segunda-feira, junho 17, 2013

O CONSENSO É UM COMEÇO, A CONVERGÊNCIA UM CAMINHO

passosNos últimos anos temos testemunhado o sucessivo derribar do Estado Social com a justificativa política da sua improtelável reforma. Na demolição, nenhum dos seus alicerces edificadores tem sido poupado. O direito ao trabalho, voltado do avesso, dobra-se na desassossegada busca de uma qualquer sobrevivência. A segurança social, empurrada, resvala em silêncio para o atoleiro desnaturado da caridade assistencialista. A comerciabilidade da educação e da saúde reverte-se, em definitivo, em atributo renegador da solidariedade inspirativa dos seus egrégios princípios. Por seu turno, a penúria revela-se, para a agiotagem prevalecente, mero objeto de compaixão e, de modo algum, preceito político axiomático. O futuro, hoje enjaulado e privatizado, merece ser desejado para poder fazer-se reinventado. As esquerdas têm assim em mãos esta fundamental e premente tarefa, a de libertar o futuro e torná-lo um bem realmente comum.

Relembre-se, todavia, que o futuro foi privatizado porque se vendeu a ilusão de que tudo tem de ter um valor económico, tudo tem que ser -  mercadoria. Para tal, liberalizou-se e desregulamentou-se avivando-se a crença na tese da privatização, da empresa e do investimento não-público, como raízes agregadas – e enquanto tais – vitais ao crescimento económico e, em resultado dessa crescença e por natural arrasto, essenciais ao desenvolvimento humano e social. Daqui até se começar a tentar vender a ideia de que é o capital financeiro – e não mais o trabalho humano – a principal fonte de riqueza decorreu apenas um curtíssimo passo a que um outro, de imediato, se acolitou: o do trabalho reduzido à categoria de mero custo com consequências nos salários, na sua troca pela inovação tecnológica e na deslocalização das empresas na busca calculista de redução de despesas através de baixas remunerações respaldadas numa entorpecida e adversa proteção social. Salta assim à vista que o capital não vê com bons olhos qualquer Estado que procura dar existência a um sistema político e social fundado em princípios, preceitos e instituições que tenham como desígnio a realização do bem comum.

Como parece hoje manifesto, a atual crise transcorre em muito destes devaneios e destas atrações destruidoras, revigoradas pela dinâmica viva de um capitalismo global desregulado que, recostado num mercado financeiro que habita o mundo sem regras que o limitem – suportado (como se sabe) por redes informáticas igualmente globais – tem como mina própria os efeitos rendosos de uma acumulação feita de uma lavra infindável de títulos múltiplos e mascarados, para além dos consagrados e chorudos empréstimos de capital. Neste enredo indomado, com uma regulação pública frouxa, quando não comparsa, materializada em respostas governativas lentas, tardias e incuriais, ao resgatar os bancos e as instituições financeiras, os Estados fizeram naufragar as finanças públicas num poço sem fundo a que ardilosamente qualificam de dívida pública.

O bem comum[1], como muito bem refere Riccardo Petrella[2], não é um dado mas um evolutivo conceito-mosaico que apresenta a solidariedade como base do progresso social e do funcionamento eficaz da economia de qualquer país. A mundialização da economia complexifica naturalmente o conceito. Sem dúvida. No entanto, como Petrella nos alerta, há muitos nós para desatar e, desde logo nos aconselha que a primeira coisa a fazer é deslegitimar a retórica dominante, as suas palavras-chave e os seus símbolos. Neste sentido, esclarece acrescentando que muito concretamente, é preciso deslegitimar o princípio da competitividade e afirmar que a prioridade não é a competitividade mas a solidariedade. É falso afirmar-se que a competitividade é um trunfo capaz de fazer crescer a solidariedade e a coesão social. É igualmente necessário “dizer não” aos princípios de liberalização, desregulamentação e privatização. Entre esta Santa-Trindade e o desenvolvimento do bem comum, há uma total incompatibilidade[3].

As esquerdas têm assim em mãos esta fundamental e premente tarefa, a de libertar o futuro e torná-lo um bem realmente comum – já acima o afirmei. Mas agora interrogo-me: serão as esquerdas capazes de construir, para além do consenso de partida, a convergência imprescindível ao compromisso político de corporizar - na ação - esta tarefa?


[1] Ricardo Petrella, in “O BEM COMUM – elogio da solidariedade (Campo das Letras), p. 42.

[2] Nasceu em Itália em 1941. Doutorado em Ciências Políticas e Sociais, foi diretor do Programa “Prospeção e Avaliação da Ciência e Tecnologia” na Comissão Europeia. Docente na Universidade Católica de Lovaina.

[3] Id., p. 117.

Imagem obtida AQUI

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