quarta-feira, agosto 08, 2012

O FUTURO E OS SEUS ABRIGOS

 

artisticas-4O sentimento de um mundo frenético faz com que o tempo escasseie na tarefa demasiada humana de o entender. No desconhecimento sentido intolerável, reconhecemo-nos ameaçados mesmo sabendo que o tempo, esse tempo que parece faltar, é uma criação que nos transcende. Daí, o desamparo narcísico que nos enrola na demorada busca de calmas representações ou (ao invés) na angústia temerosa e bacenta das culpas indeclináveis.

Insatisfeitos e nostálgicos, despontamos o passado que se transfigura num confortável mas ilusório porto de abrigo. As memórias amigáveis de encantamentos experienciados (ou supostamente vividos) despertam assim, não futuros sabidamente improváveis, mas apenas movimentos ondulados e errantes de fugas e procuras que indefinidamente se equivocam. Desse desacerto, germinam as múltiplas e diversas especulações que buscam as leituras de uma realidade que teimosamente nos escapa.

Disputam-se assim racionalidades, propõem-se outros olhares e produzem-se diferentes realidades. Do mítico ao científico, do religioso ao político, as teorias veiculam distintas possibilidades e sugerem ordens que melhor prometem confortar as nossas angústias e acudir às nossas perplexidades. Aliciam-nos aquelas que nos parecem oferecer as representações mais tranquilizadoras, esquecendo-nos que a transferência é um investimento imaginário tornado mecanismo de defesa na procura apressada do conforto para o nosso desamparo.

Digo bem, uma procura apressada e, rigorosamente por isso, precipitada. É mais cómodo aceder a uma ordem supostamente universal e imutável, quiçá sagrada, do que acolher a possibilidade da realidade ser uma construção social e histórica, incontornável e intrinsecamente conflitual. É nesta conflitualidade (e numa perspetiva que admite a natureza fundadora da divergência) que o valor da transgressão se afirma, não só desafiando o saber e o poder instituídos como também construindo as vias para outras verdades eticamente necessárias que nos carreiam a diferentes mas necessários e mais solidários abrigos.

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