sábado, dezembro 20, 2025

A IDEOLOGIA DA SEPARAÇÃO

Uma das argúcias mais eficazes da ideologia capitalista foi separar o que, na prática, nunca deixou de estar ligado: o económico e o político. Ao declarar a economia como instância própria, regulada por leis próprias e inevitáveis, o capitalismo procurou sistematicamente afastar a dominação para um domínio que se exterioriza como neutro, técnico e incontornável. Assim, governa-se sem parecer comandar.

É neste ponto que a leitura de Ellen Meiksins Wood se torna particularmente convincente. Ao contrário das formas de governança que exigiam constrangimentos explícitos, o capitalismo exerce habilmente o seu poder através do mercado, da sujeição salarial e do imperativo económico. A exploração oculta-se enquanto violência social, apresentando-se como simples processo normal da vida. O cidadão surge politicamente igual, mas economicamente subalterno, uma cisão que, ao longo do tempo, se vai naturalizando.

A consequência é uma democracia truncada no seu foco principal. Vota-se, debate-se, participa-se, todavia num campo escrupulosamente demarcado. As deliberações que moldam a vida coletiva - quem produz, quem decide, quem lucra e quem paga - são, em boa ordem, deslocadas para fora do espaço democrático, convertidas em imperativos económicos segundo a disciplina dos mercados e as alegadas necessidades técnicas. A política subsiste, assim, sob a forma de uma independência fictícia.

É por isso que a crise democrática contemporânea não pode nem deve ser compreendida apenas como falha institucional ou degradação moral. Trata-se de uma crise estrutural profunda, na qual o demos foi progressivamente afastado do lugar e da função do seu poder real. Reposicionar o povo na democracia requer, antes de mais, negar a neutralidade da economia e reinscrevê-la no campo da decisão e da responsabilidade coletiva.

Em jeito de conclusão, diria que é tempo de deixarmos de apresentar a economia como destino e passarmos a concebê-la como construção ética e coletiva, evitando uma democracia meramente formal, frágil e vulnerável à deriva autoritária. A verdadeira luta política do nosso tempo passa, assim, menos pela defesa ritual das instituições e mais pela coragem - e pelo anseio - de politizar aquilo que o capitalismo persiste, como é intuitivo, em declarar inatacável.

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