domingo, junho 23, 2013

O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS

 

A ideia de tomar um dos Evangelhos como base para um filme empurrou para a sombra todas as outras ideias de trabalho que eu tinha em mente. (Pasolini)

O filme de Pasolini é um dos mais eficientes sobre temas religiosos a que eu já assisti, talvez por ter sido feito por um não fiel, que não prega, não glorifica, não enfatiza, não sentimentaliza, não romantiza a famosa história, mas se esforça ao máximo em apenas registrá-la. (Roger Ebert)

É geralmente tido como ironia que um dos filmes mais fiéis já feitos sobre a vida de Jesus Cristo – senão o mais fiel – seja obra de um comunista, o italiano Pier Paolo Pasolini. O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo, Itália, 1964), que saiu em DVD em cópia restaurada, é dedicado pelo diretor ao papa João XXIII e não tem nem uma única fala que não seja tirada tal e qual do texto do evangelista Mateus. (Isabela Boscov)

O Evangelho Segundo São Mateus (1964), obra-prima do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini é surpreendente até mesmo pelo modo como se iniciou.

E 1962, o papa João XXIII, sempre muito aberto ao diálogo, fez um convite aos artistas não católicos para que eles participassem de um encontro em Assis, cidade natal de São Francisco. Embora fosse reconhecidamente ateu, marxista e homossexual, o diretor Pasolini aceitou o convite do papa, indo para Assis. Ali, no quarto do hotel que lhe fora reservado, deparou-se com um exemplar dos Evangelhos que, segundo ele, leu do início ao fim. E, através de tal leitura, teve a ideia de escolher um deles como base para um filme.

O Evangelho Segundo São Mateus foi filmado, principalmente, no distrito italiano de Basilicata, em sua capital Matera. A região era pobre e bastante desolada à época. É narrado em branco e preto, embora já possa ser encontrado restaurado e digitalmente colorizado (as duas formas encontram-se no mesmo DVD). Essa obra magnífica recebeu três indicações para o Oscar. Ganhou o prêmio especial do júri no Festival de Veneza e recebeu o prêmio OCIC (Office Catholique International du Cinéma), que o exibiu no interior da Catedral de Notre Dame, em Paris. Trata-se de uma produção franco-italiana.

O filme é de uma simplicidade comovente. É feito como se um documentarista acompanhasse Jesus, desde o nascimento até sua morte, tendo em mãos apenas uma máquina filmadora. Essa sensação, passada pelo cineasta ao espectador, é totalmente proposital. O elenco é composto por pessoas comuns. Nessa película, Pasolini abraça a linha do neorrealismo (Movimento que aconteceu após a Segunda Guerra Mundial, principalmente na Itália, que tinha como objetivo participar da realidade, inclusive, usando a gente do povo como atores, pois se tinha a ideia de que as pessoas comuns encarnavam melhor certos personagens.).

Para representar Cristo, o diretor Pasolini escolheu Enrique Irazoqui, um espanhol, estudante de economia, que nunca havia representado. Ele representa um Jesus magro, com os ombros recurvados, sobrancelhas pretas e fartas, cabelos curtos, pele morena, barba curta e, em nada lembra o Cristo visto em outros filmes. É representado como a maioria dos judeus da época em que viveu. Normalmente é doce no falar, como no Sermão da Montanha. Mas também se mostra enraivecido em certos momentos. Jesus sempre responde a uma pergunta com outra, ou com uma parábola, ou com ironia; bem ao estilo de São Mateus, considerado o mais realista dos quatro evangelistas que estão na Bíblia.

Camponeses locais, lojistas, operários de fábrica, motoristas de caminhão, entre outros, foram contratados para os demais papéis. Para interpretar Maria, na parte em que Jesus é crucificado, o diretor escolheu sua própria mãe. O anjo, que conta a José que Maria dará à luz o filho de Deus, é semelhante a uma camponesa e aparece em vários momentos do filme. Para a filmagem, Pasolini não usou roteiro. Limitou-se a seguir São Mateus em seus evangelhos, página por página. Só usou de síntese, quando foi extremamente necessário, para impedir que o filme fosse demasiadamente longo.

Os discípulos de Jesus são mostrados por Pasolini, como um grupo de jovens que possui consciência social e que aderem a uma causa revolucionária. E, ao usar cenários mínimos e enquadramentos simples, o diretor recria um retrato convincente da época em que se a passa a história da vida de Jesus. Sendo que a simplicidade na forma com que Pasolini conta e interpreta a história, viria a mudar o conceito de épico bíblico.

Em O Evangelho Segundo São Mateus, vemos um Jesus que se posta radicalmente contra o materialismo da sociedade, que enaltece os ricos e os poderosos e menospreza os fracos e os pobres. O Cristo de Pasolini passa-nos a mensagem de que “sentia a nossa dor e nos amava”, mas que não amava “aqueles cujo reinado era na Terra”. Os escribas e os fariseus daquela época têm muito em comum com a maioria dos “cristãos” de nossos dias.

Existem pouquíssimos diálogos no filme. E muitos personagens, ao serem filmados em close-up (primeiro plano), lembram as pinturas religiosas da Idade Medieval. A trilha sonora é especial, incluindo missas de Bach, Mozart e gravações de blues.

Temos visto vários filmes sobre a vida e a morte de Cristo sob diferentes ângulos, o que nos mostra que não existe uma única versão sobre a história desta grande figura. Cada cineasta molda-o de acordo com suas ideias. Citando apenas dois exemplos: enquanto Mel Gibson deu enfoque ao sofrimento, por entender que esse era o fato principal da vida do Salvador, Pasolini já entendeu que sua essência encontrava-se nos seus ensinamentos, de modo que compreendê-los era muito mais importante.

O filme de Pasolini diz-nos que Jesus foi um radical e cujos ensinamentos, se levados a sério, contradizem os valores da maioria das sociedades humanas desde então. (Roger Ebert)

Autoria de LuDiasBH, in http://virusdaarte.net/filme-o-evangelho-segundo-sao-mateus/

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