Nem sempre é fácil falar com um outro. Há sempre um incerto,
um entremeio onde o sentido oscila, pois quem fala nunca o faz a partir de uma
circunstância neutra. Cada palavra carrega consigo o traço distintivo de uma
pertença, de uma história, de um modo de ver o mundo. O sujeito, ao falar,
oscila entre o que partilha com todos - a língua, enquanto universalidade que o
atravessa - e o que lhe é inteiramente próprio, isto é, a sua irredutível
singularidade. Entre esses dois polos ergue-se ainda uma zona intermédia: o
particular, onde os sujeitos se reconhecem entre si numa mesma posição social,
cultural ou ideológica.
É aí que o conceito de “sujeito ideológico” ganha corpo.
Nenhum de nós se situa fora dos meandros do sentido que o precedem. Dizemos
“eu”, mas o que em nós fala é também o que o mundo nos transmitiu. A ideologia
não é um ornamento da consciência, mas a forma pela qual ela se institui.
Compreender um discurso é, por isso, compreender essa
interseção: a língua como estrutura que possibilita o dizer; o contexto social
e histórico que o torna inteligível; e o sujeito que, entre ambos, tenta
inscrever o seu gesto singular através da palavra. O discurso é sempre um lugar
de tensão - entre a regularidade e o desvio, entre o instituído e o que tenta
despontar como novo.
Talvez seja essa a razão pela qual falar com um outro nunca
é apenas comunicar, mas entrar num campo de forças onde o que somos, o que
pensamos e o que nos excede se confrontam no mesmo movimento das palavras.
No fundo, falar é sempre mais do que trocar palavras: é deixar que em nós ressoem vozes, memórias e sentidos que nos antecedem. A palavra nunca nos pertence inteiramente; somos nela atravessados pelo que o mundo nos ensinou a dizer - e também pelo que ainda não sabemos dizer. É por isso que, mesmo quando julgamos estar a falar sozinhos, lembrava que, afinal, ninguém fala sozinho.
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