Meditar não é apenas sossegar a razão, é, sobretudo,
desativar o ego. Esse ego impaciente que se supõe o âmago da realidade.
Absoluto, necessitado de reconhecimento, arreigado ao medo da perda e à sua
ânsia de ter. Se a ignorância é, como tantas tradições espirituais e
filosóficas sustentam, uma raiz do sofrimento humano, então a meditação
torna-se um caminho de reflexão que busca clarificar essa ignorância, não com a
crédula facilidade da informação, mas sim com o brilho trabalhoso da lucidez.
O ego sempre se nutriu de ilusão, acreditando na imediata
separação entre o "eu" e o "outro", entre o
"interior" e o "exterior", entre o "meu" e o
"teu". Nesse jogo de dualidades, o medo emerge como um aliado fiel - daí
o receio de perder, o pânico de sofrer, o fantasma de não ser suficiente. A
ignorância, neste painel, não é apenas ausência de saber, mas um modelo de
cegueira atuante, recusando-se a ver que o “eu” é uma obra, uma imaginária
criação útil, mas finita e frequentemente repressiva.
É através desta condição que a adesão ao material se torna
prenúncio - algo que não se compreende no absoluto, mas que traz vantagens com
os haveres, com os quais se tenta controlar a segurança. O mundo assim se vai
tornando uma dimensão do ego, um espelho que se obriga a confirmar a sua
relevância, a sua diferença e o seu poder.
A meditação, enquanto reflexão entendida criticamente, não busca reforçar este eu com habilidades de lassidão nem com preceitos de autoajuda. Bem pelo contrário, pois ela procura dissolver o ego - não como destruição do sujeito, mas como abertura a um não-eu, isto é, a uma realidade que não se arruma à medida do nosso desejo ou da nossa necessidade de confirmação.
O que se nomeia de “eu” é apenas um ponto de vista,
subordinado a rotinas mentais, sociais e históricas. Meditar é intermitir essa
clausura identitária, é sentir o pensamento não como qualidade do que é formal,
mas como um genuíno movimento contínuo - ou seja, observando o medo sem lhe
pertencer e não temendo imaginar a ignorância como estrutura, e não como
imperfeição.
Assim, o exercício pensativo, quando arreigado na crítica,
torna-se um movimento filosófico - desvelando o que a consciência ignora por
conveniência, recusando a ficção do “eu” como centro de poder e reeducando o
olhar para ver o mundo como relação, e não como apropriação.
Controlar o ego é, nesse sentido, não o domesticar, mas reconhecer o seu papel e relativizá-lo. Superar o ego é um trabalho de reaprendizagem ao desaprender o medo, o apego, a vaidade do saber e o conforto das certezas. Só assim a meditação deixa de ser um refúgio e passa a ser um “trajeto de verdade”.
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