quinta-feira, outubro 01, 2015

A ESTRANHEZA DO ÚTIL E DA UTILIDADE DO VOTO

O PAPEL DO JORNALISMO NA CONFISCAÇÃO DA DEMOCRACIA

votoutilApercebo-me que a função social do jornalismo – verdade seja dita, qualificadora da legitimidade profissional do jornalista – vagabundeia hoje pelos becos de uma obscura “deontologia”. Descuidada da sua originária missão, a auspiciosa função social, o jornalismo vem-se acostando e, de uma forma extremada, amimando a ávida jurisdição dos conluiados poderes económicos e políticos.

Entre outros pastoreios, deste respaldo se efunde, como parece ser óbvio, uma disposição contrafeita pela incursão no jardim das delícias do dinheiro e do poder, com a incluída barganha dos senhores poderosos dos media. Aqui, neste lustroso covil, o consenso converte-se no propósito comum do ajuste; o folclorismo da conflitualidade, numa conveniente diversão prescrita; e a dissidência, numa mera periferia onde se desdenham as proezas da irresponsabilidade ou da utopia.

A política está infamada, diz-se. Tagarela-se sobre a crise de representação incriminando, talvez com razão suficiente, a partidocracia ocorrente; uma sequela provável do confisco perverso dos diretórios partidários. Deste modo, os pecados da democracia ficam nomeados e, para brandas consciências, apontados estão os incontritos pecadores.

O que dizer então, nesta embrulhada, da envoltura comprometida do poder mediático? Como pratica este o jogo da mediação? Se medeia é porque ocupa um determinado meio; supostamente, uma valiosa centralidade nessa prestadia jogatana da tradução e representação do palpitar concreto das inquietações das gentes. Assim sendo, se há crise de representação, a crise também os compromete.

O decente e isento entendimento das coisas, que eu saiba, pressupõe ideias e destas, exige-se rigor e clareza. Eis o encargo a que os media estão obrigados pelo seu mandato social. E sobre esta matéria, estamos conversados. O voto útil, tema fartamente propalado pelo comentário político (e não só), torna-se, nestas circunstâncias, um bom exemplo de manipulação. Uma ideia turva e acintosamente enganosa de afunilamento democrático a favor das alternâncias e em desfavor das alternativas.

Pois é. Ao contrário do se pensa, o jornalismo não se mostra hoje vinculado à obra da democracia. Não respeita o dever de informar com verdade e, nessa medida, anarquiza os preceitos do escrutínio democrático. Assim vai um jornalismo que, cada vez mais, dimana, não da sua primordial função social, mas da determinação e das cumplicidades do acumulado e concentrado poder, incluindo dos mediáticos patrões. O Trabalho que se cuide. O Capital e os seus afins, esses, já se apropriaram da democracia, com o propósito neoliberal de obter (para si) um estado de classe cada vez mais rendido ao capital financeiro.

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