sábado, março 08, 2014

O DISFARCE DO INVOCATIVO DIREITO À INDIGNAÇÃO

imagesMoral, moralidade e moralismo são conceitos de raias permissíveis aquando da sua aventura mundana de inevitável particularização. Ao aliciar juízos moralizadores, a presença catalisadora da legalidade e dos costumes relaxam as fronteiras da exigente elucidação. Entre a ética que escora a moral e o moralismo que a dessubstancializa abismam-se múltiplas significâncias. Com destinações diversas, advindas de patéticas inocências ao limite da sagacidade malevolente, o campo político serve-se da bruma daí proveniente, comprazendo-se em moralizar mistificadas realidades sobre as quais ajuíza. Com a qualidade argumentativa que se lhe reconhece, José Pacheco Pereira (JPP) explora[1] o tópico, de um modo claro e fundamentado, delineando a fronteira que levou Passos Coelho a clamar indignação onde apenas mora irritação.

Tal como JPP, não me inquieta que um político esconda determinados comportamentos privados em público. Se o político A ou B engana a mulher, se tem uma filha que encobre, se é homossexual ou ainda se conserva no armário[2], são aspetos de uma natureza que, do meu ponto de vista, não constituem objeto da alçada imediata da moralidade em política. Com um sentido algo sarcástico, JPP recorda que, se assim fosse, Churchill não aguentaria um mês com tais critérios de exposição moralista, em oposição a Hitler que tinha uma vida privada sóbria e frugal. Imoralidade em política passa por outros roteiros, como lembra JPP. Roteiros feitos de mentiras, de enganos, de desprezo pelas pessoas comuns e pelo espezinhar impiedoso dos mais frágeis. Contudo, não acompanho JPP quando ele afirma; [a] acusação ao primeiro-ministro de que a sua palavra não valia nada provocou-lhe um surto de irritação mais do que indignação. Para mim, tenho que o reconhecimento deste radical juízo bateu forte, atordoou-o e a irritação despontou por clara intolerância à densidade da verdade e à firmeza da inculpação. O invocativo direito à indignação apenas se prestou a encobrir a irritabilidade de uma ocultada predisposição ao assanhamento provocada pela verdade e por esta em particular; a indesmentível verdade de que o valor da sua palavra é nenhum.


[1] “Colocar o engano no centro da política”, jornal Público, de 08Mar2014

[2] Como refere JPP no seu texto.

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