Uma das argúcias mais eficazes da ideologia capitalista foi separar o que, na prática, nunca deixou de estar ligado: o económico e o político. Ao declarar a economia como instância própria, regulada por leis próprias e inevitáveis, o capitalismo procurou sistematicamente afastar a dominação para um domínio que se exterioriza como neutro, técnico e incontornável. Assim, governa-se sem parecer comandar.
É neste ponto que a leitura de Ellen Meiksins Wood se torna
particularmente convincente. Ao contrário das formas de governança que exigiam
constrangimentos explícitos, o capitalismo exerce habilmente o seu poder
através do mercado, da sujeição salarial e do imperativo económico. A
exploração oculta-se enquanto violência social, apresentando-se como simples
processo normal da vida. O cidadão surge politicamente igual, mas
economicamente subalterno, uma cisão que, ao longo do tempo, se vai
naturalizando.
A consequência é uma democracia truncada no seu foco
principal. Vota-se, debate-se, participa-se, todavia num campo escrupulosamente
demarcado. As deliberações que moldam a vida coletiva - quem produz, quem
decide, quem lucra e quem paga - são, em boa ordem, deslocadas para fora do
espaço democrático, convertidas em imperativos económicos segundo a disciplina
dos mercados e as alegadas necessidades técnicas. A política subsiste, assim,
sob a forma de uma independência fictícia.
É por isso que a crise democrática contemporânea não pode
nem deve ser compreendida apenas como falha institucional ou degradação moral.
Trata-se de uma crise estrutural profunda, na qual o demos foi
progressivamente afastado do lugar e da função do seu poder real. Reposicionar
o povo na democracia requer, antes de mais, negar a neutralidade da economia e
reinscrevê-la no campo da decisão e da responsabilidade coletiva.
Em jeito de conclusão, diria que é tempo de deixarmos de
apresentar a economia como destino e passarmos a concebê-la como construção
ética e coletiva, evitando uma democracia meramente formal, frágil e vulnerável
à deriva autoritária. A verdadeira luta política do nosso tempo passa, assim,
menos pela defesa ritual das instituições e mais pela coragem - e pelo anseio -
de politizar aquilo que o capitalismo persiste, como é intuitivo, em declarar
inatacável.
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