quarta-feira, março 16, 2011

O ELOGIO DA URBANIDADE

 

No dia 12 de Março assistiu-se a uma manifestação de dimensões incomuns que, apesar das múltiplas e diferentes motivações dos presentes, tiveram como base consensual do agastamento político, a indignação e o protesto perante o desemprego e a precariedade. Cerca de 300 mil cidadãos, jovens, famílias e outros acompanhantes contestatários deram corpo e visibilidade à iniquidade social enodoada pela escassez do trabalho, sua instabilidade e irreprimível insegurança, ao qual se associa ainda o desalento de um tempo em que as dificuldades acrescidas derretem os justificados horizontes de uma vida decente.

No entanto, sublinhe-se que o povo que esteve presente nesta recusa não é um povo qualquer. Trata-se de gente distintamente escolarizada que tem sentido a necessidade – e a legítima possibilidade – de acompanhar a exigência social de não se deixar inabilitar perante a tendencial desqualificação dos diplomas escolares. Fortemente arreigada em sectores sociais onde os recursos de um modo geral não escasseiam, esta crença, se por um lado alimenta e reforça o sentimento de injustiça dos vitimizados, convoca a natural e espontânea solidariedade e reconhecimento públicos.

img_37331No entanto, convenhamos, que muitos outros jovens e famílias, em situações bem mais desfavoráveis, não estiveram provavelmente presentes na manifestação de 12 de Março. Se esta inferência fizer algum sentido e, sobretudo, encerrar alguma verdade essencial, a ilação daí decorrente coloca um problema de análise que importa considerar e sobre ele refletir. Nesta linha de pensamento, é bom lembrar, que os processos de identificação, sendo processos naturalmente subjetivos, as suas modalidades de expressão não estão, por sua vez, sujeitas às incertezas do acaso na justa medida em que aqueles processos acontecem em contextos precisos feitos de representações, imagens e emoções, fortemente partilhadas e significantes.

Nesta perspectiva, julgo não ser novidade para ninguém que a marginalização conjugada com a penúria de recursos, designadamente económicos, sociais e culturais, introduz no espaço saturado de desigualdades novas desigualdades que fomentam estigmas sérios e múltiplos, cuja reversão pode, em circunstâncias muito especiais, apelar à libertação de uma energia emocional compensatória necessária à sentida, embora confusa, reparação de uma estima persistentemente desrespeitada, quando não violentada. Ou seja, penso que passa por este registo explicativo os fenómenos de identificação colectiva que se vão gerando nalguns subúrbios das grandes cidades europeias, onde os défices de reconhecimento se traduzem na formação, por vezes explosiva, de dinâmicas visíveis e ostensivas de oposição e conflito. O elogio da civilidade tem, naturalmente, limites. É bom ter disso consciência …

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