sexta-feira, dezembro 05, 2025

A LIBERDADE CAPTURADA, EIS A FRAQUEZA DEMOCRÁTICA

A liberdade, no seu sentido pleno, torna-se uma experiência dura: exige consciência, responsabilidade e uma certa agitação ética. Contudo, no nosso tempo, tornou-se habitual confundir liberdade com conveniência, escolha sem cuidado, opinião sem pesquisa, reação sem implicação. Esta forma empobrecida, que passa por liberdade oportuna, tornou-se hoje um abalo filosófico e político demolidor, empobrecendo o indivíduo e debilitando a democracia.

A filosofia ensinou-nos que a liberdade só assume verdade quando o sujeito se reconhece como autor das próprias determinações. Sócrates falava do “cuidado da alma”, Kant da autonomia da vontade, Foucault das práticas de si. Em todos eles, a liberdade surge inseparável de um trabalho exigente e contínuo. A liberdade ajustada de hoje exclui esse esforço: desvia-nos da clareza, troca o pensar pela ilusão cómoda de que tudo está claro e reduz a controvérsia à ordem das certezas imediatas. Chamemos-lhe, então, a liberdade como consumo de certezas.

Politicamente, esta compreensão atrofiada da liberdade é terreno fértil para a ascensão de retóricas simplificadoras. A extrema-direita de hoje dela se serve com precisão: não se compromete com a liberdade autêntica, promete antes um atrevimento emocional conveniente, ou seja, libertar o enraivecido do incómodo de pensar, da complexidade das diferenças, da densidade da história e da responsabilidade perante as consequências comuns. A liberdade que convém é, assim, a porta de entrada de uma submissão voluntária, em que alguém se sente livre enquanto entrega a autonomia a enredos que o conduzem.

Quando falta clareza de pensamento, lógica e percepção nítida da realidade, a liberdade degrada-se em descontentamento, animosidade e ofensa. Sem consciência de si, a autonomia converte-se em impulsividade e fragilidade política. Assim, o sujeito torna-se facilmente influenciável por fanatismos de massa, arquiteturas de assombro e soluções simples para problemas complexos. O espaço público, que deveria ser lugar de argumentação, converte-se num círculo de excitações. A política torna-se briga ridícula e o cidadão reduz-se a consumidor de impulsos.

É aqui que reencontramos o ponto filosófico decisivo: a liberdade conveniente transforma-se numa forma de subordinação mascarada de autonomia. Não exige o penoso reconhecimento dos próprios limites, desejos, ignorâncias e ilusões. Não impõe a ponderação crítica sobre a forma como somos moldados pela cultura, pela economia e pelas homilias políticas que nos interpelam. A verdadeira liberdade, pelo contrário, obriga a encarar esse espelho irregular, não para sermos perfeitos, mas para não sermos controláveis.

Num tempo em que o ruído político cresce, o exercício filosófico da lucidez torna-se um gesto profundamente político. Pensar não é retirar-se do mundo: é resistir ao seu abandono. Interrogar-se não é arrogância intelectual: é dificultar que a liberdade seja capturada pelos que oferecem caminhos rápidos e facilidades sedutoras.

A pobreza da liberdade conveniente manifesta-se sobretudo na facilidade com que renunciamos à autonomia pelo conforto emocional, à reflexão por uma identificação tribal e à responsabilidade por uma pertença acrítica. O que está em risco não é apenas o destino individual, mas a saúde de uma cultura democrática. Sem sujeitos conscientes e lúcidos, a liberdade coletiva torna-se prisioneira dos que sabem explorar a ignorância alheia.

A tarefa, portanto, não é recuperar a liberdade como palavra de ordem, mas reconduzi-la à sua exigência matricial: a capacidade de assumir-se como autor da própria vida e solidário no destino comum. Essa liberdade pode ser difícil, mas é a única que não empobrece o humano nem alimenta a deriva política do nosso tempo. Eis uma opinião bem minha.

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