domingo, julho 14, 2024

A MÁSCARA E SUAS SOMBRAS

Encontrar-se frente a frente com a verdade será certamente de uma repetida e humana certeza. Abraçando-a exige-se alcance, liberdade e determinação. Por vezes, talvez muitas vezes, ajustando-se ao intranquilo embaraço do incómodo estímulo. Trata-se de um ato enredado, porventura desvirtuado na fuga apressada da desperta simulação. Forçado à sombra da mentira, pressentindo que o uso da máscara a resguarde. Todavia, como diria Oscar Wilde, se dizer a verdade pode ser uma coisa dolorosa, ser forçado a mentir é sempre muito pior. Apesar do sorriso nos lábios, o rumo do humano assim se desassossega perdido nos inquietos tempos dos seus rotineiros transvios. A verdade humana não é por certo fácil, mas a sua falta desperta uma desmedida fraqueza. Esse incontentável abraço que enlaça o seu alcance, harmoniza a sua liberdade e alicerça a sua determinação. 

domingo, junho 30, 2024

ATURDIDO NOS ARSENAIS DA RAZÃO

Recuso, contraponho e sem tranquilidade precipito o pensamento. O meu interior assim se constrange deslizando-se na repetição descuidada do assimilado e sombrio uso do rotineiro. Reinventar-me não é fácil. Para além da indolência, a razão que a acompanha oferece-lhe uma certeza que me alicia e acostuma. O mundo assim se me faz mais pequeno e o meu humano nele se entorpece cerrado na sua falsa e mórbida diversidade. Como posso, então, ressignificar esta névoa e enganosa forma de pensar? Não será fácil, mas possível. Já me pus a caminho…

quarta-feira, junho 19, 2024

NADA SEI, MAS ESTRANHO

Repisando um conhecido rifão, aproximando o seu foco à vida dos dias de hoje, diria que cada um de nós teve passado, tem presente e, enquanto nada acontecer, terá futuro. Onde poderá estar, então, o imbróglio do tempo? Encontrar-se-á seguramente no factual da vida e nas suas vacilantes órbitas. Passado foi e é passado e o presente dele se afasta a caminho do futuro. Como? Desenredando rumos de confuso enxergo, hoje de duvidosas “metas volantes”. Assim sendo, as ditas cartas do “passado, presente e futuro” se enleiam no baralhar dos destinos e não na abstração do tempo. Parafraseando e concordando com Arthur Schopenhauer diria que o destino baralha as cartas e a nós resta-nos jogar. Será assim tão simples e cómodo?

sábado, junho 15, 2024

O BELO

Quando o olhar me encanta as palavras em mim se escondem. Desde logo o imaginário se me manifesta e sem inquietudes se expande. O íntimo aí desponta e em silêncio faz-se sentir. Um outro ver que assim se torna num singular olhar que se solta e me aviva. Sem razões primeiras ou prescientes. Sim, através de um sentimento que por si só me vai completando. Através de sonhos que idealizo e a que me entrego. Seguro de uma distinção outra que me inquieta com a palavra e o enleio que a cerca. Valorizar o diálogo silencioso torna-se, então, uma escolha de um modo de estar, de ver e de apreciar a beleza do Belo. A inspiração proteger-me-á aflorando-se sempre viva, sempre sonho a cada instante desse olhar melancólico e sombrio do exilado silêncio.

domingo, junho 09, 2024

O ZIGUEZAGUE DO COGITAR

Com displicência e comodidade enxerga-se o mundo através de apressadas conformidades. Obediências apadrinhadas por ilusórios e cómodos arrimos representativos. A patológica preguiça compromete o olhar e assim se formula um desatento pensar que o acomoda. O devaneio lógico harmoniza-se e o continuado momento reforça-se vendo-se ao espelho. O irracional da emoção ganha espaço e o desconforto treinado encarrega-se da convicção a jeito. A si submetido, pensa-se para si próprio livrando-se da embaraçosa incerteza duvidosa. No entanto, o ruído da asneira faz-se então ouvir, bem embuçado, no íntimo da sua narcísica palavra. Não obstante, impaciente e, por vezes, deveras descabida. 

AMANHÃ VOTE-SE NA DEMOCRACIA

Amanhã é dia de votar. Sei que não está apenas em jogo um dos partidos proponentes. Comprometer-se-á também a democracia enquanto desígnio. Social e político, certamente, mas não só. Acrescerá a sua significação e, com ela ou não, a sua projeção e relevância humana. A cidadania democrática estará assim também em jogo. Não se esgotará no dia de amanhã, sim, mas dele, não deixará de decorrer. Torço para que amanhã a democracia ganhe. Como? Aproximando o seu valor simbólico à apreensiva realidade dos tempos. 

quinta-feira, junho 06, 2024

DA CENSURA AO ACINTOSO VAZIO MORAL

 A humanidade faz o seu destino através das suas íntimas e profundas mediações. Ao fim de muitos anos e intensos sentimentos, dois preceitos a mim me vão convencendo e em mim se vão esculpindo. A harmonia do reconhecimento da simplicidade enquanto valor humano e da nobreza que a qualidade do que é belo alcança e revela. Por isso, a desilusão é em mim cada vez mais penetrante e de juízo lamentavelmente cético. Os tempos, hoje sem tempo, em pouco ou nada ajudam. Se bem que embora em arenas de sentidos contrastantes, e entre si enviesados, o Ter e o Não Ter, ambos se esgotam na circunstância dos seus distintos tempos. Assim sendo, não me é crível o sentido da leal palavra da dignificação do Ser humano. Em especial através desta circundante e perversa polarização do Ter desigual que, ao longo de uma ardilosa e dominante doutrina de véus, se traçam social e geometricamente assimétricos. Daí, o acinte da indignidade e do consequente vazio moral.

sábado, maio 25, 2024

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SIM, A DIGNIDADE É UMA MERDA

No TEATRO AR vem-se apresentando burlescos espaços cénicos. As linguagens artísticas intumescem entremeando a emoção com a palavra corriqueira. As farsas prosaicas, terra a terra, bailam em cena. Fantoches não faltam, a comédia desfralda-se e o teatro de rua mostra-se. Através de cantigas de desamor, de escárnio e maldizer faz-se a teatralidade da pregação política. Nada se parece triste e mal-amanhado, tudo bacoreja truncado e merece olho. Eis as matrioscas comédias oferecidas no TEATRO AR. Os piadistas, as chalaças e a sujeira parecem cativar fado. Mas que raio de expressão de merda esta! Estas minhas, idem, idem, quiçá.

domingo, maio 12, 2024

A SOMBRIA MIMESE DO SUJEITO SEM SUBJETIVIDADE

(ou o empobrecimento da interioridade face à redução da cultura a mercadoria)

Evolui-se nos tempos, nos contínuos e factuais atalhos e seus imaginários porvires. Sempre pronto a livrar-se de entrelaçadas dispersões que se atravessam nas saídas que se buscam. Cuidando de si certamente. Todavia, não evitando aquele OUTRO que, através de si próprio e da sua zelosa palavra se esmorece. Mais direi que desaparece nas falsas e acomodadas circunstâncias do útil apego à empírica razão da ilusória certeza. No entanto, a inquietação da vida revela-se, aconselha e ousa ensinar que é sempre tempo de deixar de se enganar a si próprio. Talvez vivendo sem medos feitos de fraquezas e inquietações, abandonando-se em suposições irremovíveis de um ser incerto e desprevenido. Mais claramente, deixando de ser SUJEITO ao admitir a vassalagem do valor ético da sua liberdade e, por consequência, tolerando o empobrecimento humano do seu ser ou, mais conclusivo ainda, da sua estéril e incontornável subjetividade.

domingo, maio 05, 2024

UM PANO DE FUNDO ENCURVADO

Ao reler Charles Taylor, relembrei as três fontes de preocupação por ele referidas; o individualismo egocêntrico, a principalidade da razão instrumental e a alienação da esfera política. Por que não lembrar, então, os tempos que vivemos e o acerto deste suporte de três pernas que cenicamente se concerta? Em especial, nesta indefinida agitação da liberdade mergulhada na desorientação e fragmentação de um exíguo mundanismo individualista? Ser-se livre dá muito que pensar! O aparente aconchego atolado nesta ociosa displicência jamais satisfará o humano e amparará a modernidade dos tempos vindouros.


quarta-feira, maio 01, 2024

PORTO DE PINTO DA COSTA

O meu amigo XICO MADUREIRA, assim o recebo, simpaticamente me mimoseou com este inesperado poema relembrando alguém que muitas vezes nos acompanhou nas alegrias, nas passeatas e em diversas e misturadas conversas. O PINTO DA COSTA assim o merece e não deixou de ser merecedor. O nosso reconhecimento e respeito é tudo quanto lhe podemos expressar. O presente não muda o passado, todavia importa que o futuro respeite o passado e mude, se possível, o presente para melhor. Obrigado PINTO DA COSTA.


Almiro,

Envio-te estas décimas

Com um abraço

 

 

                  Mote

Porto de Pinto da Costa,

Minha cidade de encanto,

Serás sempre a minha aposta,

O amor que eu aqui canto!

                 1

Vemos o rio a passar,

Vindo das serras vizinhas,

Tudo são ternuras minhas

A querer com ele ir ao mar...

Ele é este meu amar,

Tanto que a minha alma gosta,

Tudo aquilo que se mostra

E nós queremos repetir,

E é o meu persistir,

Porto de Pinto da Costa!

                2

Há muitas outras cidades

Com as suas subtilezas,

São muitas velas acesas

Nas suas muitas verdades...

Mas sempre terei saudades

E ternura, tanto, tanto,

Tudo aquilo que levanto

Dentro do meu coração,

Tu és a minha paixão,

Minha cidade de encanto!

                3

De braço dado comigo,

Cada um dos moradores,

Esses tão queridos cantores,

Em cada um, um amigo!

E assim eu vou contigo,

A subir a nossa encosta,

Na causa que me é proposta

Por ti, cidade que és querida

Tu és a mais bem vivida,

Serás sempre a minha aposta!

                  4

E é a vida tão breve,

A passar no nosso peito

Nós com a morte sempre a jeito,

Ah! que a vida se conserve!

O meu estar a ti se atreve

Peço amparo ao meu quebranto,

Tu não és decerto um santo

Mas não me deixes sozinho,

És tanto do meu carinho,

O Amor que eu aqui canto!

 

Um abraço do

Francisco 

segunda-feira, abril 29, 2024

UM HOMEM, QUIÇÁ, CHEIO DE SI

O Senhor Presidente é um homem deveras empático que sabe avizinhar-se emocionalmente do outro, relaxar a comicidade do seu ânimo e aplicar-se com facilidade à contingência do incerto. No entanto, não sei se me refiro apenas a peculiares e atraentes qualidades ou a uma otimização de habilidades nelas sincronizadas e, sobretudo, delas emancipadas. O tempo e as multifacetadas peripécias não me levam a invalidar as primeiras, mas talvez a aceitar a egolatria virtuosa das segundas. O último episódio, mais do que testemunhar esta certeza, interroga-me sobre o que efetivamente deprimiu o Senhor Presidente para lhe provocar tamanha fúria narcisista. Quem sabe, então, descortinar o rastro dos respetivos e prováveis significantes de tão exímio entusiasmo?

sábado, abril 27, 2024

25 DE ABRIL, HOJE E TODOS OS DIAS

Hoje, como no passado, luta-se pela infinda LIBERDADE. A condição humana da LIBERDADE, essa, jamais renunciará. A LIBERDADE em todo o tempo foi, e será, impulso de ser, do humano que deixa história, de um social horizonte que em tempo algum se esmorecerá. A LIBERDADE far-se-á, como sempre, palmilhando roteiros sempre imperativos, sempre inacabados, na verdade, insubmissos. Entre os tempos de um presente, reconhecidamente imperfeito, e um horizonte de um inevitável porvir idealizado. Caminhando-se solitário, talvez se alcance descansos adormecidos. Brechas de acaso em um todo injustamente gretado. O abraço humano, esse, ordena por si uma condição outra, a cada instante reavivada por uma disputa empenhada e capaz. A LIBERDADE exige, pois, coragem, firmeza e desvelo, continuamente atenta à farsa inércia da indiferença e aos seus vazios acenos de apelos sedutores. A LIBERDADE assim se mostra, não apenas pela palavra, mas pela humana envolvência de uma cidadania inquieta que cuida e exige do assunto político e acastela a lisura ética da democracia. O 25 de Abril, sim, mas hoje e todos os dias.

terça-feira, abril 09, 2024

EU TINHA A SAUDADE À ESPERA, Oh, meu tempo como tu voltaste pra trás, traz-me sim a identidade que eu perdi, tem pena e dá-me a vida, aquela boa vida que eu em família já vivi.

Nota - Apenas recorri à canção de Tony de Matos para saudar o erudito livro, ontem apresentado, que enclausura e concentra a identidade humana no regaço familiar.


domingo, março 31, 2024

O CINISMO SEM DECÊNCIA

A bipolarização política ajusta-se hoje a excêntricas raias partidárias. A pressuposta direita desliza-se para renovadas crenças e a segmentada esquerda refunde-se no decorrente desalinho deste sinuoso tempo dito pós-político. A apoquentação é a que é e a luta ideológica no campo do poder político assim se vai tonificando, ofuscando o litigado referencial democrático. A luta pelo mando torna-se mais agitada e arrogante, as múltiplas crises assaz esgrimidas e as discriminações sociais notoriamente expostas. Nesta mundanidade capitalista, de arenga patológica, tudo se faz para institucionalizar abstrações de hábeis mistificações ideológicas capazes de a inocentarem, tolerarem, logo, de a abraçarem. A exclusão inclusiva alongará certamente o desplante.

sábado, março 23, 2024

O PRESTIGIO DA GRAVATA

No mundanismo da penitência há pedidos de desculpa que atraem. Contudo, há gentalha enfatuada que pela vénia não convence. Trata-se de uma casta cabotina em que, mais do que a verdade, a prosápia é que se achega. A diferença não está certamente no tropeção, mas na insistente entrega à recorrente altivez. Para melhor alcançar o juízo, o primeiro pede desculpa, o outro apenas revela uma dubitável imoderação. Aquele joga de igual para igual, este último desequilibra-se na sua presunção. O referente de um não se combina com o representativo do outro. Um encaminha-se pelo reparo. Espera a desculpa. O entufado, esse, não consegue desvincular-se do seu mérito moral. Ou seja, do poder da gravata e do seu nó no gorgomilo.

SORORIDADE, UMA VOZ DE SILÊNCIOS

Ouvi a palavra sororidade. Achei-me estranho. Confesso que nunca a tinha lido ou escutado sequer. A curiosidade logo se me acentuou na elevação circunstancial do seu uso. O sentimento de solidariedade apercebeu-se em mim intensamente atraído. Pelo seu sentido ético e, em especial, pelo valor da sua fundura humana. Avivando-me, além do mais, empatias idealizadas que me levaram ao lugar de muitos outros semelhantes. Desafiando-me horizontes epistemológicos que sempre me aproximaram e encaminharam para múltiplos interiores e seus diferenciados cenários. A generalidade como figura sempre se impacientou com as diferenças de compreensão do desenvolvimento humano. Ao ponto de até o pobre esconder a vergonha da sua penosa realidade. Afinal, pergunto, que lente usamos para observar estes debates ontológicos? 

domingo, março 03, 2024

A INDIFERENÇA RARAMENTE SERVE, NUNCA A DEMOCRACIA

A atmosfera da disputa política do momento tem vindo a tornar-se um clima favorável à inoculação viral da desinformação. Como? Emaranhando cabíveis discordâncias com intentos que, no seu básico, apenas fomentam a corrupção dos propósitos. A democracia deixa assim de o ser quando se entrega vulnerável ao fado da corrupção. Através da falsidade, da detração sistemática, da má-fé, da violência, das arengas de ódio e de outras viciosas artimanhas. A palavra em si fala por si, todavia é na sua sombra que por inteiro assume a vitalidade da desencaminhada intenção. A democracia, e o democrata, não deve, não pode ser indiferente a esta condenável e grosseira sagacidade. Ou seja, apreciando tais conteúdos inteiramente forjados enquanto sinais distorcidos sem correlação com o essencial e, sobretudo, com a sua verdade. Sabe-se que vivemos um tempo pardo de ordinárias “fake news” que ajuda e possibilita formas de corrupção na sua diversificação e intoxicação de ambientes contagiantes. Neste ponto (e em concreto) quando a corrupção da informação tem, no campo político, uma significação moral de consequências sociais e humanas imperdoáveis. 

quinta-feira, fevereiro 29, 2024

UMA GEOMETRIA DECLINÁVEL

A lei económica, hoje mais do que nunca, não só ordena como se apodera do destino humano. Arrasta lógicas, transfigura idiossincrasias e bem se engorda à custa de outrem. A abastança é a meta, a patranha maestria e o domínio condição. Os vinténs dispersos tiveram o seu tempo e a sua sóbria catequese. O mercadejar hoje não atura a palavra doce dessa reza. Quer certezas inatacáveis, logo bem protegidas. O poder da grana não se expõe, é fáctico. Escondido e silencioso manobra o abuso e assenta o roteiro. O fosso ganha distância e o castelo situacionista protege o bicho.

terça-feira, fevereiro 13, 2024

ESTAREI PREPARADO PARA TUDO?

O engodo na (e da) palavra política serve-se hoje mais da sua ligeireza do que do inegável embuste. A desfaçatez da balela artificiosa medra com os tempos mascarando-a na arte recicladora do retoque. O argumento afugenta-se do concreto, mas o feitiço do carisma, calando a guinada, dá conta do recado exaltando almas. As verdades brigam entre si, umas mais mascaradas, outras sem arte no espalhafato. Para lá chegarem, ao tentado efeito, uns driblam melhor do que outros. Todavia, atrelados em campo, distinto nas cotoveladas. Uns obstinados na sua verdade, outros inflexíveis na sua certeza, outros ainda gaguejando na parada. Verdades diferentes, agilidades reversas, silêncios estrondosos. No pardaço da discordância, a verdade assim se vai perdendo, dispersando-se no imbróglio democrático da chicanada. 

quinta-feira, fevereiro 08, 2024

TEMPOS SEM TEMPO

Tempos de inverdades e empáfias, baloiçantes estas entre a enxurrada livre da conformidade e a mediação implicante do seu reflexivo. Remove-se fronteiras, alterca-se arraias e rivaliza-se ascendências. A impaciência acontece e a subjetividade que pensa perde pujança, talvez ânimo para esgravatar. A aparência alcança então espaço, a sua palavra presença, atabafando a realidade no fosso nublado do sumiço. Entre a aparência e a realidade faz-se assim vaguear a dita liberdade, sim, aquela que não atura o intrometido voto da dignidade ética. 

domingo, fevereiro 04, 2024

CHEGA DE XINGAMENTOS

A democracia valoriza-se relevando a coerência lógica dos seus arrimos basilares. Judiar a liberdade, suportada pela palavra fingida e colérica, insultante e afrontosa, apenas socorre a arte batoteira do eficaz e lucrativo devir político. A democracia não pode deixar de ser essa concreta universalidade cujo denominador comum seja claro e as divergências que a incrementam atualizem o todo nas suas diferentes proposições e eficiências. Pela ação e discordância, com certeza, pela palavra confiável, séria e polida. Não pela danação exibicionista do insulto que a história bem nos recorda e rejeita. Isto é, fazendo deslizar o significado "democrático" pelo avesso da sua dignidade.

sábado, janeiro 20, 2024

A POLÍTICA NOS MEANDROS DA VIGÍLIA E DO SONO

Discorrer sobre o viver político é, por princípio, frequentemente agitado. Todavia, a diligência de se dar pressa à sua razão fá-la mostrar-se no conveniente conforto do seu útil retrato. Pela palavra acertada, com sentido e método, ela se anuncia simulando. Ergue o seu arbítrio e entrega-se ao acerto da palavra reanimando emoções mais do que propósitos. Absorvendo a imaginada desordem move as necessárias e inferidas incumbências. Entrega-se, pois, à utilitária serventia do premente proceder. Recriando ou adulterando a convincente e eficaz generalidade. Aquela que mais facilmente possa arrumar o embaraçoso bulício. É sua, da razão ataviada, o acomodado papel de enlaçar as confinantes abrangências. Ordenando inclinações, acertadas apreensões e ousados juízos. A caminho de induções judiciosas e de recomeçadas ideias mais aguerridas e infalíveis. Aconchegando assim o percetual imediato através do trivial e do suposto possível. Embora grosseira e ardilosa, a repisada razão anuncia-se sempre forte no seu poder de convencer, e vencer, o receio que a incerteza suscita. A esperteza saloia assim sobrevive, e não só, também faz política.

terça-feira, janeiro 09, 2024

MAS, AINDA ASSIM, VOTAREI

A política excita-se nestes dias pela palavra e exacerba-se pela acústica. É um pautado tempo de saracotear a democracia e acotovelar lugares nas correlações de mando. Assim se agitam populares e amoldadas regências na muda e embrulhada excitação de eleger. Todavia, não os desviados, que calados, exigem, fazem acontecer e desse ocorrido se privilegiam. Ou seja, esse outro escondido real que acorre ao silente antro do pilim e do seu poder. Estes não vão a votos, apenas tratam de regras e de normas, de obediência. Logo, a ilusão vai idealizando o que resta, a sua liberdade e o poder de avivar e animar, apenas e tão-só, a aparência do cerimonioso formal. A agiotagem não é, nem nunca se amostrará neste democrático e liberal torneio. Como sabem, a treta não tem espaço nem tempo para politiquices ou outras curtições.

quarta-feira, dezembro 27, 2023

A LETARGIA DA INDIFERENÇA

O tempo acelera, o tempo chispa. Sem tempo para sínteses. Os fundamentalismos assim vão apressando as proveitosas verdades que aldrabam. Exortando esparramados dados que no dizer da mentira logo se unem e se aceitam. Os sofridos, neste ensombrado dos tempos, prontamente enxergam eventuais candeias. A onda digital assim se exibe atazanando o desprevenido. O noticioso igualmente se apressa a copiá-la rivalizando a disputa. Todos eles, uns mais outros menos, ao serviço da trapaceira luz do relativismo. Pior ainda, bem colados à truculenta incumbência de destruir a clareza significante do estímulo democrático.

sábado, dezembro 23, 2023

SAUDADES EM TEMPO DE NATAL

O Natal acontece entregando-se sempre a memórias que dão vida. Uma vida que a cada instante presenteia o Natal que se dá. Lembranças renascidas que se perfazem ainda mais belas e sublimes. O Natal é sempre um tempo singular de imaginação, abalos e sentimentos. A saudade merece assim ser recebida como uma prenda. Vivida como arte íntima de expressar um diálogo consigo mesmo. Sim, uma prenda passível de reinventar a realidade que a ela se acresce. A saudade, em dia de Natal, estará sempre presente no pensamento e na sensibilidade. Saibamos reconhecê-la e tê-la à mesa através das memórias que o tempo em tempo algum anulará. 

terça-feira, dezembro 12, 2023

GRACEJANDO COM A ETIQUETA … TANTÃ

Eis um ritual a todo o momento disponível a preceitos imitativos, procurando copiar. Servindo-se de aparências costumeiras ainda que dúbias. Ao bom gosto de um bizarro rendez-vous, ainda que macaqueando. Importa sim distinguir-se nos muitos espelhos. Neste tempo de sinésicos costumes, para além dos seus. Afinal, das amostras de uma casta que não a sua. Confiante no trepar da acirrada subida à cobiçada encenação. A autonomia desencaminha-se. Sim, mas não faz mal. A autenticidade adaptar-se-á à convencionalidade dos seus diversos maneirismos. O importante é representar, configurar a colocação do eu social, supondo ser mesmo Eu. 

terça-feira, dezembro 05, 2023

À LUZ DO ARTIFÍCIO

Não sei por certo deslindar o que enxergo, bem como o que escuto. Por vezes, tudo se me encena estranho. Ainda assim, procuro ser ágil em modelar as suas finuras representações. Tanto quanto desfraldam as afinidades presumidas que daí irmanam convenientes fachadas. Ajeitando ângulos, e com eles em harmonia, as astuciosas artes daí cinzeladas. Os tempos modernos, absorvidos como vanguardeiros, facilitam a sigilosa sagacidade e proveitosa aceitação. As analogias e as suas referentes vizindades vão capazmente atarracando o acerto dos seus juízos. A reflexividade e a alienação com prontidão aí se enlaçam na espinal medula talhada pelo artificio de viver. Parafraseando Zygmunt Bauman [1], "por decreto das circunstâncias, como que seguindo os esquemas de um kit de montagem". Todavia, um engenho montado pelo próprio usador e em caprichada liberdade.



[1] Em A ARTE DA VIDA. 

sexta-feira, dezembro 01, 2023

UM REPERCUTIDO AMANHECER

Levantei-me preguiçoso. Quem sabe cético. Talvez ainda fechado na minha madornice. A razão e a vontade não se entendem. É cedo demais. Mas vamos a isto, à vida. Pode ser que encontre alguém, a circunstância que me faça esquecer este mundo péssimo e do pessimismo. Basta que me encaminhe divertidamente à humana partilha da razão. Assim sendo, até mais logo…


domingo, novembro 19, 2023

O ÓNUS DA PROVA CABE A QUEM INCULPA

 Nem sempre, mas reiteradamente, sinto-me distante da certeza que me leve à tranquila evidência. Sempre determinado, e ousado, na prática birrenta do virtuoso direito à liberdade de duvidar. Como? Deslocando-me da atingível verdade do circunstancial implícito, revelada pelas circunstâncias, para uma oriunda razoabilidade compreensiva das suas entranhas. Gesto, quiçá, manifestamente pessoal mas sentido como dever de presença e obrigação. À partida, o inspirador cenário intuitivo esclarece rumos de maior relevância na aproximação do argumento ao concreto do real. O argumento não será, pois, uma parcela de um cálculo exato, supostamente evidente, mas sim passos operantes de esclarecedoras sequências interpretativas. Esclarecendo sentidos e conferindo à ordem clareza no entendimento. A razão por vezes perde-se, e não poucas, no uso ingénuo das palavras e das suas articulações. O conceito “DEMOCRACIA” não pode, pois, adormecer na inércia escuridade da sua bandeira.

quinta-feira, novembro 02, 2023

A VERDADE, PENSANDO BEM, VESTE-SE DA MENTIRA

Respiram-se ares de um enojo infeto por ardilosas verdades. O mando arbitrário falseia sinais que lhe são embaraços, os duros poderes conspiram tecendo alheias traquinices e o envilecido criticismo infesta de chinfrins o pastoreio do critério. A liberdade aqui se recreia, pois então, por espelhos diversos e embiocadas máscaras. O peso ágil de uns assim se adianta ao aperto de outros trepando reservadas escadarias. O sprint aperta-se e o abismo faz-se meta, fosso imaginário da obra sinuosa da suja petulância. O controle assim se cuida nas verdades caladas das mentiras que servem. Em apologético democratismo de mercearia.

domingo, outubro 29, 2023

A DESTREZA DE IMAGINAR

Há dias em que sinto felicidade. Outros de acasos menos venturosos. Ademais, muitos até, em que não me procuro. Nestes a razão torna-se incapaz e a imaginação na falta dela de mim se ocupa. Acolho aí, distintamente aí, a dura consciência do sentido do seu caminhar conjunto. A cada instante despertado, mas nem sempre capaz da sua sadia intimidade. Porém, sempre ansiando a circunstância exultante da sua afinidade acertada.

terça-feira, outubro 24, 2023

CUIDAR DO (IM)POSSÍVEL

O desabafo apegado e continuado do “viver dia-a-dia” arrasta consigo uma descuidada resignação à indiferença. Nela, o futuro acha-se longe de mais, o passado já era, restando assim, e tão-somente, o imediato do possível. O porvir, deste jeito, vai-se servindo de uma almargem de sobras pintadas, calcorreando o prado representável pela onda da moda para uns ou para o mau comum da inópia de outros tantos. Ou melhor, uns pelos seus atalhos de liberdade nessa doutrinada egolatria em festa a que se chama mercado, outros pela servidão enquanto coisa egrégia dos nobres pios cotados. Ainda assim, nunca se entregando consciências, importa lembrar que impossibilidades de ontem são hoje obras inflexíveis da decidida ética que acredita, e insiste, em um amanhã pronto a não comerciar o (im)possível do inclusivo percurso da dignidade humana. Assim matutando, mais vale consciências ideologizadas do que remanentes e acomodadas consciências alienadas. 

terça-feira, outubro 10, 2023

PARA ALÉM DAS PALAVRAS

… interessam os diversos roteiros optados pela representação a espelhar. Uns certamente mais óbvios, outros nem por isso. Rodeando casos e descasos na pretensão de inseguras relevâncias e provindos propósitos. O quotidiano no seu valor natural de irrecusável credulidade - dessa realidade seguramente vivida e sentida - é assim entusiasmado não tanto pela verdade quanto pela superação persuasiva da alojada inquietação. Os olhares convalidados não só logo se anunciam como informam esse embaraço facilitando a interpretação cabível no amplo colo do conforto referencial estatuído. Não é fácil objetar e dar solidez a um discordante exercício de previdência, de idealizar novos e múltiplos porvires e de revigorar a disponibilidade crítica, suas latentes joeiras, vínculos e discordâncias. À palavra entrelaça-se, pois então, uma outra inspiração do humano no empenhamento crítico deste concreto tempo despolitizado e silenciado por acaçapados, sórdidos e desmedidos poderes. O teatro da cidadania e da significação política, hoje como sempre, continua em palco, todavia pleno de farsas e tragédias não de imediato claras de entender neste mundo implacavelmente mercantilizado. 

sexta-feira, outubro 06, 2023

DAÍ, RAIZES INCERTAS

O “eu” mais do que uma certeza é um impulso. Na abstração do outro, uns esforçam-se por não se excederem. São, e sambem-se diferentes. Conscientes que o outro é um igualmente diferente. Diferenças ambas que se merecem inevitáveis. O relacional humano delas se serve e daí se busca construir o essencial da partilha. Logo, o “eu só” pouco ou nada idealiza sem esse sentir envolvente. Fatalmente atufado, quem sabe, na afetação insociável do seu umbigo. Egoísta, porventura.

quarta-feira, outubro 04, 2023

O SONHO ASSIM SE AGARRA

"Vivemos o tempo dos Budas, das flores de plástico e das cómodas douradas
E rimos muito alto, por cima da música alta das esplanadas
Vivemos o tempo da kombucha, do coaching, das soft skills e da gratidão
Saibamos agradecer aos bancos os juros que nos cobram na habitação
Vivemos o tempo mais corrido de sempre
Das metas, dos objetivos, do ‘nem que me esfarrape’
Não há esforço que não valha a pena, seremos todos Luft, Tap
Vivemos tempo de maioria absoluta, de posso e mando, de meritocracia
O mérito mede-se a partir dos dentes, das notas do colégio ou da demagogia?
Obrigada por esta oportunidade, um globo de ouro nas mãos de um ser tão falho
Há quem tenha muita sorte
A sorte, a mim, tem-me dado muito trabalho".

O que importa distinguir é não só a verdade mas, nos dias de hoje, também o impulso da coragem.



quinta-feira, setembro 28, 2023

NATURALIZAR NORMALIZANDO

"Naturalizar é uma forma de se tentar despolitizar. E isto é uma forma intensamente ideológica de se fazer política económica, de resto naturalmente favorável a uma redistribuição do trabalho para o capital", escreve João Rodrigues em "Ladrões de Bicicletas" (27.09.23). Subscrevo, acrescentando que esse naturalizar não é mais do que um reforço da abafadora normalização que procura autenticar o mergulho na referida e debochada pregação. Como diria alguém, o que importa é saber calcular a dor e o prazer de quem lhes serve evitando a dor desnecessária e, para tal, importa sim encontrar o acomodado gesto e palavreado. Gente boa pode não ser, mas esperteza acertada não lhes falta.


terça-feira, setembro 26, 2023

MELANCOLIA DOS DIAS

Alcançar a verdade da prédica económica dos nossos dias não é para todos. As regras são severas e o check-up sinuoso. A sapiência treteira não é facilmente atingível pese embora o uso e abuso do teclado em serventia. As reformas estruturais não se aposentam, a austeridade não envelhece, o social entranha-se na liberdade do individual e os direitos de todos adormecem mediante o canto monótono da sedutora mercancia. E aqui, ou por aqui, descansa a liberal e recreativa sociabilidade dos tempos vigentes e suas burlescas porfias.

sábado, setembro 23, 2023

DEVIRES DO IMPOSSÍVEL

As possibilidades em horizontes do impossível tornam-se, com resignante facilidade, fados abstratos. Por inquietação, porém, dão vida, e não poucas vezes, a relutantes impulsos na inspiração de virtualidades em nós adormecidas. Acordá-las, sente-se, é torná-las viageiras por afoitos destinos de sadia impertinência. E não só, de realização ao trazê-las presentes à imaginária seara da realidade em ato. Tornemo-nos, pois, persistentes mais criativos e coerentes uma vez que a arrastada e perdurável indignação já enfada. Não se adentre assim para fáceis e ofertados vazios trancados por portas devassadas. Crie-se trilhos discordantes que concedam à possibilidade o horizonte livre da multiplicidade virtual. Alarguemos o campo dos possíveis e nele encontraremos as esperadas linhas de fuga, ou melhor, de subjetivação que decerto nos levará a um mundo humano mais considerado, coerente e compreensível. A possibilidade do impossível assim fará os duros e intermináveis caminhos da imanência e não os roteiros das obscuras habilidades dos que perversamente nos encaminham.

sábado, setembro 02, 2023

BEM-VINDO AO ANUAL ENCONTRO FAMILIAR

Memórias, momentos e tempos, recontos de recordações. Pelo percurso, circunstâncias e palavras inerentes à consonante narrativa. Memorialística, porventura. Admitindo em silêncio que também somos o que esquecemos. Em verdade, memórias hoje que se relevam pelo íntimo do caloroso afeto e simpatia. Brechas vividas e trabalhadas pelas circunstâncias em convivência com as afloradas recordações. Acasos que não repelem o passado, mas deste abrem as agitações das suas raízes. Desses sentimentos subliminares que a cada instante acompanham o curso oscilante entre o ontem e o aqui de hoje. Do que de tocante sobrevive entre o antes sucedido e o que dele no instante se perpetua. Dando vida ao tranquilo poder de reanimação das memórias e das suas transcorrências. Silenciosas, e por certo, a cada instante extensamente presentes. Com esquecimentos, imprecisões e imaginação assim se trabalha uma verdade, a verdade que com o tempo se fez autêntica, logo, genuína. Seja por isso e pelo facto de se estar juntamente acolha-se em harmonia a preciosa e benfazeja arte da memória.

quinta-feira, agosto 31, 2023

CONFESSO

Calcorreio as ruas, cruzo-me e dialogo com pessoas, umas simpáticas, outras nem por isso. Gosto, mas interrogo-me; mas afinal o que me cativa e satisfaz? Porventura a ideia da simples e humana riqueza de estar e me cruzar com a desinteressada elegância e, sobretudo, sábia simplicidade. No íntimo, talvez me renda à aprazibilidade do natural, desses juízos de gosto únicos do seu existir. Acompanhado, confesso, pelo caloroso sentido empático e sedutor exibido na luzente ausência de artifícios.

sábado, agosto 19, 2023

O PERMANECENTE DESAFIO DO INFINDÁVEL ROTEIRO

Entre o homem e o humano espaçam-se rumos sem percursos determinados. Daí a confiança de que a liberdade não se finda no ser homem, mas sim no caminhar do Homem na sua condição de ser humano. O indefectível e progressivo entrelaçado do Eu, do Outro e do Comum é o que nos permite estimular e arquitetar o potencial arrimo e fundamento desse uno referencial da condição humana. Eis aqui, provavelmente, a verdadeira riqueza que ao Homem escasseia neste desvalido devir do mundo individualista, de poderes e egoísmos, discricionários e desmedidos. A comodidade dos nossos silêncios, na sua recôndita interioridade, a todos nos acusa da nossa cumplicidade, sobretudo da nossa cobardia e hipocrisia do fazer humano, que social e historicamente nos sentencia neste permanecente desafio do infindável e não aprazado roteiro.


quarta-feira, agosto 16, 2023

SINTO-ME CARTA FORA DO BARALHO

Oriunda das entranhas académicas e dos seus tempos, a leitura em cafés fez-se em mim visceral. Problema meu. Esse tempo foi-se. Todavia, permitam-me alargar o campo da minha utópica insatisfação. Como? Tornando-a mais extensiva, ou seja, alegando que o tempo presente expande com ele “corporações” que para mim, e meu singular sossego, reconheço, me ocasiona embaraços irritantes. Sobretudo quando a má-lingua se faz ouvir e/ou a simulação e a hipocrisia procuram convencer a relaxada assistência. Como? Mediante gestos e cristalinas vozes entufadas de vaidade de quem pode e sabe, ou de desajeitados brados e estúrdios de quem nada mais é capaz. De tudo isto sobra-me apenas uma, uma e imediata vantagem. O assunto para este meu bilhete que, servindo-me do circunstancial, se foca no ridículo desta tola e modernista performance social. 

domingo, julho 30, 2023

OS BORDADOS DE BORDALO

Bordalo, dito II, ousou sair, e bem, das aconchegadas subjetividades, das comuns miudezas do bem-educado, das suas preces cerimoniosas e, acima de tudo, das respetivas obediências formalistas. Como diria o sensato filósofo, o homem é a medida de todas as coisas, sobretudo na disputa das interpretações que devêm da norma sempre teimosa e insistente, inspiradas nos seus acomodados juízos de valor. Todavia, a sua arte argumentativa nem sempre convence no real campo das verdades e das suas objetividades, socorrendo-se para tal da eletrizante influência do forâneo e venerando sagrado. Aqui situados, a razão torna-se celestina e o poder silencioso do sagrado faz-se aí sentir nesse íntimo e soberano dever das suas obediências. Confesso, todavia, e por esse juízo, que a empreitada resultante do método de bordadura do artista Bordalo merece, aqui e da minha parte, a devida e humana empatia crítica.

terça-feira, julho 18, 2023

UM ADEUS SEM DESPEDIDA

Ontem despedi-me da minha tia Eduarda, abraçando os filhos, os meus primos. Um encontro que se fez raro pela sublimidade do enleio em que a lágrima e o sorriso se transformaram em um todo singular. Espelho natural e verdadeiro de uma vida que se fez acontecer e congraçar no momento da perda. Aceitando-se os pêsames, agradecia-se e reconfortava-se os presentes, os outros, familiares e amigos. Uma revelação iluminada pelo espaço, pela sua escolha e pelo segredo do íntimo assumido. Tudo em consonância, uma vida realizada e um adeus, afinal, como sinal de serenidade e não de despedida. À memória cumpre-me, pois então, a faculdade de conservar e lembrar a história dos nossos tempos. Obrigado TIA, o mérito é todo teu.

sexta-feira, julho 07, 2023

O INCONSCIENTE DA MESURA

Quem desaprova tem (ou julga ter) o poder da razão. Quem se sente desaprovado, e aceita, reconhece quem o reprova e, porventura, o juízo crítico do ato censurado. Não obstante, o possível errado, ou o mais errado, é quem entende que a ação não é reprovável, mas tolera a insolente advertência. Assim aclarando, admite o poder de quem incute a regra do irrefutável. Daí, torna-se então um provável inábil em afirmar a sua vontade de verdade ao instituinte próximo, apesar da confiança do infundado. Os "poderes", esses entre aspas agradecem…

segunda-feira, julho 03, 2023

O PERIÓDICO CHEGOU…

Acabo de receber e abrir o “LE MONDE DIPLOMATIQUE” (maio 2023). A minha primeira leitura basear-se-á na apressada leitura das identificações titulares dos seus múltiplos textos. Assim diria que “DA CORROSÃO DA POLÍTICA” pularei para “AS NOVAS TECNOLOGIAS, VELHA PRECARIEDADE E DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO”, no seu todo, e seguidamente centrar-me-ei na perceção e vontade de que tal reconhecimento “NÃO SE HARMONIZE NO RETROCESSO”. Posto isto, interessar-me-ei pelo “BRUTALIZAR A ORDEM DAS MANIFESTAÇÕES” e alcançar mais acertadamente o que emerge “QUANDO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PASSA PARA A DIREITA”. Mais tarde, e com a sensibilidade crítica mais almofadada, retornarei à primeira página e farei uma nova triagem. O caminhar será, decerto, mais claro, curioso e entusiasmante. Assim aguardo.

sábado, junho 10, 2023

NA CONVIVÊNCIA DO ÍNTIMO E DA VERDADE

A racionalidade, a cada momento, é desafiada por sensações e inquietações que desarrumam a condição do agir sentido e autêntico. A proximidade de abertura sincera ao outro, e à incitação da verdade, desde logo se confronta com a ligeireza do movimento cómodo como desviante da apatia que nele se inscreve. A razão e o sentimento, obrigados ao diálogo, e não ao silêncio, aí se afrontam ante o conveniente e humano postulado da sinceridade e da naturalidade relacional. Do meu ponto de vista, o sentimento não é forçosamente uma “erva daninha”[1], mas sim uma exigência de confronto delicada com a verdade, e a coragem, dadas as remanescentes representações, incoerentes e dissonantes, que a perseguem e a sitiam. A ideia de suposta inverdade, ou até de meia-verdade, não sendo mentira clara, com esta se concerta na sua inevitável e celular patologia. O relacional humano ecológico com este mal empobrece, certamente. O valor da verdade, desta verdade com o outro próximo, não me emerge de referenciais obsoletos e disciplinantes. Pelo contrário, desponta da liberdade de ser na continuidade e vivência de caminhar o comum que a perpetua e revigora. Não sendo fácil, ainda assim afigura-se-me este o acesso e o rumo do ansiado possível.



[1] Expressão usada por Zygmunt Bauman, em “A vida Fragmentada”, pág.65.

quarta-feira, junho 07, 2023

LAMBE-LAMBE

A apatia GALAMBA alimenta a indolência da ação e a inércia da mente. Eis a política do subjetivo que rodopia nesse absoluto de coisa alguma.

sexta-feira, maio 26, 2023

A RETÓRICA DA RASTEIRA

Os valores ditos agregados, por vezes, e não poucas, exibem-se como um todo menosprezando os valores que o antecedem e o compõem. Esse todo assim se expõe procurando ludibriar a dialética associada e, como tal, emudecer os valores contributivos na sinopse da sua interesseira síntese. As distorções lógicas convertem-se em axiomáticos critérios de cálculos conformes as conveniências. Fazendo uso de uma expressão de Zygmunt Bauman diria que é no meio que se converte o ouro da liberdade no vil metal da necessidade. Acrescentaria, dos interesses afinal cobiçosos de muitas e repetidas artes…

sábado, abril 01, 2023

DIREITOS HUMANOS?

Sim, quem se empenha na luta contra a pobreza e as suas incompreensíveis e profundas desigualdades é quem, de verdade, assume a potencialidade da categoria de defesa dos direitos humanos, os promove e os socializa. Neste atual tempo meândrico os meios antepõem-se aos fins apoderando destes a agulha ética dos interesses e dos seus valores. Como situar então o cinismo discursivo que enlaça o persistente uso dos seus juízos e concepções? Carl Schmitt, em "O Conceito Político", anota a seguinte e incómoda ideia; "A humanidade, enquanto tal, não pode fazer qualquer guerra, pois ela não tem qualquer inimigo, pelo menos não neste planeta. O conceito de humanidade exclui o conceito de inimigo, pois também o inimigo não deixa de ser homem e nele não se encontra nenhuma diferenciação específica. Que sejam feitas guerras em nome da humanidade não é nenhuma refutação desta verdade simples, mas tem apenas um sentido político particularmente intensivo. Quando um Estado combate o seu inimigo político em nome da humanidade, isso não é nenhuma guerra da humanidade, mas uma guerra na qual um Estado determinado, diante do seu opositor na guerra, procura ocupar um conceito universal, para (à custa do opositor) com ele se identificar, de modo semelhante a como se pode usar equivocamente paz, justiça, progresso, civilização para os reivindicar para si e recusá-los ao inimigo. A ‘humanidade’ é um instrumento ideológico das expansões imperialistas particularmente utilizável e, na sua forma ético-humanitária, um veículo específico do imperialismo econômico. Para aqui, com uma modificação aproximada, é válido um dito cunhado por Proudhon: quem diz humanidade quer enganar". Vale a pena refletir sobre os direitos humanos e na humanidade que, com verdade e coerência, os compreende.

segunda-feira, março 06, 2023

NUNO BELO, LEVA CONTIGO O MEU ABRAÇO

Vivenciar ao longo dos tempos a indubitável experiência de simpatia pelo Nuno é sentir algo de humanamente profundo. Referenciar estas ou aquelas qualidades em qualquer dos momentos desafia a insuportável insuficiência das palavras, dos conceitos que se requerem e, particularmente, da verdade que, ao longo do tempo, nos uniu. Por mim, e no dia de hoje, elejo o pressuposto da dignidade enquanto verdade de uma humana relação com o outro que o filósofo bem aconselhou; "Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio". Com o Nuno convivi e com ele profissionalmente trabalhei alguns bons anos. Com muito entusiasmo e alegria pelo desporto, mas também com imenso respeito, dignidade e sadia verdade. Com o Nuno fiz-me mais pessoa e melhor professor. Obrigado Nuno e até sempre.

quarta-feira, fevereiro 22, 2023

A LIBERDADE, OS TEMPOS E OS SEUS RITMOS

Reconheço-me estranho, de uma estranheza que me inquieta na condição humana da proximidade quando maltratada pela ofensa, subtil que seja, à verdade inteira. A dissimulada simpatia, cínica no seu formal sorriso da languidez moral da circunstância, aliás sempre retraída, melhor ou pior reconforta o que em tempo algum se ajusta. Afinal, tudo me parece confundir-se na inteireza da essencial integridade. Unidade essa aliás, por sua vez e por inteiro, desde logo perdida nas suas refeitas e descoloridas raízes da indefinível sinceridade. A determinação desvirtuada e a imaginação empobrecida sulcam assim os caminhos dos triviais artifícios das manhas há muito erradamente ratificadas. Por vezes, e não poucas, penso ter deixado de ser eu, ou pior, ter descuidado a coragem que me exige a liberdade, me dá vida e me faz humano. Diria que sempre presente, quiçá obstinado, com equívocos certamente, creio por inteiro na minha vontade de ser livre e em conformidade, sublinho, com a verdade que a outros possa tornar-se coisa certa, claramente certa porque aperfeiçoável e irrefutável.

segunda-feira, fevereiro 06, 2023

GALHOFAR COM OS MORALISTAS DA APARÊNCIA

Estes artistas não são o que são e o que os envinagra é o que os lhes é exibido enquanto divergente e incomum. A moral do artificio, do descaro destes que não são o que são, como se confirma, engata ronceiros umbigos em cadeia. O compromisso e o ganho que dessa ardileza se revela animam os incautos cordeiros mais do que importunam os lobos disfarçados. A bonomia da cegueira não enxerga a patranha e, por consequência, dá voz e sentido à miopia do truculento descabido. Daí, uma arrogante e fiteira fala, que do fundo do seu armário, não só se faz ouvir como conspurca o ecossistema com a sua petulante sedução. O idiotismo assim se deixa enraizar à conveniência do útil e vagabundo pragmatismo. Onde o ser e o parecer cegamente se tornam face única da buçal e trapaceira máscara. A hipocrisia altruísta, sempre cúmplice de si, não se arreda das suas egoístas obtusidades. Os seus arbítrios e os despontantes poderes que a estas se aproximam, e deles se servem, logo as arrebatam. Os cegos são mais que muitos e a malandragem de imediato se dispõe a cooperar e a orquestrar a dramática marcha da vida. Venham as bengalas ou, na falta delas, reinvente-se o mundo com uma diferente e astuciosa cegueira. Um mundo que por estes trilhos ou restaurados atalhos se esconde entre os matagais das trapaças ou, bem mais seguros, pelos meandros tumultuosos dos seus espessos arvoredos. A singularidade no meu circunstancial retiro torna o desabafo, estou certo, não muito corajoso. Todavia, salutarmente mais livre.

segunda-feira, janeiro 30, 2023

FUNDAMENTALISMOS DEMOCRÁTICOS

As inclinações demagógicas atraem em geral astuciosas obliquidades.  Sobretudo as de tendências totalizadoras. Aquelas que nutrem os poderes que sempre medram das credulidades desatentas e, de preferência, ajoelhadas. Abusam da humana ingenuidade das incautas massas suscitando aproveitáveis arbitrariedades tendenciosas. Isto posto, revigoram ao mesmo tempo calculadas e traiçoeiras intolerâncias ideológicas. Falseiam-se implacáveis fundamentos políticos aliciadores de convenientes vantagens e uteis arbítrios. A tagarela da liberdade desperta-se, pois então, como bandeira da farsa e do açambarcamento. A concorrência estorva e assim se anunciam perversidades a suprimir. Os insaciáveis glutões, embora cada vez menos, tornam-se cada vez mais ganhadores. Os derrotados, pelo contrário, são cada vez mais e, acima de tudo, mais vencidos. Os redentores fundamentalistas logo se apandilham na cobiçada poltrona da esperada ascendência. O demagogismo exacerba-se e o inseparável populismo encena o oculto e impreterível espetáculo. Da comoção autoritária saltita-se para o artístico embuste da difamação democrática. Servindo-se, embora tristemente bem, da afamada sagacidade desses tais abespinhados e assanhados fundamentalismos democráticos. Graças a seguidismos cegos de novos messias, de certezas certas, verdades indiscutíveis e de sedutores encantos de social e humana arrumação.

quarta-feira, janeiro 25, 2023

AS MEMÓRIAS E OS TEMPOS

Pressinto a realidade mover-se em mim. Seguramente entre a verdade e a imaginação. Explorando roteiros da humana e pautada compreensibilidade. Logo, caminhos que pelo juízo da lisura me vão despertando renovados horizontes. Guiões afinal que reconsideram a impreterível mobilidade da condição e do seu tempo. De possibilidades que exigem uma decidida e generosa compreensão. Caminhando interpretações assediadas pela inquietação das incertezas. Desafiadas estas por dessintonias diversas da singularidade hermenêutica dos tempos. Tudo se me junta, se aproxima, se completa ou, pelo contrário, se confronta. Possíveis prováveis sobressaem, outros tantos se desvalorizam. Sempre ajuizados no reconhecido desassossego do entendimento. O equívoco racional não ajuda, apressa-se sim a curvar-se ao abstrato impreciso da (in)verdade. Revisito então o passado procurando o acordo de memórias, das suas moradas e dos seus tempos. Hoje, em lugares distintos, e mudadas as experiências, revisito as lembranças. Reconheço linguagens estranhas e diferenciadas de um inconsciente que de mim faz parte. Apenas me relembro, e bem. A desconstrução aperfeiçoou-se captando recomeçadas decifrações. Da pertinência das margens, da significação das omissões e do reconhecimento das inescrutáveis sobras. Sinto-me mais eu, sinto que com o tempo apaziguei a imaginação e a verdade. Encurtei a distância entre elas. O diálogo tornou-se outro. Para o melhor das minhas memórias.

domingo, janeiro 22, 2023

A ARTE DA ARTIFICIALIDADE

 O desejo não se basta com o trivial peregrinar da necessidade. A sua medular presença soterra-se na mnemónica de efémeras e repostadas satisfações. Ou por outra, resfolga nesse calado tédio da embalada permanência. Cumpre-se o imediato apetecido, mas não o fundo da experiência da satisfação. O inconsciente absorve o gozo encolhido na história da sua sinuosa e duvidosa agitação. Do desejo empobrecido no seu ser-aí e da sua linguagem. Afinal, tudo parece anunciar-se indistinto, solto e insuficiente. De costas voltadas para o irmanado sentimento do humano, do apego e da verdade.

sábado, janeiro 14, 2023

CONJUGAÇÃO VERBAL

                               Nota; o texto apresentado é da autoria do meu amigo DELFIM CAMPOS

Já o disse e reafirmo: é uma miserável IPSS espelunca esta em que estou internado.
Melhor diria, encarcerado.
Mas eu reconheço que o pessoal auxiliar e de enfermagem todos nos mimoseiam constante e continuamente com açucarado tratamento.
Ele é “vamos comer, querido”, “são horas do soninho, amor”, “vamos tomar os remédios, meu lindo”.
Ora, é inevitável, ao fim de algum tempo já não se aguenta tanta pieguice.
É demais.
Há uns dias atrás, calhou-me em sorte aparecer a despertar-me uma matulona de meia idade, a abanar-me e a sussurrar-me: “São horas do banho, amor lindo, vamos acordar…
Recalcitrante, estremunhado, virei-me para o lado e fiz tenção de reatar o meu interrompido sono.
Mas a gaja era insistente e porfiou: “Então, querido, vamos lá tomar o nosso banhinho, vai-nos saber tão bem!
Aquilo decidiu-me: sentei-me na cama, sorri-lhe o sorriso mais escancarado e descarado que consegui, e convidei-a: “Vamos lá, então, querida. Eu dispo-te, tu despes-me, eu ensaboo-te as mamas e tu lavas-me a piloca…
Ficou fula num instante, os peitos inchados que nem câmara de ar de camião TIR: “Seu filho da puta mal educado!!!”, grunhiu-me furibunda.
Tentei aplacar a megera furiosa: “Minha senhora, a senhora disse ‘vamos’. ‘Vamos’ é 1ª pessoa do plural. Por isso, já vê…
Não viu ou não quis ver. Atirou-me à cara uma almofada quase tão anafada como a sua monstruosa mamosidade e desandou porta fora.
Vá lá a gente querer ensinar a língua portuguesa à plebe ignara.

O MANO NARCISO

No começo, as públicas maneiras de Marcelo, animadas e desembaraçadas, adocicaram a minha precipitada empatia com um eu de um outro que, afinal, não é o Marcelo, mas sim o seu mano Narciso. Sim, é a recreativa sumidade deste que o leva deleitar-se e a arrebatar-se com os fogosos povaréus que teimosamente o assediam e asfixiam. À vista disso, é o mano Narciso, e não o sóbrio Marcelo, como se testemunha pela animada comunhão de beijocas salivantes, afagos aromáticos e proximidades descaradas. Aliás, pela badalada e reconhecida insuficiência narcísica de Marcelo, ele só pode ser um outro manifestamente oposto ao mano Narciso. Marcelo, creio eu, encolerizar-se-ia na presença de um repetido e alvar riso de um qualquer e indistinto espelho popular. Quem apadrinharia, então, essa ousada ideia que Marcelo e Narciso seriam irmãos, ainda por cima gémeos? Ninguém, ou talvez apenas uns poucos acreditariam naquele outro que se faz dois em um, em um outro que, afinal, se prestaria à carnavalesca e burlesca calha. Que deus nos acuda se puder e se para aí estiver virado.

terça-feira, dezembro 27, 2022

A INCERTEZA DOS SENTIDOS

 Com regularidade enfrentamos situações burlescas. Como se sabe, palavras desalinhadas de critérios enfatuados azedam muito o pessoal niquento. Esta gente educada, quem sabe porventura aburguesada, forja à pressa, e mal, sensibilidades enxofradas que legitimam as suas irretorquíveis más caras. Nestas circunstâncias, de preferência quando expostas a outros, apenas a reprimenda de grosseria não basta. Tornar-se-ia apenas o mindinho da sua dramática e martirizada inquietação e representação. A oportunidade do descabido pretexta-se, então, incómoda, exige mais, algum teatro e, sobretudo, levar o texto à cena. Afinal, importa exigir a mão gorda da petulância acomodada ao asserto da pirâmide social. O que está em causa não é, afinal de contas, o que é ou parece ser, mas sim o que importa comprovar. No caso, uma dama desvela a sua meritória e snobe aparência perante o descuido dum “merda” solto por um rapazola, aliás, mais alheado do que atrevidaço. Olhando então de soslaio e de voz afiada para o jovem boçal, a dama reclama em voz alta respeito, muito respeito. Sobretudo, por si, pois não teria sido alfabetizada para tamanha rusticidade. O rapaz acabrunhado, diminuído e sem jeito, sem olhar para a dita, titubeia para um dos seus amigos; “porra, já fiz merda, peço desculpa senhora”. Os diversos presentes, todos eles mais adultos, olham-se e não resistem. A gargalhada geral acontece, ruidosa e prolongada. O ridículo da sobranceria da polida e respeitosa ricaça, se rica era, afinal não era para menos. A cumplicidade do riso acabou por se tornar o testemunho da verdade do seu excesso grotesco.

segunda-feira, dezembro 26, 2022

O ÍNTIMO EMPAREDADO

 O certo é certamente um não se acertar. Um caminho que requer paciência, insistência e aventura. Vidas concertadas pela certeza das incertezas. Não induzidas ou catequizadas pela impossibilidade. Encostadas sim, e sempre, à verdade sentida como possível. Certamente no distante do mais adiante. Sem receios de recuos, de ilusórias pisadas ou de crenças sem luz. Exilado em teias de captura, redes de invenções, ilusões ou preconceitos. No íntimo do corpo, na sua humana condição asilar de sensações, prazeres e afetos. Na errância viva da incerta e espelhada continuidade.

segunda-feira, novembro 21, 2022

HÁ DIAS E RUMOS

As rotas da vida nem sempre se fazem acompanhar da liberdade. Os caminhos, decididos ou devidos, desafiam, sem exceção, múltiplas e adversas inclinações. O “hoje e aqui” tudo pode estimular, confundir ou comprometer. Ainda assim, associada à vida, a emancipação hesita no exercício e uso da sua inspiradora razão. Aí e diversamente, sempre sujeita à serenidade do afeto, à agitação da emoção ou ao todo recomposto que as vinculam. Sentimentos, de mais a mais, aparentemente contraditórios e por vezes incombináveis, embora visceralmente determinantes. O afeto e a emoção tornam-se, pensando bem, pilares basilares dos arrimos humanos da compreensão, ou seja, da razão capaz de mais verdade. Sobretudo, da verdade que nos acompanha e, com uma inevitável certeza, nos reconduz na nossa indeclinável sintaxe identitária. Por isso, todos os dias há dias e rumos que nos marcam, ou seja, circunstâncias que nos desafiam enquanto seres intencionais. Por isso, a liberdade julgo tornar-se incómoda pela exigência da sua verdade, não só moral, mas intrinsecamente existencial.

domingo, novembro 20, 2022

A FUTURIDADE SEM RUMO

 

A monetária e obscura palavra política usa e abusa do termo futuro, sobretudo quando o presente lhe aponta o dedo acusador. Na circunstância, a música dos valores sobe de tom, a harmonia dos princípios busca os acordes e a entediante versificação do cântico entrega-se às suas convenientes tonalidades. O tateável do humano e triste fado assim se desvanece no acervo das abstrações e o concreto da vida se deixa absorver na apatia de uma estranha realidade. Eis a política que se oferece para um futuro ricocheteado pela mesma música, a tal música aliciante que chalaceia e convence um crédulo e abstraído meio mundo.

quarta-feira, outubro 26, 2022

EVIDÊNCIAS OCULTAS

 Neste tempo da (pós)modernidade a verbosidade não falta. Vive-se tempos energicamente marcados pelo agressivo e dispersado paradigma do imperialismo capitalista. A racionalidade neoliberal vai-se incentivando através da traiçoeira palavra legitimadora do egocêntrico e interesseiro individualismo. As oposições primárias que servem o seu expansionismo repetem-se e dão-lhe sustento reforçado. As variantes incessantes do primário, eu sou eu e o outro é outro, o que é meu é meu e tudo o resto são tretas, ressoam. Da sua diversa e reconhecida simpleza, muda e múltipla, despontam as raízes discursivas. Rotineiras e vivamente repetidas, fazem-se identitárias de forte enlace ideológico. Outros arranjos se associam revigorando dilúvios de poder de oficiosos corpos intermédios. De simbólicos a representativos é um pulo credor de validação democrática. Assim sendo, no terreno da vida e das suas circunstâncias, invocar o inverso é infame. Rotuladas de lábias sujas, próprias de indolentes enciumados ou de obtusos e ferozes esquerdistas. Por isso, é neste contexto que o Privado, enquanto sector, se apresenta com rematadas certezas e irrefutáveis méritos. Mesmo assim, o Público canhoto, o dito comum, talvez importe, sim, mas para tratar, e apenas, do que sobra. Acima de tudo, se se amiga ao particular e a ele se molda. Só assim a Liberdade merece ser confirmada, a Democracia validada e, como tal, o Povo não deixará de ser soberano alcançando o cume da pirâmide hierárquica do poder. Porém, com a vida fluidificada na narrativa fabulosa dos referidos conceitos de Liberdade e de Democracia, o nocivo tóxico das abstrações produz os seus efeitos. As analogias, as metáforas, as imagens e as comparações assim se vão sucedendo na acolchoada representação da teatral retórica. O futuro manter-se-á pois garantido, todavia na reiterada e estrutural promessa de credenciar essa gente competente, e não só, também gente boa e de bolsos cheios.

quarta-feira, outubro 05, 2022

O HOMEM ENTORPECIDO

Somos frutos de rotinas, espelhos, crendices e significâncias que, ato contínuo, se alimentam comprometidos. Assim feitos, não nos é fácil desarticular a homogeneidade da sua aparente coerência e, deste modo, distinguir a discrepância dos seus extremos. Isto posto, não se faz fácil desmentir o presente e tornar passado a memória que não nos liberta da sua poluída potência. O futuro assim vai despontando em um presente pleno de conversões, todavia presos à naturalizada sornice do “sempre foi assim”.  Seres irrelevantes, aceitáveis neste especulativo mundo que faz do homem um ser idiota, imoral e apolítico. Um ser adimensional, adormecido na sombra da sua humanidade, individualista e irreal.

sábado, agosto 27, 2022

PARA UM CONFIRMADO AMIGO

 Aqui vai um desabafo em jeito de censura à minha descuidada atitude face a uma circunstancial precipitação retórica que, de modo ocasional, confirmou a “lei de Godwin” e a sua consequente orientação acusadora e esclarecedora. Em princípio, o que diz ela afinal e, sobretudo, o que a edifica? Diria que nos aclara a imprudência que, no quadro de uma discussão distendida, nos poderá conduzir à banal e censurada precipitação a recursos de arbítrio fácil, quiçá de instintiva afronta, lembrando ao outro hipotéticas inclinações. Por exemplo, aproximá-lo (em modo reflexo) a um qualquer Hitler ou, no caso, a incómodos descendentes genéticos. Reconheço que a salubridade humana, relacional, social e democrática, por aqui passa. O meu pontual desalinho, o descuido em geral aliás, estou certo, maleficia a liberdade de expressão, desconsidera o outro e agride a empatia da civilidade. A circunstância, por vezes, gera sensações que escapam à alçada do somado saber de experiência feito. Desacertei, sem dúvida. Daí a razão do presente acerto. Um abraço.

terça-feira, agosto 16, 2022

DA METÁFORA AO SILÊNCIO DA VERDADE

 Parafraseando Serge Halimi (“Le Monde Diplomatique”/agosto 2022), e prestando atenção ao seu editorial, atrevo-me à impertinência - que a liberdade me permite e a sintonia estimula - de realçar que as “medidas de urgência” que se sucedem, e se vão aclamando, cuidam, com o devido método, e fingimento, da irredutível espera das urgentes e sempre proteladas medidas. Não é verdade que o Estado vai oferecendo “ventoinhas e garrafas de água aos mais pobres, e descontos na gasolina aos que não fazem as compras de bicicleta”? A confiança persistirá, estou certo, mesmo caminhando na lama destas, e de outras, infindáveis frustrações, quiçá, aviltamentos à dignidade humana.

quinta-feira, julho 14, 2022

SEGUIR EM FRENTE, EM CÍRCULO

 O excesso encaminha as exigências de uns. As insuficiências as necessidades de outros. Os primeiros consomem, os outros consomem-se. Vidas dissonantes em inquietante sintonia. Repetidamente faladas, sim. Perduravelmente desconsideradas, outrossim. Um jogo, afinal, que se consome na esperança. Na perdurável promessa com tempo e não prazo. Um presente tal qual presentes outros que houveram. A permanência da continuidade. Da palavra e do compromisso. Dos excessos e das insuficiências. Das suas raízes. Da injustiça.

terça-feira, julho 12, 2022

IDENTIFICAÇÕES ENVIESADAS

 Não poucas vezes acerta-se o cenário em conformidade com o pretendido. Aí se intenta afinar a adicional mecanicidade da representação, do sinuoso engenho do modo e da afetação. Preambula-se pelo geral, pela névoa apelativa do impreciso, fazendo-o deslizar para a lógica encurtada das acomodações convenientes. Em especial, através da suasiva e magnética atmosfera, fazendo o juízo desejado caminhar na conformação do desvio aprontado. Verdade seja dita, nem sempre consciente da arte libidinal do enredo, mas certo da sua eficiente sublimação. Para tal, a ficção sobrevém ao facto suscitando no outro o linear conforto da identificação, do imediatismo relacional e da simpática e cómoda credulidade. Em suma, a afável precipitação não serve, é minha opinião, a exigência do autêntico e, particularmente, a salutar e humana simplicidade que dele, no relacionamento, se eleva.

sábado, junho 04, 2022

TOLEREM-ME

A política não é suja. Sujos, sim, são aqueles que a tornam suja. Ou seja, política e socialmente desacreditada...  


terça-feira, março 08, 2022

DEIXADOS DE LADO

A proximidade, na sua abeirada cidadania, sempre significa. Significa sempre muito, e muito especialmente. Por certo quando semeia a intimidade da humana condição. Acertando vínculos, reconhecendo histórias e testemunhando identidades. Bem como sensibilidades e valores fruto desse cuidado reiterado e interpelante. Os tempos vão-se passando e sucedem-se no seu impreciso porvir sem momentos perdidos. As rugas, sinais desse desenrolar inexato, mais tarde se anunciam. Despontam e intumescem na contínua agitação da paulatina e pronunciável solidão. Enlaçando-se em memórias que se fazem de afastamentos e melancolias. Que remanescem na obstinada e impiedosa ausência. Memórias que se contam, ou se calam, em reditos diálogos de crença, desalento ou mesmo de cansaço. Memórias de um lugar remoto, porventura adormecido por um presente que inesperadamente se estranha, e entranha. Nesse lugar vazio sem saída onde apenas se espera por alguém. Sobretudo pelos que prometeram sempre, a cada instante, aparecer. Em todo o caso a vida continuará. Esses, os que hoje não aparecem, amanhã pacientemente saberão, sem dúvida, esperar.

sábado, fevereiro 05, 2022

ADENDA ELEITORAL

Uma adenda, um acrescentamento marcado pela imediatidade ideológica sensível à geometria protocolar, e horizontalizada, da corrente cartografia política. Deste jeito, diria, que ante o divinizado centro, o útil bateu certo à esquerda, ao passo que a briga, como sequela, se bravateia hoje à direita. O cansaço de Costa foi-se, e logo espalhou o transe do seu avesso. Rio, esse, naufragou, e encalhado modorra na raia do sugestivo e maroto engodo. Fora dos deificados, Catarina e Gerónimo mostraram-se, e sem demora apareceram reinventados na espera do confiante recuo do desleal bamboleio. Propondo, estou certo, mais vida às ruas lamentavelmente abandonadas. As pequenas-grandes novidades, essas, despontam triunfantes. Uma, garantindo a higiénica liberdade à democracia; outra, propondo uma renovada, e casta, ordem moral. Para a primeira o Estado não é mais do que um egocêntrico de braços largos e abarcantes. Para a segunda impõe-se uma acirrada refrega à vigente e sediciosa cidadania onde os anjos escasseiam e as carnalidades sobram. O que nos espera? Não se sabe. Venham então mais palpites das gentes que tudo sabem e profetizam. Contudo, não se esqueçam dos úteis e confortáveis barretes.

sexta-feira, janeiro 14, 2022

ELEIÇÕES, ENGODOS E LEGITIMAÇÕES

Eleições. Diz-se, tempo de Liberdade, não obstante aquela presumível e birrenta certeza da inverdade. O que se pensa - a vida nos vai alumiando - nem sempre afina com o que se diz. Na conveniência, a parcialidade cria, e concentra-se, no excurso da relação desse pensar e desse dizer, quiçá, em busca de uma ardilosa e trabalhada significação. Com frequência, por aqui se desmerece a raiz da Liberdade e fabulam-se, então, adaptadas prosas à intenção, e ao ato, de representar. Buriladas cantatas aí despontam amanhando a terra consoante a letra que se busca cantarolar. Uns, rimando com astúcia a estrofe, outros, recorrendo a estribilhos desembestados. Quando não, também há disso, valendo-se da canalhice insistente e obstinada do enxovalho e da banal alarvaria. Tudo parece, afinal, acomodar-se sem assento certo ao semeado sobressalto da inquietação ou, bem pior, à fervura impetuosa do encanzinamento. Assim sendo, evidente se torna o desrespeito pela verdade face à conveniência da vantagem, mais-querendo deste jeito a habilidade do que a integridade das ideias. Ergue-se, pois, a empatia fácil pelo lusco-fusco da superficialidade, do desembaraço pelo rentável ou, ainda, da obscuridade que, ao outro, desencaminha. Em qualquer das circunstâncias, atamancando a voz do disfarce embrulhando-a em mimetismos de dramáticos arbítrios ou de futuros desditosos e acinzentados. Resumidamente, esquadrinhando e valendo-se de fragilidades, do homem, da Democracia, ou melhor, das aspirações e interesses de ambos. Mesmo assim, depreenda-se que da falsidade sobressai sempre o lugar da verdade, da sua expressão e, acima de tudo, da possibilidade do andamento crítico e dialógico de que a Liberdade, livre e exigente, é capaz e (me) significa.