Quando reflito sobre as mudanças que a invenção e a mecanização trazem, não apenas para o campo técnico, mas também para a própria subjetividade humana, sinto-me um pouco perdido entre esse avanço e as transformações nas mentalidades e formas de viver. A invenção não se limita apenas ao progresso do saber técnico; ela provoca também mudanças nos desejos e objetivos das pessoas. Daí a grande dificuldade, apesar das inspirações significativas que surgem. As repercussões dessas transformações abrem novos horizontes e modos diferentes de organização social. A padronização tecnológica, que organiza a sociedade moderna, não se resume apenas à sua evolução, mas representa uma mudança desafiadora e provocante nos modos de ser e de pensar.
A transformação tecnológica não se limita a uma soma de
inovações, mas traz também novas formas de organizar a vida, que, por sua vez,
impactam as múltiplas subjetividades humanas. Ou seja, afeta as diversas
realidades que se inter-relacionam no trabalho, no tempo e até mesmo no âmbito
das emoções e perceções do mundo. Surge, então, uma questão fundamental: a
relação entre a subjetividade humana e os valores éticos em tempos de inovações
tecnológicas poderosas. A subjetividade é moldada por uma combinação de fatores
culturais, históricos e sociais, e impulsionada pela experiência individual de
cada pessoa. As inovações, especialmente as tecnológicas, têm um impacto direto
e imediato sobre essa ordem subjetiva, alterando a forma como nos vemos, nos
relacionamos e percebemos o mundo ao nosso redor.
O referencial humano e ético, apesar de sua flexibilidade,
impõe-se nesse contexto, pois exige que as mudanças sejam situadas dentro de um
campo de valores que respeitam a dignidade, a liberdade e o bem-estar humano. À
medida que as tecnologias automatizadas invadem a vida cotidiana, o que está em
jogo não é apenas o avanço técnico, mas também o impacto dessas mudanças nas
relações humanas, no trabalho, na cultura e na moral. Assim, o referencial
ético, enquanto orientação para a integração da tecnologia na vida humana, tem
como objetivo garantir que o ser humano não se torne secundário ou subjugado
pelo poder das máquinas ou dos sistemas automatizados. A ética, nesse sentido,
protege a subjetividade humana da acomodação fácil ao prático, útil e concreto.
A reflexão ética nem sempre é tranquila ou confortável. A
subjetividade, ao se limitar ao imediato e à utilidade, acaba por negligenciar
a necessidade de inovações que promovam uma sociedade mais justa, inclusiva e
envolvente, respeitando a liberdade e a dignidade de todos. A ética não se
resume a uma questão de regulamentação ou restrição, mas envolve uma
solicitação mais exigente quanto ao impacto das inovações na formação do
sujeito enquanto ser humano. É nesse sentido que acredito que a educação, a filosofia
e a psicanálise podem desempenhar um papel essencial.
Quando relegadas a um segundo plano, essas áreas perdem a
oportunidade de oferecer orientações fundamentais para o entendimento
intrínseco das mudanças que influenciam o sujeito, a sociedade e as relações
entre ambos. Portanto, devemos vê-las como fundamentais para uma compreensão
mais completa e abrangente de como essas mudanças afetam o todo relacional. A
educação, por exemplo, pode e deve enfatizar a reflexão crítica, a ética e a
empatia, levando em consideração não apenas os benefícios imediatos, mas também
as consequências a longo prazo para uma humanidade mais coesa e solidária. A
filosofia, por sua vez, pode ajudar a questionar os pressupostos que orientam o
desenvolvimento das inovações, considerando a noção de progresso e a virtude de
produzir o desejado. A psicanálise, por sua vez, oferece uma contribuição
significativa ao investigar as dinâmicas internas do sujeito diante dessas
inovações. Ao focar nas motivações inconscientes, nos conflitos internos e nas
relações de poder que surgem nas interações com as tecnologias, a psicanálise
pode nos ajudar a entender como essas inovações afetam a psique humana, seja no
que diz respeito a novas formas de dependência ou alienação.
Portanto, a educação, a filosofia e a psicanálise não devem
ser vistas como disciplinas secundárias ou marginais nesse debate, mas como
áreas de conhecimento centrais. Elas são essenciais para compreender os
impactos das novas tecnologias de uma maneira ética, humana e profunda. Essas
disciplinas podem ser aliadas poderosas para garantir que o uso das tecnologias
não se distancie dos princípios fundamentais de ética, dignidade humana e
respeito à subjetividade.
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