sábado, junho 08, 2013

EM LUGAR DE SÉRIOS ARGUMENTOS UMA SÉRIE DE PATRANHAS

dia_mentira_g_31211017444437Acoroçoar ressentimentos e egoísmos é uma dissoluta mas consagrada arma ideológica usada na governança dos fervores das gentes com o propósito sempre encoberto – ou nem por isso, o que diz bem do descaramento abjeto dos poderes hodiernos – de dividir para reinar, valendo-se da emoção tórpida afagada na mesquinhez e na desinformação, sobretudo quando se faz da falsidade, daquela que efetivamente garante vantagens, uma das suas escoras vitais. José Pacheco Pereira (JPP), no seu artigo de opinião de hoje no jornal Público intitulado “Eles” (os funcionários públicos são uma parte de “nós”[1] escreve, sobre a dita arma, que ela se alimenta de um discurso que colhe, porque as sementes da cizânia pegam sempre em momentos de empobrecimento, em que a mais fácil das cegueiras é olhar para o lado e ver que o vizinho tem mais uns tostões do que eu e ficar fixado nessa socialização da inveja entre os de baixo, muito próximos em condição e dificuldades, em vez de olhar para outro lado, para o lado de onde vem a minha miséria e a do meu vizinho. Para o lado de cima.

Assim sendo, o contraditório – necessário aqui à defesa da verdade no que respeita ao Estado, à sua sustentabilidade e funções sociais – representa por si, neste tempo político pardacento, uma convicta contestação cívica de dever inadiável. Lembra JPP, nesse mesmo artigo, que o que se passa na função pública é relevante para todos nós, como método, como sinal, e, infelizmente como imoralidade social, rompendo um contrato social que é suposto ser o tecido da nossa sociedade em democracia, em que existem diferenças e diferenciações aceitáveis e outras inaceitáveis. Sempre em nome da equidade, da justiça e do dinheiro dos contribuintes, este Governo com a sua hábil e permanente aptidão para se aproveitar das circunstâncias com um sentido obsceno de oportunismo, enrista-se no momento contra os trabalhadores da Administração Pública, cortando os seus salários e as suas reformas, situando-os assim como desvios agregados na categoria do inaceitável. No entanto, como nos diz JPP, em contrapartida nunca ninguém ouviu o Governo, em situação alguma, responder que “não havia dinheiro” para as PPP, nem para os contratos swap, nem para a banca. Dinheiro só escasseia, como se sabe, para os trabalhadores e para os reformados.

Neste sentido, aqui vão apenas algumas notas que têm como propósito assinalar a razão de ser deste texto e granjear através delas o merecimento das críticas acusantes inscritas nos parágrafos precedentes.

1. De acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2012 e 2013, poder-se-á constatar que o total da receita corrente (receitas fiscais, contribuições sociais e outras) cobre, claramente, o total das despesas com o pessoal e com as prestações sociais (Segurança Social, CGA e Saúde). Os excedentes mencionados não atraiçoam. Em 2010, estes foram de 8240 milhões de euros, em 2011 de 12226, em 2012 de 11813 e previstos para 2013 de 14601. Deste modo, confirma-se que é uma inverdade persistir na cassete gasta e enganosa de que as receitas do Estado não são as bastantes para pagar os devidos salários e pensões aos seus funcionários. Se o dinheiro não chega, importa conhecer quais as despesas do Estado que o fazem desaparecer. Não serão, entre outras, as dos credores, da Banca e do obscuro sorvedouro denotado pela marca BPN?

2. Uma outra trapaça é fazer crer, com uma inusitada constância, que a despesa pública com a saúde em Portugal é superior à dos países da União Europeia (EU). Tendo por base os dados divulgados pelo Eurostat podemos confirmar que assim não é. Tendo por referência o Produto Interno Bruto (PIB), Portugal consome 6,8% do seu PIB, enquanto as médias europeias se situam nos 7,3% (UE27) e 7,4% (UE17). Em euros por habitante, a diferença torna-se ainda mais esclarecedora. Portugal gasta 1097€ por habitante enquanto a UE em média gasta 1843€ (UE27) / 2094€ (UE17).

3. Passando à despesa com a proteção social, incluindo as pensões e todas as outras prestações sociais, o Governo, seus aderentes e prestativos comentadores, têm procurado incutir nos cidadãos que essa despesa em Portugal é superior à dos países da União Europeia. Comparando os números, igualmente divulgados pelo Eurostat, mais uma vez a patranha é confirmada. Em percentagem do PIB, Portugal tem despesas, neste domínio, que se cifram nos 18,1%, sendo estas, em termos médios, significativamente superiores na EU27 (19,6%) / EU17 (20,2%). Se considerarmos essas despesas por habitante, a percetibilidade torna-se bem mais evidente. Em Portugal, já em 2011 essa despesa por habitante era de 2910€ e na UE27 de 4932€ e na UE17 de 5716€. Os números são tão expressivos quanto a aleivosia ideológica dos farsantes.

4. Uma outra imagem, por demais publicada, que explora ardilosamente o conflito intergeracional, procura fazer passar a ideia de que as gerações mais velhas deixam aos mais novos pouco mais do que dívidas. Omite-se deliberadamente os ativos que foram financiados, não só por essas dívidas como pela riqueza entretanto criada, tais como os equipamentos públicos (das escolas aos hospitais), a expansão da escolaridade e a elevação do nível de educação e formação, os avanços tecnológicos obtidos e muitos outros aspetos essenciais ao desenvolvimento humano e social, fundamentais para o nível de vida das gerações futuras.

5. Permanecendo neste elencar de refutações, acrescente-se que a delação capciosa da generosidade do sistema da Caixa Geral de Aposentações (CGA) face ao sistema da Segurança Social tem como propósito, com base na arma política de instigação ao divisionismo anteriormente descrito, legitimar o confisco progressivo e generalizado dos rendimentos do trabalho que, na urgência desta propalada circunstância de erros, falhas e dificuldades, não podem deixar de vitimizar os que estão mais “à mão” – é a arma política de instigação ao divisionismo anteriormente descrita a ser utlizada sem pudor. Daí, e nesta fase mais avançada do sequestro do trabalho e dos seus rendimentos, sejam, como é fácil de perceber, os proventos dos desarmados trabalhadores e aposentados da Administração Pública aqueles que se tornam, neste contexto, objeto de uma mais fácil extorsão – é o roubo, não menos criminoso por ser “legal”, porventura até mais ilícito por isso mesmo.

6. Na qualidade de professor aposentado, decerto um privilegiado nesta onda de radicalismo neoliberal, apenas dois esclarecimentos sobre esta pretensa generosidade comparativa do sistema da CGA face ao sistema da Segurança Social:

§ Em primeiro lugar, convém dizer que tratar os dois sistemas como realidades homogéneas, sem história, mutações e aproximações, é afetar à partida uma análise objetiva e necessária. A talhe de foice, como dado pouco divulgado, lembre-se que até 1993, na Segurança Social, um dia de desconto bastava para se considerar um ano completo e que, depois dessa data, são necessários apenas 120 dias, ao contrário do que acontece na CGA onde sempre foram (e são) considerados, para esse efeito, somente anos totais de desconto.

§ Por outro lado, ao invés do que se afirma, há razões objetivas para as pensões na Administração Pública serem mais elevadas do que na Segurança Social. Primeiro, porque os trabalhadores da Função Pública descontam para a CGA, em média, mais 6 anos do que no sector privado. Em segundo, na Função Pública os salários são mais elevados tendo em atenção o diferencial médio de escolaridade – 56% dos trabalhadores da Administração Central têm o ensino superior, enquanto essa percentagem diminui no sector privado para os 13%. Deste modo, para além das pensões refletirem naturalmente esses salários, acrescente-se que na Função Pública não existe fuga contributiva como acontece, com frequência, no sector privado por injunção e interesse das empresas.

Acabo como Pacheco Pereira começou:

Se há um princípio cívico de moralidade, o que está a acontecer aos funcionários públicos deveria fazer soar todos os sinais de alarme.


[1] Jornal PÚBLICO, Edição Lisboa, Sábado (08.JUN.2013).

NOTA: Os dados referidos e trabalhados neste texto foram obtidos no site de EUGÉNIO ROSA

Sem comentários:

Enviar um comentário