quarta-feira, dezembro 12, 2012

FEITIÇOS E MATREIRICES

6895061_4CuBUCom as marcas do tempo, reais ou imaginadas, o corpo demuda o espírito e, como tal, mais do que era costume, nem sempre acordo com aquela habitual boa disposição. No entanto, pior fico quando as ineptas moralidades, acuradas ou angelicais, sempre prontas e disponíveis a tudo deslindar, logo por essas manhãs mal-avindas, tecem ficções e alteiam palpites na ânsia de acalmar quem os espera impacientes. Ávidos e nervosos, esta gente inquieta, convertida em obedientes rebanhos – mediáticos, religiosos, políticos ou outros – escuta esperançosa, da voz atrevida de funcionários de verdades, ilusórias escapatórias que momentaneamente aquietam, não obstante o certo da sabida permanência da incerteza.

Neste ruído de fundo, reiterável e impercetível, tão enfadoso quanto vulgar, ouvem-se com adulação os clamores dos ascetas de todas as espécies, os verberativos teóricos do idiotismo, os ditames dos burocratas da política e, deste jeito feito bizarro acatamento, os taciturnos inermes das ditas tutorias creem alucinados nos seus servidores de dogmas carecentes. Pergunto-me, perante tão triste e debilitante décor, se será um defeito de fabrico dos humanos a vulnerabilidade que os conforma e os fazem prezar os amansadores que a todo o tempo contentam o insistente e irredutível enfado vivido na brumaceira das imperfeitas existências.

António Damásio, em “AO ENCONTRO DE ESPINOSA”, ao falar do poder dos afetos e da única possibilidade de triunfar sobre um afeto negativo, lembra o eminente filósofo quando este afirma que, para que tal aconteça, importa criar, pela razão fundada no raciocínio e no esforço intelectual, um afeto positivo ainda mais forte. É destarte que, neste contexto e linha de pensamento, Damásio recorda Espinosa citando-o: “Um afeto não pode ser controlado ou neutralizado exceto por um afeto contrário mais forte do que aquele que queremos controlar”.

No entanto, por kafkiano que seja, uma das mais infaustas patologias humanas é a extremosa deferência à ordem entediante do social convencionado. Pensa-se a vida com base em categorias que desencaminham a crítica e a sua pertinência, alienando-se daí as qualidades emancipatórias da realizabilidade (trans)formadora. Em resultado desta espécie de psicose, docilmente se enreda o indivíduo na sacralidade de uma realidade consertada na (e pela) prática hábil de infundados mas influentes poderes. Daqueles que todos reconhecem e refutam em voz alta mas (e sobretudo) de muitos outros obscuros mandos que abusivamente nos habitam mascarados, colonizando hábitos representacionais decisivos à ação e ao pensamento.

É certo que, quando genuinamente se crê cresce em nós a afeição pela crença. É próprio da condição humana. Porém, pelo consolo, partilha e reconhecimento, formam-se em torno dessa crença, naturais e inevitáveis pertenças. Umas mais abertas e permeáveis, outras mais cerradas e hierarquizadas. Umas cuidando da liberdade, outras desenvolvendo-a, outras ainda equivocando-a. Estando assim avisado destes feitiços e destas matreirices, defini para mim um princípio simples mas cautelar; correndo ousadias, deixei de me enamorar pelos poderes, designadamente abominando os que me apresentam verdades entufadas e me tomam por pateta. A dissonância cortês em nada me impacienta. Bem pelo contrário. Abespinho-me, isso sim, com a arrogância que impossibilita a crítica e renuncia ao exigente desafio do argumento. A falibilidade humana deste jeito a reclama e a reciprocidade a tal obriga. Falo da liberdade, à qual associo a razão fundada no raciocínio e no esforço intelectual de que Espinosa, com mérito, bem anuncia. Por respeito ao Outro, ao valor da Solidariedade e a mim próprio.

 

Imagem retirada DAQUI

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