicionamo-nos então. Imobilizados no percurso normal da fixação emblemática do prévio ou, pelo contrário, resvalando nas réplicas moventes das ideias, das ações e das suas refregas. Sempre, mas sem exceção, em um deslocamento marcado pelo tempo que tornamos nosso e pelas circunstâncias que, nesse nosso, damos valor. Em síntese, pensando, configuramos um lugar e a ele incumbimos uma função. Seja esta de natureza privada, pessoal, social, ou bem mais elevada acima do dia-a-dia do contingente. Assumimos um comportamento, prático ou não, na sua real transparência e material verdade. Contudo, sempre caminhando, nem sempre certos, do caminho tomado. Afinal, nesse longo percurso onde a singularidade nos aparenta qualidade solta, sem liames, e sem história. Por outras palavras, sem um todo que em nós habita, nos tece e entretece. Acorrentados, pois então, a uma lógica de espera que, bastando-se a si própria, de nada serve a não ser à própria espera. De uma obra comum, que num outro e longo tempo histórico, nos esclarece teimosamente irresolvida. Por conseguinte me interrogo; onde estamos? Ou melhor, onde estamos ainda?

terça-feira, novembro 23, 2021

A INVERDADE, UMA CIRCUNSTÂNCIA DA MENTIRA

Por muito que a ideia cause incómodo diria que a falsidade, a todo o momento, futura o rumo da verdade. Esse tal destino de horizonte largo onde a mentira se arquiteta, e sobretudo se recria. Hábil ou não, sempre intemporal enquanto negação e deturpação. Negação na sua dialética e assonante na deturpação da sua representação. Hospedado o capcioso senso, a partir daí assedia-se a simulada valia da significação ilusória. Desviando-se da razão precisa, a mentira tudo ajeita para virar o aspeto à “coisa”, ou até, e sem dó, em definitivo a sepultar no fossário das ausências. O apego ao rigor seguramente se perde e o acesso à natureza absoluta da inverdade revela-se. Isto posto, pergunta-se; por que não principiar pela mentira, pela tortuosidade do seu roteiro e pelo que ela cala ou busca falsear? Caminhar para a verdade pressupõe procurá-la, mesmo na mentira, nesse outro lado do biombo onde a emancipação humana entorpece e a liberdade se desfigura. Adormecidos? Quem sabe. Mas certa e massivamente entretidos ouvindo - e trauteando - a cançoneta capitalista de nota única[1].


[1] Expressão de José Barata Moura (Filosofia Em O Capital, pág. 224)

terça-feira, novembro 02, 2021

VAMOS A ELEIÇÕES

Não poucas vezes a mentira piedosa alicia a razoabilidade que prenuncia o que se espera escutar. A ideia açodada pelo amparo e segurança antepõe-se à alternativa do que possa estorvar. Assim, o precioso imprevisto deste continuum jeito, a cada instante refeito, torna-se então objeto inescusável do ofício da ilusão e da mestria do sôfrego exercício. Reclinando ou desnaturando os factos, habilmente se ilude o que é … em coisa diferente. Na circunstância, o sem-fim político desta ajeitada fabulação, bem arrumada por calados e membrudos poderes, depressa afina coligados interesses e vitais agilidades. Do dolo e finório gesto grupal, acolchoado de cínica moralidade, cria-se o traçado da agitação aproveitando então a apetecida onda despontada. Com ardileza, e aptas práticas ábditas, arrumam-se as gentes e dá-se aos movimentos acerto e conveniência. Em liberdade, diz-se. Por coincidência, arrolada esta ao relento da entrópica ficção que, aligeirada, abre mão da urgente verdade. E a culpa, como sempre, aos mesmos pertence. Os açuladores simulam-se mártires, os padecentes obstúpidos tão somente votam e, ao sabor da contingência política, a empatia do vicioso círculo, destarte, vai sustentando a exotérica rotina do esquema. As eleições aproximam-se e o método ressoa. Com papas e bolos assim se vão fazendo as cráticas mentiras que, liberalmente, aos tolos são servidas.

sexta-feira, outubro 08, 2021

ENTRE A COISA E A PALAVRA

Entreouve-se um silêncio de dentro, um silêncio que desperta as humanas imperfeição e insuficiência. Decerto, uma incompletude atenta que sempre se encaminha por entre sombras sem brilho. A todo o momento desafiada pela inevitável e infinda busca de unicidade e transparência. Busca que se oferece ao mundo habitando a experiência dura da singularidade. Opondo-se ao comum do evidente, persegue então corrigidos alcances para além dele. Dando às palavras sentidos mudados e verdades reparadas. Metaforizando-as, supondo horizontes, percursos e lugares. Em suma, juntando ao banal a dimensão do que, sendo único, se percebe a cada instante diferente. Entre a coisa e a palavra, intuições se percecionam, imagens se esboçam e verdades se garantem. Com autenticidade. Ou, porventura, sem ela.

quarta-feira, setembro 22, 2021

GRATA LIBERDADE

O tempo passa. Por vezes depressa demais. Afinal, sem tempo para se apreender a superior sublimidade da experiência. Da experiência humana da íntima liberdade. No tempo impaciente do passado, caminhos calcados e sofridos foram andados. Quantas vezes só, sufocado por culpas de ocultas e teimosas razões. Em afinidade com os ressoados ecos de uma frágil consciência. Sempre conformes, saturados pelo crescente enfado do rito e da regra. Repetições. Sombras e silhuetas justificantes que afinal se revelam. Adormecendo a dúvida inevitável que a trivialidade no seu colo embala. Recalcados gestos advindos da quietação embalada por acomodadas coreografias e deificadas crenças. Ambas abraçadas na dança arrastada de indolentes movimentos. Recatado, e pelas margens andejando, interpela-se a liberdade. Aquela que compromete, que desafia e que connosco priva. E que em segredo sussurra…

Sê mais igual a ti próprio. Caminha, sem medos de novos caminhos. Descobre o que vais encontrando. Não receies o espanto. Deixa-te interrogar. Reavive e muda. Não receies ser sujeito. Se possível, todos os dias mais sujeito.

Grata Liberdade!

sábado, setembro 18, 2021

OPINIÕES

À opinião marcada pela incerteza, sitiada esta entre o acerto da ciência e a titubeação do desconhecimento, reconhece-se em geral o dever de consideração, logo, o crédito ao direito fundado e democrático da sua expressão. O dito que expressa acertada interrogação, lógica afirmação, ou sustentada recusa, e que expõe, propõe ou adita algo, concorrerá naturalmente para a aclaração e transparência da pretendida compreensão. Sendo este, talvez, o dizer e o propósito do ofício adversativo das heterodoxias, quiçá necessárias e proveitosas a reciclagens profícuas de ortodoxias envelhecidas, venham elas, então, as opiniões. Nada mais. Apenas um simples e puro desabafo nestes tempos em que a falsa opinião alheia se faz invasiva da condição de se pensar livremente.

terça-feira, julho 06, 2021

OBRIGADO, ROGÉRIO

Jovialidade, sublinhada pela alegria, simpatia e um singular e saudável humor. Uma incomum persistência que, ao longo do tempo, habitou o seu carácter, disponibilidade e presença. Mas não só. Igualmente, a sua superior inteligência, o seu saber incisivo e a sua maneira própria de significar, e com outros trabalhar, a causa solidária. O Rogério deixou-nos o exemplo sem querer, de modo algum, ser exemplar. Serviu, sim, um espelho de vida, de amizade e de ousadia. Em suma, um homem imenso, invulgarmente humano e admiravelmente interessante. Obrigado, Rogério.

sábado, maio 29, 2021

A VERDADE DE UMA VERDADE

Vagueia-se, não ausente, no encalço de uma verdade que, em definitivo, não se encontra. Uma verdade sem critério de universalidade, nem afinidades com a ciência. Uma verdade outra que, afinal, se vai criando ao longo da vida e do conhecimento que ela nos oferece. Uma verdade que cedo recusa a insuficiência de uma existência mimética, porventura acorrentada. Sem receios do vazio e de estar só, livremente só. Nesse lugar de liberdade, possibilidade e criação com os que procuram, afinal, a felicidade de todos e de cada um. Como diria Jung, estar só só é solidão quando nos sentimos incapazes de comunicar as coisas que nos parecem importantes, ou por defendermos pontos de vista que outros consideram inadmissíveis. Assim sendo, fala-se então de uma verdade outra que exige coragem, e um insistente e persistente humanismo crítico[1]. Ou seja, um modo de estar na busca dura dessa verdade.


[1] Ideia suscitada pela leitura do prólogo do livro de Manuel Frias Martins, A Espiritualidade Clandestina de José Saramago.

terça-feira, maio 25, 2021

A LEI E O PARDO DAS SUAS CINZAS


A lei compromete-se a encaminhar. Exaltada, escuda-se na ordem. Entre o traço do rumo e a deriva acomodada desponta o lusco-fusco do cinzento. Habilmente escuro, e obscuro. Um sujo matizado e amoldado à mutante e obscena violência de ideias últimas, impacientes e, pelos vistos, de sentidos elevados. Num ardiloso e sarcástico movimento, o uso da lei contorna assim a ordem e assume-se vício de imposição, pronto e insistente. Porventura, pragmático, simples e cómodo, mas sempre conveniente. Lugar propício à falsidade e à verdade que assim se arrumam numa desfigurada e adversa generalidade. Ou melhor, numa circularidade que vive, e resiste, mediante o desgaste criador, e crítico, da alma e do juízo humano. Demudando valores e desfigurando ideais. Sem apurados rodeios, prescrevo então; viva-se sem valores nem ideais pastando erva e ruminando desgraças[1]. Pascente-se, destarte, e alegremente, neste de campo recamado de frutífera e rotineira forragem.



[1] Matos, António Coimbra (2017). Nova Relação (pg. 30). CLIMEPSI EDITORAS.

domingo, maio 16, 2021

O ENTORPECIMENTO DA RAZÃO

Repetidamente, a urgência em explicar desleixa a exigência de compreender. Porém, a explicação não advém, sem mais, da compreensão, mas desta não se desobriga. Envolvem-se mútua, e certamente, quando, com paciência, a determinação se resguarda do consolo fácil, quiçá útil, da simplificação. Escutar, com distância, muitas das vozes ao serviço do mundo do futebol, faz-se uma experiência superior. Logo se adentra numa ardorosa e ostensiva várzea que desvincula, de modo interesseiro, a emoção do pensamento. Aí se excedem, pois então, pressupostos e preconceitos que enfraquecem a razão, banalizam o desvio e incapacitam a sensibilidade. Culpar apenas os adeptos é cobardia, é situar a causa distante da causalidade e esta retirada da sua prevalência. As sintomatologias da modernidade movimentam-se, além do mais, no fenómeno do futebol. As suas raízes, no presente, tornaram-se bem mais abrangentes, entranhadas e obscuras.

quarta-feira, abril 28, 2021

OS TÚMULOS DA VIDA


Estou velho, persiste-me apenas futuro. Sinto-me, em absoluto, impaciente com os rituais e, em verdade, morto com os protocolos. Abraço o que me dá vida, o que me traz a energia da dúvida e me sussurra a clareza do relativo. A palavra de ontem do “eu ideal” foi-se. Hoje, procuro uma verdade mais simples, mais nítida, a do “ideal do eu”. Sonho, realidade, ou mera obra do pensamento? Não sei. Certamente de tudo um pouco, ou mesmo nada disso. Unicamente pressinto a química que me projeta para além da sobrevivência. Abrindo-me à impermanência dos tempos, dos seus movimentos e das suas realidades. Definitivamente sem túmulos, os convencionais de ontem e os antecipados de hoje.

sexta-feira, abril 02, 2021

O FOSSO DA INDIGÊNCIA E AS SUAS PROFUNDIDADES


Seria superior alcançar a ideia de injustiça como prévia à idealização da justiça, ou seja, esta como confirmação daquela. Ao tempo, a justiça revelou-se como redarguição da injustiça, logo, um conceito oposto e deste derivado. Sem rodeios, afrontando a negação da vontade, da liberdade e da dignidade do outro. A injustiça fez-se, nesse tempo filosófico, a condição da justiça. Por sua vez, a justiça deste modo justificada e legitimada, torna-se argumento de direito. Do direito natural, moral, ao histórico e crescente direito jurídico. Neste criativo movimento, diz-se, busca-se ouvir e honrar a consciência moral mediante a instituição do acordo social e cominativo. Surge assim o Estado e o seu poder obrigante. Despontam os cânones que regulam, moderam e organizam a vida. Vagarosamente, a moral vai perdendo o seu impulso e o credo da convenção, captando o seu império. A justiça ganha autonomia, e no seu dinamismo arquiteta uma vontade racional própria. A injustiça, de causa passa a ser efeito, finalidade, motivo. A justiça, perde as suas raízes, e sem elas, passo a passo deturpa a relação entre a promessa e o contrato. Inverte a sua lógica e a sua correspondência original. Dissipa-se nos impetuosos egoísmos dos interesses e nas astúcias discursivas e politiqueiras dos poderes. As obscenas e crescentes desigualdades do tempo recente são a prova irrebatível desta inversão (ou mesmo regressão) civilizacional. A ambição da Igualdade vai-se perdendo nas sombras das suas palavras, das palavras reiterados do seu louvor.

segunda-feira, março 29, 2021

O IMEDIATO, O MEDIATO E UMA PERCEÇÃO

José Gil, no seu livro O Tempo Indomado, alega que a subjetividade digital implica novas perceções do espaço, do tempo e do corpo. Eis um enunciado labiríntico e desafiante, não só na superfície lisa e impaciente das ideias como, e aqui sim, nas presumíveis e caladas decorrências da deduzida, e consequente, virtualização em todos os domínios da experiência[1]. Sintetizando o tema de A crise da subjetividade, num arrumo meu, resumido, referencio alguns dos subtemas aludidos, predizendo, e assim anunciando, uma multiplicidade de relações indeterminadas, tais como, a experiência do tempo num tempo virtual, o encapsular do tempo e a absorção da realidade, a experiência do corpo, os processos de subjetivação, a manipulação das linguagens informatizadas, seus códigos e algoritmos, a desterritorialização dos referentes tradicionais e sua virtualização, entre outros possíveis.

Desta súmula prenunciadora, o essencial que daqui pretendo destacar, e ressair, é a questão central da subjetividade enquanto processo pelo qual o indivíduo traceja e organiza a sua singularidade e a torna elemento constitutivo do seu ser, indissociável do contexto, da historicidade, das significações e dos sentidos aí originados. Se assim for, será no âmbito consequente de uma complexificação progressiva de relações que, naturalmente, se vai incorporando e aprimorando (pela positiva ou não), uma construtura de mediações que posiciona o particular nesse inerente e permanente diálogo entre o singular e o universal, quiçá subjetivo. Daí, certamente, desponta a importância da qualidade e da materialidade (humana e social) dos vínculos que se estabelecem com a vida e com o mundo, relevando a sua hierarquização e subordinação, de modo que a “consciência sobre si” se faça útil, moral e exigente. Todavia, a caotização geral de que José Gil refere, as brechas que abre e espalha, e que certos interesses e poderes aproveitam, e impõem, será ou não, interrogo-me então, fruto/produto de uma crise da subjetividade inscrita, e acasalada, já hoje, no silêncio dessa alegada crise generalizada da vida social e individual?


[1] Págs.101 a 104.

sábado, fevereiro 20, 2021

UM RENASCER DO PURGATÓRIO?


A memória procura lembrar, a história construir. Tornando presente o passado, possibilita-se futuro. A sua herança dispõe saber. Entre um e o outro tempo, fica o tempo de um imaginário, sempre mudável. Um todo, afinal, onde o passo faz caminho, e o caminho, obra. Obra coberta de imagens. Visuais, mentais, oníricas e simbólicas. Bem como modos de representar, de pensar, de sentir e de agir. Que se disputam, seguramente. Mas capazes de partilhar e se alongarem em um tempo de curso coletivo. Um tempo histórico, com verdade, não anacrónico, fora do tempo. Diversamente, um tempo feito de juízos e sensibilidades do tempo presente. Sem evasivas ou inventos de lugares consoladores entre o paraíso e o inferno. O consenso, estou certo, realizará o seu caminho, o caminho da história, da evolução civilizacional.

sexta-feira, fevereiro 12, 2021

O DESENTENDIMENTO COM A REALIDADE

(Um breve comentário ao excelente texto de João Almeida Santos)

A irresponsabilidade libidinosa da política tabloide e a similar esparrela das redes sociais, eis o que temos. No fundo, um traiçoeiro reforço para a nossa preguiçosa e incauta desatenção seletiva. Aí, a polémica vira ingrediente de estéreis disputas e as opiniões desvirtuam-se na apatia da desconversa acomodada. E assim, absorvido, se vai entranhando na viva e ruinosa monotonia do absentismo crítico, e criativo. Pergunta-se; a quem interessará o alcance crescente deste recreativo impasse?

quinta-feira, janeiro 21, 2021

GENTE BOA, E OUTROS


Há dicotomias que não esgotam a sua amplitude. Adormecem no tempo, propiciam a recorrência e sustentam a ignorância. O humano é um ser de relações e o seu agir habilitado manifesta-se a partir desse complexo relacional. O vicioso conformismo moralista, por sua vez, arredado do devir e do múltiplo, conforta-se no silêncio da ignorância que o serve. Com o seu olhar socialmente imposto, esforça-se assim em desvigorar compreensões e possibilidades. Em desfavor de uma necessidade ética de afirmação do humano e da sua condição. E como tal, das mudanças que as possam constituir. Sem os outros, com toda a certeza, não haverá essa gente boa.

quinta-feira, janeiro 14, 2021

VERDADES ACOBERTADAS

Inquieto e ansioso, no meu divã analítico me sento. Aqui vou procurando esboçar razões sobre os plurais, e presidenciais, verbos em uso. Atinando, ou talvez não, como se esgaravata a palavra, se mimica o esgar e se contamina cabeças. Com mais ou menos pressa, apenas com o fito de se achegar aos vantajosos poderes do Estado. Assim, disponível a inopinadas e cénicas agitações, disponho-me a ser atraído pela imoderação do impressionável. Logo, pronto à compaixão do que me possa sair do tom, apto ao que não me soa bem, propenso, por adição, ao hiato ético do insólito. Acima de tudo, atento à trama comocional dos detalhes e dos iterados factos fora de cenário. Uns, comezinhos e burlescos, outros, ao que parece, impulsivos na suposta e certa hora de agir. Dispondo do “terra a terra” das circunstâncias, mas ambos excludentes, boçais e grotescos. Em prenunciado pirutear mediante a arte discursiva do simplismo binário, rude e grosseiro. Por isso, só empastado neste mundo do subentendido se descobrem verdades acobertadas. Afinal não há desemprego, eis um exemplo. Existem, sim, malandros que não querem trabucar. Muitos destes convertem-se emigrantes, afinal de contas, para vaguear por aí, digressionando. Querem mais? Sentem-se e desfrutem do (e no) vosso divã…

sábado, dezembro 26, 2020

SUGESTÃO PARA IMPACIENTES



Quando te fizerem uma pergunta, antes de responderes, deixa a pergunta respirar…




Imagem retirada DAQUI

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quarta-feira, dezembro 23, 2020










Natal, um tempo, simbólico e denso, de afetos e valores. Um tempo, de subtil química, confiado ao enleio do estreito abraço. De um “nós” que aceita a qualidade do diverso, do sentimento aberto e do renascer das memórias. Um Natal, afinal, que se repete, na verdade, recriando-se. E que assim seja, reverdecendo o intemporal voto de um Feliz Natal.

sexta-feira, dezembro 18, 2020

O MEU VOTO ... ÚTIL



“Se não tratares da política, a política trata de ti”

O voto útil tem, e terá sempre, fundamento na afirmação política e não na (em) conformidade com uma qualquer algoritmia eleitoral. Assim, vale nestas circunstâncias, de mais a mais politicamente engenhadas, lembrar essa verdade primeira, a da razão de ser do voto. A epistemologia dos cálculos não passa de um entretém ideológico, como bem se pôde confirmar na passada “Circulatura do Quadrado[1]. O refrão, aliás, de uma burguesona e persistente saloiice política…


[1] A 16.12.2020.

sábado, dezembro 05, 2020

NA DESPEDIDA DE EDUARDO LOURENÇO

Agradeçamos ao Deus dos vivos e dos mortos; agradeçamos ao Deus fiel a todas as nossas perguntas, sobretudo àquelas para as quais não encontramos reposta; agradeçamos ao Deus que se debruça sobre as nossas procuras, que anota estes nossos passos balbuciantes, este nosso tatear como se na ausência víssemos o invisível; agradeçamos ao Deus das Bem-Aventuranças as palavras que Eduardo Lourenço nos iluminou sorrindo e aquelas para cujo sentido ele nos abriu chorando[1].


Não afirmando a existência de Deus, admito-o em nós, nas perguntas para as quais não temos respostas, nas procuras obstinadas que não nos afadigam, nas incertezas que suscitam a humana teimosia da indagação, nesse bem-querer igualmente humano de abraçar a sua humanidade, manifestamente sempre imperfeita e insuficiente. Acompanhando, sem vaidades e arrogâncias, a simplicidade da limitação e da finitude, desse deus afinal que, pela Razão, em nós nos completa.



[1] Tolentino Mendonça termina assim a sua sublime homilia na despedida de Eduardo Lourenço (ler em https://dasculturas.com/2020/12/04/texto-da-homilia-de-jose-tolentino-de-mendonca-na-despedida-de-eduardo-lourenco/).

sábado, novembro 14, 2020

SEM-VERGONHICE

NOTAS DESLAÇADAS

… os EUA podem ter crédito praticamente infinito, o dólar é a divisa mundial, não há limites à quantia que os Estados Unidos podem pedir e obter crédito[1]. O capitalismo, sobretudo nesta sua particular onda, sem desfaçatez, desvela que um qualquer Estado (em termos genéricos) nada mais pode ser senão uma conspiração dos ricos…


[1] Diz Fareed ZaKaria, em entrevista ao Expresso (13NOV2020)

sexta-feira, novembro 13, 2020

UM DEVER DE SER CIDADÃO, HOJE

Julgar, formar juízos face aos populismos políticos, e áreas circunvizinhas, exige que se apresente, e se dê a conhecer, o registo da simplificação em que tomam assento as suas manhas de linguagem. Importa, do meu ponto de vista, aliás com vivaz propósito o digo, alertar para o superficial quotidiano das representações que se admitem na reflexão sobre a verdade da vida em geral, advertindo que tais simplicidades organizam e modelam discernimentos configuradores de realidades, cortejadores de preguiçosas e conformadas avaliações e/ou comportamentos. Deste modo, convicção minha, é que é neste lugar tacanho em que obviamente se entalham tais ideologias, se amanham perceções, ressecam lógicas e se emperram desenvolvimentos. A ideologia desta emergente e contemporânea direita, que à direita se apresenta como alternativa, abasta-se, pois, nesta semiótica bandeja de abusivas, apressadas e descomplicadas generalizações onde se apronta, e se serve, os seus simplificadores códigos binários, reconheça-se, de produtiva utilidade excludente. Tudo se remexe e encurta, deste modo, ao preto e branco, ao bom e mau, ao insuspeito e ao estranho, em síntese, a um falso e simplista jogo simbólico que não admite uma outra qualquer razão subordinada à reciprocidade e à compreensão dos valores da primazia democrática. O sentido e o significado de cidadania, intrinsecamente ligada - hoje - ao desenvolvimento humano e social, apela assim à consciência de cada um de nós e à nossa própria inteligência. Trata-se de um inalienável direito cuja substancialidade exige o cumprimento persistente desse dever (social e cultural, logo político) de cidadania.

quarta-feira, outubro 07, 2020

O “DILEMA DAS REDES SOCIAIS”, DA CRÍTICA AO FANTASMA DA DESGRAÇA

Um testemunho [1] que retrata, objeta e aclara mudanças, algumas delas desafiantes em face dos seus abalos na nossa vida. Desde o simples e mordaz “like”, na busca pessoal e ingénua de enganosos reconhecimentos, à extensa dimensão traficante de dados como fonte de lucro ou rendimento, assim como a outros silenciados tópicos que aí se ilustram. Julgo que ninguém duvidará que as redes sociais nos oferecem coisas auspiciosas, ímpares e surpreendentes. Todavia, os algoritmos que as confirmam sempre processam informações, encontram soluções, resolvem problemas e causam mudanças. Muitas destas versatilidades parece revelarem-se de intencionalidade danosa. Sim, mas aqui chegados, perguntar-se-á; para onde nos poderá levar esta palpitante arena de mediação? Para uma menoridade humana regressiva ou, pelo contrário, favorecerá a nossa liberdade, aperfeiçoando a nossa inteligência e comunicação? Lembremo-nos que, ao longo dos tempos, bem antes das “redes sociais”, a dependência sempre nos limitou e o negócio nos utilizou, porventura, nem sempre nos servindo. Porém, uma certeza se apresenta; o digital veio para ficar, apensando-se ao mundo real e fazendo deste o seu próprio mundo. Sintetizo, citando João Almeida Santos: “… tal como aconteceu com a televisão, esta revolução será devidamente metabolizada pela História e conhecerá o destino que formos capazes de construir, agora que a cidadania tem meios para o fazer como nunca teve no passado”. Haja, então, saber e coragem de utilizar a inteligência e a liberdade que o exercício da cidadania exige e a nossa humana condição impõe.


[1] Documentário da NETFLIX sobre “O Dilema das Redes Sociais”.

quinta-feira, outubro 01, 2020

MAS, É SEMPRE POSSÍVEL AVANÇAR

A vida surpreende-nos mais do que supomos. A verdade das evidências assim o revela ante a realidade patética dos desencontros. Dos desejos que não se cumprem às esperanças, afinal, infundadas. Habitamos pressupostos que nem sempre questionamos e, sobretudo, pressentindo o temor da inquietação, não temos a coragem de desafiar. Certamente reconhecendo que os pressupostos acompanham, em síntese, a vital efluência da sensorialidade das nossas expectativas. Humano? Sim, desejavelmente humano. Contudo, dramaticamente humano. Na busca infindável de um ajustado (tolerável) paradigma mundano mais saudável.

terça-feira, setembro 29, 2020

A APARIÇÃO DO PALADINO


A jura de um futuro que enlaça o medo, o desconhecido e a imperfeição, pelo interior de um legível retrocesso civilizacional, presentifica-se mediante uma codificação semântica imaginária assente no primarismo emocional. Daí, o empenhamento numa prosa ideológica ao serviço de um redutor, embora eficaz, esquema de busca de volúveis identidades afetivas assentes na credulidade, na ignorância e na conveniência de uma ardilosa autoridade. Chega!

quarta-feira, setembro 16, 2020

POLÍTICA, FUTEBOL E DESDOBRAMENTOS

Política e futebol, ou futebol e política, a miúdo mostram-se enrodilhados no miasma epidémico das significações. De conversões inusitadas, o reducionismo dicotómico presta-se ao semiótico partilhado. Estou onde estou, pois o meu estar nada tem a ver com a política. Muito dessa imundice calculista, em rede com o lixo emocional do adepto, vem enodoando a brisa social da nossa cidadania. Significando, germinando e, lamentavelmente, muitas vezes enraizando. Eis para mim, entre semelhantes, um elementar de tristes e reiteradas arengas.

sábado, setembro 12, 2020

LER, DANDO ALMA AOS LIVROS E VIDA À VIDA


Quando tudo se desmorona, o que resta é a cultura” (Alberto Manguel”)

Acabo de ler a entrevista do bibliófilo Alberto Manguel à A REVISTA DO EXPRESSO. Reforço, sublinhando, as suas mensagens finais. Diz ele:

  • Em França , sempre que jovens vinham visitar a biblioteca, eu dizia-lhes; … “Posso prometer-vos uma coisa: se procurarem durante tempo suficiente, garanto que há pelo menos um livro, uma página, um parágrafo ou uma palavra que foram escritas para vocês, e isso vai iluminar-vos o caminho. Procurem e acabarão por encontrá-lo.
  • Mais à frente, sobre a confiança nas gerações futuras, ele responde … Sim, mas só se a educação que dermos a essas gerações for um espaço aberto à imaginação, um campo de liberdade. Se isso acontecer, talvez deixemos de estar à beira do precipício. Porque é aí que estamos agora. À beira do precipício.

Termina, então, dizendo … Eu sei que estou no último capítulo. Restam-me algumas páginas, mas estou absolutamente satisfeito com as leituras que pude fazer.

Imóvel, apenas o meu olhar ousou recuar, relendo estas últimas das suas palavras. Inconformado, sem dúvida, com as leituras que não fiz, e agastado com o tempo (este tempo) que seguramente vai encolhendo…

quarta-feira, agosto 19, 2020

LABIRINTOS MAIS OU MENOS ARCAICOS

Mesmo que enlaçados, ler e escrever requerem disposições discrepantes. Quanto a mim, é mais imediato, porventura mais mobilizador, cultivar o pensamento através do diálogo com a leitura. Não obstante, a escrita proporciona-me, e vai impondo ao meu pensar, o deleite da disciplina, da coerência e da profundidade. Imposições às quais vai acrescendo a escrupulosa exigência de agradar ao intento de dispor de um pensamento sentido como livre e verdadeiro. Tornando-me, quem sabe, mais transparente, mais sujeito da minha subjetividade, neste tempo abstruso, denso de sucessivas e bastardas incitações. Na verdade, situamo-nos num tempo sombrio, de silenciosa serventia aos aguilhões do exterior, que causando a dispersão do interior humano, imergem o homem no lodaçal primário das entranhas emocionais. Forçado à presença teimosa desta cultura perversa, o sujeito desliga-se de si, dissolve-se e enfraquece-se. Já absorto e distraído, deixa-se então “encaixotar” – é o termo – no recetáculo regrado de uma anestesiante e simplista subjetividade. Ademais, gerando e tramando, através dela, cínicas e novas condições à expansão das vulnerabilidades individuais, tecendo, e é disso que se trata, decorrentes e talhadas conjunções de conformidade irrefletida. Afinal, obediências de que os múltiplos populismos se valem, e buscam, da economia à política, frutescendo o disfarce das determinações que, na deslisura, os possam justificar e validar. Assim acreditando, finalizo este breve texto parafraseando Francisco Louçã[1], admitindo que o sonambulismo não nos irá proteger, em tempo algum, desse e doutros vírus ubuescos. Bem pelo contrário.


[1] Em “A estratégia do bufão” (A Revista do Expresso, de 15 de agosto de 2020).

quinta-feira, julho 30, 2020

O BICHO HOMEM

A miséria da pervicácia desportiva é culpa dos comentadores adeptos?

A mente ridícula e risível de quem o afirma não é apenas insana razão. É doutrina doente para rebanho de ingénuos há muito entontecidos. É, acima de tudo, evidência e rasto de um catequismo que se serve de um pasto de incautos esfomeados da bola. Claro que nada mudará nesta corrente de lama gulosa e calculista. A bravata tem amo e, quiçá, proveitosa companhia.

quarta-feira, julho 22, 2020

AQUELE QUE PARTE PARA O DESERTO NÃO É UM DESERTOR


Observo a democracia e interpelo a sua razão democrática. A abrangência da sua mediação e o fruto da sua socialização. Exigindo de mim estar presente, e pensar. Sim, pensar de um modo consequente e radical a vida concreta das pessoas. Essa outra vida escorada na materialidade do seu existir real. Instigação provavelmente incerta, ou mesmo inverosímil. As distâncias do múltiplo desconcertam e desordenam o decente olhar. Submetem-no ao desalmado lodaçal das desigualdades. Afadigado, desisto da procura. E assim abandono o sonho de encontrar a razão que busco. Repouso, pois então, apenas no silêncio da utopia prometida do universal que a todos pertence.


Nota – O título é uma expressão referida por Esquirol, no seu livro Resistência Íntima, supostamente gravada por um eremita nas paredes da sua cela.

quarta-feira, julho 08, 2020

SAUDADE, TRADIÇÃO E IDENTIDADE


Sentir, lembrar a saudade, viver a saudade, pensar o passado. Um passado que de modo algum afasta a permanência do presente e nega o desertar do futuro.

Lembrar a saudade será, então, revisitar lugares, tempos e momentos. Acaso, reviver afetos, emoções e memórias. Lembrar a saudade será, pois, viver a saudade, e não viver da saudade.

Viver da saudade faz-se um outro viver. É ficar lá, é permanecer agarrado ao contínuo retorno, isolado na ilusão do regresso e da esperança ressuscitadora. Em síntese, é habitar encasulado no reducente e desnaturado saudosismo.

Estará (ou não), por isso, na saudade, na tradição e na identidade, o quadro em que as três penas, em simultâneo, esboçam, serigrafam e representam o viver?

Imagem retirada DAQUI

quinta-feira, junho 11, 2020

LOBOS DISFARÇADOS DE PASTORES


Lendo aqui

Marcelo esclareceu, e assim aconteceu, que as comemorações do 10 de Junho iriam decorrer no Mosteiro dos Jerónimos com apenas oito pessoas. E, como não estava tudo dito, completou; assim deveriam ter sido as comemorações do 25 de Abril e do 1.º de Maio. Pergunta-se; onde, em que lugar evidenciou Marcelo tamanha clarividência? Exatamente à entrada para a “solenidade festiva” de Bruno Nogueira e Manuela Azevedo no Campo Pequeno. Estiveram aqui apenas meia dúzia de pessoas? Claro que não. Conclusão; Marcelo procurou, antes de pecar, penitenciar-se à teocracia jornalística com os pecados de outros. Mais vezeiro que useiro, Marcelo começa assim pelos demais. Acoima os outros, acoitando o seu próprio exemplo. A política tem destas coisas…

Imagem retirada DAQUI

segunda-feira, junho 08, 2020

UM SINGULAR TEMPO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA


Ao desapegar-se da rotina profissional ELE acolheu o repto. Esse desafio irresistível de pintar com tempo, e serenamente. Apurando emoções, recobrando sonhos e despertando qualidades sustadas. Na escuta sédula dessa outra e crepuscular estação de vida que, na sua verdade, ilumina sitiados afastamentos, proximidades e impulsos. Uma estranha e somada liberdade que, insinuante, se anuncia envolvente. Certa de que se pode ainda ter ou ser mais, essa liberdade acrescida oferta-lhe apego à largueza para além da premência. Da insondável razão já afadigada abraça então o aconchego entusiasmante de criar. A falha e o falto fazem-se definitiva vontade arrebatada pelo enlevo da incitação. Admito, pois, que a arte, a criação artística, vale para ELE uma vida que se inteira nesse tempo de perfeito reencontro de si. Vida certamente sentida, e julgada, ainda insuficiente e imperfeita. Contudo, desviada esta pelo crivo da imaginação do si mesmo costumado, ELE apura o essencial e retoca o seu reflexo tornando-o sentido. Um sentido primacial no presente desta sua feliz teimosia de assim viver, e conviver, com o estético das formas e das cores. De viver a Vida, afinal.

Pintura, Mário Calçada

segunda-feira, junho 01, 2020

DIA DA CRIANÇA


Neste dia, neste tempo, o poema que a criança havia de abraçar…


Sou barco de vela e remo, sou vagabundo do mar. Não tenho escala marcada nem hora para chegar: é tudo conforme o vento, tudo conforme a maré... Muitas vezes acontece largar o rumo tomado da praia para onde ia... Foi o vento que virou? foi o mar que enraiveceu e não há porto de abrigo? ou foi a minha vontade de vagabundo do mar? Sei lá. Fosse o que fosse não tenho rota marcada ando ao sabor da maré. É por isso, meus amigos, que a tempestade da Vida me apanhou no alto mar. E agora queira ou não queira, cara alegre e braço forte: estou no meu posto a lutar! Se for ao fundo acabou-se. Estas coisas acontecem aos vagabundos do mar.

(O vagabundo do mar, de Manuel da Fonseca, apresentado em termos de texto)

sexta-feira, maio 29, 2020

O CENÁRIO REAL DE FRANCISCO JOSÉ VIEGAS


Francisco José Viegas (FJV) aceitou o apelo do tabloide “CM” para descer à península imaginária e revisitar “o lugar negro da noite de maio”. Já dizia o meu amigo, batizado de Marx, que o concreto é concreto pois ele é a síntese de numerosas determinações. Melhor, que o concreto não é mais do que uma unidade do múltiplo. Daí que um pensamento que se ambiciona ser íntegro deve-se desenvolver como um processo de síntese, e não seduzido por uma dúbia conveniência de partida.

A jornada do escritor aos lugares macabros, como as imagens confirmam, e acima de tudo testemunham, revela por si a provável debilidade de uma consciência jornalística na sua relação com o real e com a nitidez da sua busca. O FJV, sendo escritor, sabe usar, e usou bem, a comunicação literária, oferecendo à dimensão pragmática da escrita um acrescido valor estético. Nada havia a obstar se o autor não se deixasse trair por uma linguagem afrontosa marcada, quiçá, pelo subjetivismo subtraído da sua ideação. Ao alongar-se sobre a península imaginária e o seu (t)ermo, o lúgubre Peniche, FJV resvalou não para a mentira completa, mas para uma cómoda falsidade enquanto pano de fundo da sua pulsão autística e consequente topologia semiótica. Sem mais, e apesar da inquietação que me provoca a sujeição da linguagem, junto-me a António Coimbra de Matos quando ele, pacientemente, diz que apesar do avanço sociocultural a palavra de rei é ainda a mais escutada. A pessoa de bem não engana, pode, sim, é enganar-se…

quarta-feira, maio 27, 2020

A ROTINA E OS TROPEÇOS, DO EXEMPLO AO EXEMPLAR

Muitos exemplos são-nos, continuamente, oferecidos. Decantando gestos, pessoas, coletivos ou mesmo ideias. Na busca de os tornar modelo ou de os fazer valer como lição. Do exemplo ao exemplar as conotações modalizam-se e, amiúde, derruindo o impreciso da evidência. Um suspeito exemplo, deste jeito, tudo faz para se mostrar exemplar. Aliás, o duvidoso sabe e vive do sagaz ofício da exemplaridade. Despido certamente de uma segura ciência moral, chama a si o fosco útil da polissemia. Seduzindo ou coagindo mediante o solto arbítrio do poder de encantar ou de se impor. Uma e outra vez, através de liames insistentes que, com o tempo, se vão familiarizando. Suavemente protocolizando. Exemplarmente justiçando. Humilhando a simplicidade ingénua, sempre crédula e disponível. Com a opacidade facilitando a acolhedora doxa infundada. A vida por aqui passa, silenciosamente!

Imagem retirada DAQUI

sexta-feira, maio 22, 2020

SABER, PODER E TROCADILHOS

Regressemos às Luzes preliminares e aos seus arrimos. Ao alcance infindo da crítica à crença e ao conhecimento. Ao cumprimento de um saber compreensivo e pronto ao seu próprio aperfeiçoamento. Assim como ao seu explícito uso com o fim de aprimorar a vida, privada e social dos homens. Olhemos agora o presente onde o pensamento se estreita no vantajoso e se observa no efúgio das suas meias verdades estéreis, mas deleitosas. Entre um e o outro tempo ocorre história, e nela se inscreve a memória ignorada do sucessivo escurecer das luzes. Da ideia de que saber é poder, provinda originalmente da inquietação operária, despontou a sublevada verdade do poder sobre o saber. Um válido saber que se fez, então, hábil e astucioso, irresistível à politização do pensar. Hoje, na verdade, bem acobertado no persuasivo fermento da sua codificação democrática. A democracia, assim preceituada, parece carecer de uma renovada consciência histórica, respaldada por certo num genuíno iluminismo. Necessariamente incansável e confiante e assente num saber outro, não aritmético e frio, mas benévolo e sensível. Socialmente humano.

quinta-feira, maio 21, 2020

SNOB E CONVENCIDO


Este homem faz-me (quase) sempre mudar de canal. Representa aos meus "ouvidos" um discurso autoritário e arrogante de feição cínica e revanchista e, como tal, ensopado de conservadorismos caprichosos e de odiosos pedantismos requentados. É uma espécie de urtiga que me provoca erupção cutânea, mas - quando suporto a irritação da pele - diverte-me o seu ar snob e convencido. Enfim, a eficácia organizativa dos "medias" precisam à direita destes "enterteiners" cabotinos e politiqueiros...

sábado, maio 09, 2020

UM BEM-HAJA AO MOVIMENTO SINDICAL

A pandemia ainda aí está e um outro combate se posiciona. Ambos se disseminando ainda que com propósitos diferenciados. O vírus do surto, embora mau, trata o povo por igual. Na economia, os agentes são outros e diferentes. Anunciando-se bons, os malsões dos dividendos sabem onde assentar o mal. Para tal, ajuntam poderes à volta do seu poder. Usurpando um ilusório sumo, das ideias às interpretações, das opiniões aos juízos. Marcando fronteiras, definindo confinamentos e estabelecendo afastamentos. Especialmente dos que a eles não se somam. Repetindo argumentários, reciclados ou não, do ressábio costumeiro. Isto posto, alinho em síntese com Constantino Sakellarides e Sandra Monteiro; digam-me para ser inteligente e agir com maturidade, designadamente na humana defesa dos trabalhadores e dos seus direitos[1].


[1] “Defender os trabalhadores”, artigo de Sandra Monteiro (MONDE diplomatique).

quarta-feira, maio 06, 2020

O CAMINHO DO COMUM

Como se constrói o comum quando se parte do meu, do teu e do dele? E onde se pretende chegar com ele, com o comum? Ferguson, já em 1767, lembrava[1]:

“A boa ordem das pedras numa parede é elas estarem apropriadamente fixadas nos lugares para os quais são aparelhadas; se elas houvessem mexer, o edifício teria de cair: mas a ordem dos homens na sociedade é estarem colocados onde estão propriamente qualificados para agir. A primeira é um sistema feito de partes mortas e inanimadas; a segunda é feita de membros vivos e ativos. Quando procuramos uma ordem de mera inação e tranquilidade, esquecemos a natureza do nosso assunto, e encontramos a ordem dos escravos, não a dos homens livres”.

Aceite-se, pois então, que o ponto de onde partimos subordina o nosso pensar, e este repercute-se no seu alcance. Por onde querem que comecemos, ou, por onde afinal queremos nós começar? Desta nossa escolha dependerá certamente o acesso.


[1] AS TESES DAS “TESES”, José Barata Moura.


terça-feira, maio 05, 2020

DA IDEOLOGIA SOCIALMENTE DOMINANTE

Cada um olha o mundo de um modo continuamente singular. Verdade aliás que se funda na pessoa que se vai sendo no curso do tempo. A liberdade acompanha-nos sempre, mesmo quando ela se perde. Todavia, o tangível do seu proveito faz-se sempre vinculado. Ao outro, à dignidade de ambos, à condição humana e à sua historicidade. No fundo, entranhando-se nas raízes que, com efeito, determinam. Intuições, pensamentos e intencionalidades. E, em consequência, firmam posições, criam horizontes e fixam também miudezas. Uma humana diversidade que, em si, afrenta sempre o estabelecido, o dominante. Esse arbitrário que afinal define, vigia, e socialmente até tolera. Não para impor o absoluto do mesmo e do mesmo jeito. Mas sobretudo para garantir o seu mando e socorrer a sua hegemonia. O que virá pós-covid-19? Certamente a ratificação da sua patogenicidade, não do vírus, mas da ideologia dominante que dele se servirá.

domingo, maio 03, 2020

RODRIGO GUEDES DE CARVALHO

Sobre a entrevista de Rodrigo Guedes de Carvalho à ministra Marta Temido (02/05/2020)

Para viral basta-me o covid. Patético, o homem afundou-se no faro das raízes do seu impulso animal. Grosseiramente cínico, o discernimento refundiu-se-lhe na rigidez acirrada da mímica. Arrastou-se vegetativo do esclarecimento para o bullying inquisitivo. O modo de duelo baralhou-lhe a moderação e fez-se tão-só corpo, aliás pouco. Encolhido na mesquinha sanha de apenas golpear. Sinceramente triste e penoso para todos.

sábado, maio 02, 2020

A CLAREZA SEMÂNTICA POR VEZES DÓI


O abocamento entre Pedro Nuno Santos e João Gonçalves Pereira fez-se acontecimento. Apreciações e convicções ampliaram prontamente o seu eco. Clara Ferreira Alves, no seu Eixo crítico do Mal, e em jeito de remate, subescreveu Pedro Nuno Santos. Todavia, alongou-se mais tempo a depreciar o seu verbo do que a esclarecer a consonância. Como diligente adepto do Eixo, e fanático observador de contradições, ouso uma tradução. À personagem Clara Ferreira Alves não lhe falta recursos e qualidades que se apreciam e que muitos naturalmente cobiçam. No entanto, a dimensão comentarista requer, no meu ponto de vista, e em particular neste exercício crítico estimável, uma conformidade lógica e identitária. Assim sendo, fazer comentário político não dispensa coerência predicativa na arrumação dos argumentos. Daí pensar que alguns dos seus desbrios se radicam na exigência peculiar desse jogo egoico de identificações e ficções particularistas. A sua depreciação ao colar-se em demasia ao tempo usado e à ironia adotada logo se tornou questão questionável. O relevo dado à presumida deselegância discursiva do ministro acabou por desviar a atenção do essencial, do seu conteúdo e alcance político. E assim , deste modo, sem demora se lembrou a questão estética compensatória à verdade que inquieta e que, talvez mesmo, custe aceitar. Dominar a palavra ajuda ao argumento, à reflexão e à prudência, mas não garante a razão certa. A razão não se perde pelo modo nem pela palavra usada, afirma-se certamente pela transparência do sentido que ambos propõem e fazem convergir. Todos sabem que a clareza semântica por vezes dói. Porém, muitos poucos admitem que um murro na mesa, de quando em quando, ressoa bem melhor do que a mera palavra.

terça-feira, abril 28, 2020

A MUDEZ ENCOLHIDA DA MORBIDADE SOCIAL


Nunca se é sozinho, é-se sempre indivíduo social. Pensa-se e vive-se a vida em função da materialidade circunstante e do seu acontecer histórico. Daí a gravidade dos recursos. Entre eles, os económicos, os sociais e os culturais. Daí, também, o encaminhar do papel identitário das ficções, dos sonhos e das possibilidades. Das motivações, dos estímulos e das frustrações. Igualmente, da acomodação das afeções, das emoções e das crispações. Da contingência da desmultiplicação, da desestabilização e da fragilização. Do horizonte das socialidades avistadas, ajustadas e adequadas ao crivo medular dos recursos.

Vive-se hoje uma abrupta crise, e em tempos de crise tudo se confunde no duro aperto da simplificação. E aí, os recursos, e a sua diversidade, revelam e marcam a sequela decisiva e determinante da diferença. A iniquidade das desigualdades na sua intensa e silenciada perversidade.

O ERRO DE UM É OSSO PARA O OUTRO


Não se resguarda a democracia simplesmente através de simbólicos e sinceros discursos. Sobretudo quando as perduráveis faltas cansam e se redizem compelidas por palavras diferentes. Faltas haverão sempre. Elas acontecem, e ocorrerão, ante os inevitáveis movimentos do tempo, do pensamento e da ação. Todavia, na esperança que as faltas sejam outras, diferentes, rumo ao prenúncio desejável de harmonia social. Sendo as mesmas, a insuficiência prova-se imperfeição, torna-se disfunção, e a sua continuada dilação anuncia, então, o desvio crónico fatal. A desconfiança vai-se assim infundindo e a frustração do homem movendo-se para o abismo incerto da desorientação. Exterioriza-se, então, a arte insaciável de atear o fogo, apenas aguardando os momentos certos de assanhar rancores acumulados. Para estes artistas da tocha, a agitação apronta-se, pois, na inflamação da emoção servindo-se dos vazios incumpridos. Esperando tão-só que a odiosidade ganhe corpo entre as fendas abertas no compromisso acordado das palavras e dos gestos. Em conclusão, estes apenas se aproveitam das fendas que, afinal, os outros permitiram que fossem rasgadas e, pior, que ainda hoje suportam vê-las abertas.

sábado, abril 25, 2020

GRITO, ARGUMENTOS E FUNDAMENTOS


O Grito que se busca associar ao que se impõe dizer

A Liberdade não é esclarecida por fórmulas simples e, muito menos, por fórmulas autoritárias. Examinar os seus limites, entregar-se às condições que os determinam, podem refazer, ou mesmo recriar, a possibilidade de verdadeiramente a merecer, ou melhor, de fazer jus à verdade da LIBERDADE.

segunda-feira, abril 20, 2020

NA DESTREZA DE AJEITAR PALAVRAS

Há binários que usamos, acima de tudo, porque soam bem. Perdidos na sonoridade das palavras encurvamos o jogo dos sentidos. Vontade de poder e poder da vontade, feitas das mesmas palavras, seguem semânticas diferentes. O poder da mentira e a mentira do poder, igualmente assim servidas, desconcertam-se no seu alcance. Daí a importância de repesar bem a relação, não desdenhando a circunstância e as suas valências. Sobretudo em tempo de profusas vontades, controversos poderes e díspares urgências. Tempo, aliás, sorridente aos desmandos que ensopam a verdade que importa na adipose de ociosas dúvidas. Digo, mais precisamente, nessa gordura que sempre alenta os poderes da falsidade ardilosa. Como diria o povo, abusando de conversa fiada, ou na voz dos que falam sem rodeios, usando um paleio feirante em modo de banha da cobra. Os sanguessugas por aí serpeiam, e o seu jargão é sempre bem-talhado ao modo proveitoso de pintar úteis binários. Aqui deixo então, relembrando, a ideia que todos conhecem, mas que sendo familiar nem sempre dela nos servimos…

domingo, abril 19, 2020

sábado, abril 18, 2020

TOLICES, OU NEM TANTO


Em tempo de isolamento trago de volta a boémia que me iluminou. Esse outro tempo, a da arte de viver a menoridade e de estimular a luz alegre da razão crítica. De pensar e viver o humano liberto de fundamentos anquilosados em crenças e preconceitos. Lugares bem vivos, e não asilos de necessitados recolhidos, nem refúgios de tímidos medos. Tempos de euforia, de experiência e de margens. Tempos de usar a liberdade, de a descobrir e de se entranhar na sua luz, ousada e irreverente. Em axiomática rutura com a torpe amorfia cravada no realismo sombrio do seu quotidiano. Aguardando outro tempo, e com certeza novas ordens. Mas a boémia, essa boémia, sinto-a perdida nas memórias do tempo. Mas, afinal, o que resta cá está. A vitalidade da sua presença gravada no meu corpo já gasto e engelhado.

sexta-feira, abril 17, 2020

A FASE E A FACE DO CURSO


O vírus fez-se adverso do comum, do indistinto comum. A todos juntava na solidariedade, mas também no medo. Deste modo, o cuidado universal atou –se ao indeterminado. Hoje, o tempo mostra-se posterior e acresce pretensões díspares. O ordeiro comum apresenta-se agora no cadinho dissolvente de impacientes interesses. Nesse fundo recipiente onde se confina a estranha química de inusitadas reações. O sentido do comum, afinal frágil, aqui se submete ao imperativo da comunidade. Sempre feito de razões parciais e de racionalidades coletivas improváveis. Um outro vírus desponta pois então. Pela afirmação de um particular coletivo sempre distante da precedente universalidade. Assim, aqui estamos, mais amanhã do que hoje, entre a fase e a face da durável resistência à penosa e iníqua imperfeição do mundo.

quarta-feira, abril 15, 2020

NO PALCO DA SALOIICE

Marcelo, na sua intrínseca disponibilidade para o alarde, baralhou a possível imagem de homem bom e afetuoso com o seu dever de comprometimento político. A objeção não está no reconhecimento do inestimável empenho dos profissionais de saúde, bem pelo contrário, mas sim no relevo dado ao particular momento da circunstância e ao seu enaltecimento. Com Boris Johnson pelo meio, o gesto político ofereceu-se à representação contagiosa da pequenez, marcada pela pirosice do irrisório. Os portugueses, e em particular os profissionais de saúde, julgo não merecerem tamanho descuido.

Imagem retirada DAQUI


sexta-feira, abril 10, 2020

O MILAGRE DE PORTUGAL


Confinados em proporções desencontradas, todos estamos em isolamento, se bem que no aconchego tradicional de impiedosas desigualdades. Uns acomodados na escala das supremacias, outros abrigados na métrica das sujeições. Os filtros da liberdade aí estão para exibir, e confirmar, a equidade instituída. O contumaz discurso é sempre o mesmo, o da ordem, da justiça e da lei. Agora, quiçá, metamorfoseado pela necessidade, solidária, de proteger a vida. Todavia, mantendo folgado o segredo, bem oculto, dos filtros da liberdade nas suas cínicas escapatórias. E estas, com certeza, irão sobreviver ao covid-19 e, com muita pena minha, também sim, ao milagre da indiferença do tribunal das consciências.