A liberdade, no seu sentido pleno, torna-se uma experiência dura: exige consciência, responsabilidade e uma certa agitação ética. Contudo, no nosso tempo, tornou-se habitual confundir liberdade com conveniência, escolha sem cuidado, opinião sem pesquisa, reação sem implicação. Esta forma empobrecida, que passa por liberdade oportuna, tornou-se hoje um abalo filosófico e político demolidor, empobrecendo o indivíduo e debilitando a democracia.
A filosofia ensinou-nos que a liberdade só assume verdade
quando o sujeito se reconhece como autor das próprias determinações. Sócrates
falava do “cuidado da alma”, Kant da autonomia da vontade, Foucault das
práticas de si. Em todos eles, a liberdade surge inseparável de um trabalho
exigente e contínuo. A liberdade ajustada de hoje exclui esse esforço:
desvia-nos da clareza, troca o pensar pela ilusão cómoda de que tudo está claro
e reduz a controvérsia à ordem das certezas imediatas. Chamemos-lhe, então, a
liberdade como consumo de certezas.
Politicamente, esta compreensão atrofiada da liberdade é
terreno fértil para a ascensão de retóricas simplificadoras. A extrema-direita
de hoje dela se serve com precisão: não se compromete com a liberdade
autêntica, promete antes um atrevimento emocional conveniente, ou seja, libertar
o enraivecido do incómodo de pensar, da complexidade das diferenças, da
densidade da história e da responsabilidade perante as consequências comuns. A
liberdade que convém é, assim, a porta de entrada de uma submissão voluntária,
em que alguém se sente livre enquanto entrega a autonomia a enredos que o
conduzem.
Quando falta clareza de pensamento, lógica e percepção nítida da realidade, a liberdade degrada-se em descontentamento, animosidade e ofensa. Sem consciência de si, a autonomia converte-se em impulsividade e fragilidade política. Assim, o sujeito torna-se facilmente influenciável por fanatismos de massa, arquiteturas de assombro e soluções simples para problemas complexos. O espaço público, que deveria ser lugar de argumentação, converte-se num círculo de excitações. A política torna-se briga ridícula e o cidadão reduz-se a consumidor de impulsos.
É aqui que reencontramos o ponto filosófico decisivo: a
liberdade conveniente transforma-se numa forma de subordinação mascarada de
autonomia. Não exige o penoso reconhecimento dos próprios limites, desejos,
ignorâncias e ilusões. Não impõe a ponderação crítica sobre a forma como somos
moldados pela cultura, pela economia e pelas homilias políticas que nos
interpelam. A verdadeira liberdade, pelo contrário, obriga a encarar esse
espelho irregular, não para sermos perfeitos, mas para não sermos controláveis.
Num tempo em que o ruído político cresce, o exercício
filosófico da lucidez torna-se um gesto profundamente político. Pensar não é
retirar-se do mundo: é resistir ao seu abandono. Interrogar-se não é arrogância
intelectual: é dificultar que a liberdade seja capturada pelos que oferecem
caminhos rápidos e facilidades sedutoras.
A pobreza da liberdade conveniente manifesta-se sobretudo na
facilidade com que renunciamos à autonomia pelo conforto emocional, à reflexão
por uma identificação tribal e à responsabilidade por uma pertença acrítica. O
que está em risco não é apenas o destino individual, mas a saúde de uma cultura
democrática. Sem sujeitos conscientes e lúcidos, a liberdade coletiva torna-se
prisioneira dos que sabem explorar a ignorância alheia.
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