domingo, agosto 10, 2025

A IRONIA ENQUANTO MULETA DO CONSERVADORISMO

Ao ler o capítulo “A noite dos mortos-vivos” no livro WOKE FIZEMOS?, senti-me confrontado com uma provocação fundamental para qualquer espírito crítico: como resistir a um escrito que se propõe pronunciar-se sobre questões sociais urgentes, mas o faz de uma forma mordaz que parece mais excluir do que apreciar? Em tempos que não admitem demoras, reduzir a complexidade do humano a meras caricaturas é o primeiro passo para a exclusão e o silêncio.

É indiscutível que a ironia é um expediente literário e discursivo legítimo, capaz de sinalizar incoerências e desafiar a ponderação. Contudo, quando esta arroga uma matiz presunçosa e um fraseado encoberto por um velado conservadorismo, resulta em atravancar o diálogo denso e plural de que estes temas são dignos. O capítulo, assim sendo, em vez de se abrir ao espaço de debate e à sua complexidade, limita-se a caricaturá-lo e a reduzi-lo a uma chacota leviana que apenas reconcentra preconceitos e estigmas.

Mais inquietante ainda é entender que, nesse exagero cómico, o humano - ou seja, a dignidade, a experiência, a luta concreta de pessoas por justiça, reconhecimento e igualdade - fica escondido e, como tal, esquecido. A humanidade, tantas vezes excluída por palavreados ligeiros e simplistas, sofre, através destas cínicas e fiéis abordagens irónicas, a perda de uma escuta atenta e compreensiva da sua verdade.

Para o leitor atento e sensível, esta atitude não só provoca como distancia, produzindo muros onde seria necessário construir pontes. Ao chamar debates essenciais de “noite dos mortos-vivos”, o texto reduz questões humanas urgentes a uma caricatura grotesca. Em vez de encarar a necessidade de mudança e a complexidade do mundo real, refugia-se no riso sarcástico - um regozijo que protege o conservadorismo e afasta qualquer compromisso genuíno com o humano.

É com esta inquietação que deixo uma incitação para que futuras reflexões sobre o dito “woke” e os desafios sociais do nosso tempo superem a ironia redutora e a superficialidade. Que a crítica possa despontar sempre de um profundo respeito pelo humano - pelas suas dores, esperanças e aspirações - abrindo caminho a diálogos que honestamente enfrentem a complexidade do presente, sem excluir ninguém. Só assim a discussão terá sentido e poderá verdadeiramente contribuir para uma humanidade mais inclusiva e consciente. Não esqueçamos que, entre a ironia e o desprezo, escurece-se o que deveria ser o centro do debate, ou seja, a dignidade humana.

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