A referência presunçosa ou o proveito ideológico à divisa de uma sexualidade normal eflui de uma suposta e genuína ideia certa de Natureza Humana. Desta segurança indubitável (convicta ou farsante) segrega-se a (pre)disposição profícua da contranaturalidade, esgarçada pela tradição judaico-cristã através do pecado e da moral por este nomeada. Será que o animal, dado como exemplo, dá-nos a lição da união devida e conduz-nos (superiormente) à recusa da indecorosa perversão que é a homossexualidade?
Em tempos, não muito recuados, o Direito, de braços curtos e cabeça definhada, procurava assim abarcar e pensar o homem constrangido à tal natureza decretada, inventando os desvios e as palavras que teriam a função de apontar e chibar os pecantes e os pervertidos que, por doença ou crime (qualquer outra alternativa não se pressentia), violavam as leis da natureza. Mas surpresa das surpresas a dita Natureza, pela sua grandeza ontológica e relacional, não se deixou agarrar por tão tacanhos braços e, sobretudo, socializar-se por definitivas injunções de acefalópodes que traem a inteligência da sua própria natureza.
Narciso Mota ainda está, na melhor das cenas, no patológico do patológico no que toca à homossexualidade, pese embora se deva reconhecer a sua louvável benignidade social-democrata quando sugere a cura mas já não reclama a prisão. Todavia, narcisos há muitos, designadamente no palco político dos rústicos narcisismos em que os próprios se mostram em desfavor da sua função de representar e do respeito que devem aos representados, a todos e não apenas a uns poucos.
Pois bem, senhor Narciso. Se me permite, dir-lhe-ei que desde o tempo de Freud que múltiplos académicos e especialistas vêm mostrando à biologia, à moral e à religião que a sexualidade humana é mesmo perversa – os conceitos têm uma genealogia que importa atender – na exata medida que a pulsão sexual não tem um objeto específico, único e muito menos previamente determinado sob o ponto de vista biológico. A homossexualidade (tal como a heterossexualidade) constitui uma postura libidinal identificatória e instituinte de uma historicidade própria e indestrutivelmente legítima. Senhor Narciso, com as responsabilidades que assume, traga para o debate público as verdadeiras questões éticas e sociais e deixe em paz o sexo dos outros.
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