Rejeita-se o mundo tal como existe mas é através dele que afirmamos a nossa particular singularidade. Nele se enraízam as nossas revoltas e as nossas fúrias. É tudo quanto basta. Mais, seria exigir atos de coragem que desafiariam desconsolos maiores do que aqueles que vivenciamos supostamente entristecidos. Os valores que afirmamos alicerçam o protesto mas apresentam-se com uma vontade decidida em nada mudar, pese embora o sentido enunciado do futuro que inventamos e, sobretudo, exibimos desejar. Justifica-se assim, com acerbo, o protesto mas desajeitadamente se disfarça a nossa cobardice jesuíta de não sermos o que realmente somos e, acima de tudo, o que silenciosa e avidamente invejamos mas não temos a firmeza de carácter de deixar, sequer, transparecer.
A revolta é a nossa sobrevivência; a sobrevivência dos fracos e dos fingidos. Tudo se faz, nada fazendo, mantendo intactas as razões e a legitimidade dos protestos. Mudar é que não. A revolta precisa de uma ordem que justifique as indisciplinas que a alimentam mas fundamentalmente não faça desaparecer a razão de ser e de permanecer das insubordinações social e culturalmente acatáveis. Sobre nós contamos grandes histórias, evadimo-nos em encenações romanescas entusiasmantes mas descuidamos de medir os desfasamentos dessas narrativas com a vida vivida e, sobretudo, sentidamente experienciada. Esconde-se a identidade biográfica sob o tapete da narrativa fantasiosa que se serve da mentira traiçoeira para ganhar credibilidade e transparência. O estabelecido é uma espécie de útero familiar do qual nos queremos libertar mas que o conforto doentio da cómoda vinculação nos traz uma irresponsabilidade pessoal e histórica que o futuro não deixará de lavrar em inscrições facilmente imagináveis …
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