Estou aposentado, e para quem ainda não deu por isso, carrego comigo a atendível responsabilidade de uma estimável superioridade. Quando fico capaz, depois de ter estado achacado, já não pergunto ao médico se posso no dia seguinte ir trabalhar. Apenas cuido de vivificar a vida dando largas à minha boa ou má disposição com as asas da liberdade recuperada. Não escapo à presa do achaque para impreterivelmente me enfiar num diferente padecimento a que se chama trabalho, suportando gente enfermiça que está porventura convencida do contrário. E como estou felizmente bem de saúde, cá vai…
Ora, o presente quadro de graça associado a este desimpedimento para a liberdade suscita, para quem dela saboreia, como é o caso, naturais e sadias insolências que convém habilmente abalançar para cativar a estima que interessa e arredar a desinteligência que agasta. Num livro há tempos lido, o autor citava um poeta romeno do século 19 que, não assegurando exatamente isto, me estimulou a testificar que as pessoas que prezam a vida em liberdade cometem mais loucuras do que as pessoas que se regem pelo impulso da razão conformada e cinzenta, alertando (no entanto e de imediato) que as insânias destes últimos, soturnos e fastidiosos moralistas, são sempre bem mais graves, peçonhentas e perigosas.
Em consonância com o poeta, tenho para mim que a prática difusa do politicamente correto se abastece sobremaneira no lado pardacento das razões convenientes. Por isso, este correto político autoriza ardilosamente que se diga não, embora nos limites óbvios e espremidos da elegância flutuante e acertada do profícuo peso-conta-e-medida. O que provavelmente muita boa gente não se apercebe ou não capta é que esta louvada cortesia proíbe que se diga não ao que ela patrocina não ter escolha. Ora, os prezadores da vida em liberdade, os tais dos atrevimentos e dos excessos, numa insistente e saudável experiência de impedir o sequestro da sua subjetividade, transformam o ser do não interditado por um outro ser do não; o não do resgate, porventura da transgressão e repetidamente da inconveniência.
Note-se todavia que a interdição folga, mais do que se presume, no cálculo de uma antecipada razão que, na intimidade da sua vontade bravia, enjeita sensibilidades e abomina emoções, sobretudo se as pressagia intrínseca e genuinamente humanas. É no silêncio deste deslizar melodioso da interdição para o arbítrio da incriminação que a panóplia dos poderes e das suas grotescas figuras tratam de aclarar os marcadores da apetecível ordem discursiva e definem os seus limites. E é igualmente na prolongação desse comedimento, aparentemente inócuo, que a forma e a substância do que se diz passam pelo crivo do mimetismo impercetível das relevâncias. A forma e a substância perdem o pé à sua verdade (e ao seu sentido) e passam (deste modo) a valer pelas consequências do que é conveniente. O Padre Manuel Morujão, da Conferência Episcopal, tem toda a razão; o que importa é que se fale verdade. E o Bispo Januário Torgal Ferreira vozeou a “nossa” verdade, apesar dos desagradáveis fernicoques causados ao ufano Aguiar e à pedante Avilez, entre outros solícitos papagaios. Bem haja, senhor Bispo.
Por onde andava o Sr. Bispo, que por acaso tem um posto militar que pertence à categoria de Oficial-General, no tempo do Senhor Engenheioro Sócrates.Haja coerência e sentido ético.
ResponderEliminarApenas um esclarecimento; as pugnas partidárias entre os prosélitos do Coelho e do Sócrates divertem-me mas são-me, no essencial, indiferentes. Logo, não radica nessa briga o sentido do meu texto. Obrigado.
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