domingo, junho 23, 2013

A TRATANTICE INVADIU A CASA DO LEME

desconfiado-1A cidadania tem razões de sobra para valorizar a política e, o mais das vezes – 0 que merece lamento – o seu exercício não escapa à sedução louvaminha e continuada da sua desqualificação. Os tempos que há muito correm convocam a premência de um exame exigente e não o descuido frouxo do avesso fácil (por imprevidência) ou desobrigado (por demissão). Os ângulos de abordagem e as escalas de análise, variados uns e divisíveis as outras, interligam-se inevitavelmente em crescente e densa trama. Num mundo sitiado, expugnado em tormento pelo poder do fausto banqueiro, revelam-se contradições e conflitos, não obstante as subliminares e multiformes aparências. A visibilidade aviltante dos ricos serem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, a comprovação permanecente da animosidade altiva dos países do Norte face aos do Sul, o habilitado e amplo reconhecimento da epidemia destrutiva do ambiente, entre outros, associam-se a aspetos mais impercetíveis como o da ciência vergada hoje a um conhecimento tão hegemónico quanto escravo dos mercados e das suas arteirices.

A política já não se limita à cidade nem significa arte ou ciência ou sequer se restringe à esfera da atividade humana referente às coisas do Estado. Há muito que incorpora, com Marx, o sentido do conflito alargando-a à comunidade socialmente diferenciada. Mais fundo, Foucault inscreve a política no campo das relações sociais à escala do cotidiano e da proximidade, dando expressão a uma rede ilimitável de poder. Neste enredado entendimento ajuizador, a linguagem e os conceitos que suportam o movimento de significação não escapam aos preconceitos ideológicos que escoltam, com elevado grau de conformidade, a sua destinação encaminhada por sombrios preceitos epistemológicos. Januário Torgal Ferreira (JTF) quando diz que não fala de política mas que apenas invoca a doutrina social da Igreja confirma as íntimas perplexidades da linguagem. Não é por acaso que afirma perentoriamente:

              Vejo que pessoas que hoje ocupam cargos no Governo são incapazes de dizer 'pobre'.

Entremeado de outros rótulos afins que se vão colando à embalagem política em geometria sempre variável, JTF procura assim espertar o “povo” para os discursos governativos e outros doutorados arbítrios que, enquanto ideológicas falas, não são nem cândidas, nem despiciendas. Têm por farsante tarefa a burla continuada sobre os incautos exauridos na substancialidade da sua cidadania, quer por desconhecimento, quer por cansaço ou descrença. No universo da segregação social, a dominante etiquetagem, na sua diversidade, busca, de modo arguto, o estatuto impróprio de categorias materialmente úteis à indagação e compreensão desvirtuadas das realidades. JTF tem razão: através da semântica política a responsabilidade esvoaça e os responsáveis acobertam-se. Sem problemas de consciência. A tratantice há muito que invadiu a casa do leme…

Imagem retirada DAQUI

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