segunda-feira, fevereiro 03, 2014

A AMIZADE E A SEMÂNTICA

amizade1GOSTAR MAIS DE MENOS GENTE

Texto postado por Rogério Cação na sua página de Facebook

 

Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem – Millôr Fernandes

Posto que viver me é excelente, cada vez gosto mais de menos gente. A frase não é minha mas desse grande pensador das simplicidades que foi Agostinho da Silva. E dá que pensar. De facto, são muitas as pessoa que vamos conhecendo ao longo da vida, mas não são assim tantas as que se tornam indispensáveis. Não quer dizer que não se possa gostar de muita gente, mas apenas que apenas alguns cabem no lugar especial que cabe na ideia de “menos gente”. Mais do que uma escolha, o afeto pressupõe um merecimento, reciproco e incondicional e, deste ponto de vista, apenas nos “merecemos” quando somos quando se verifica essa dupla condição da indispensabilidade e incondicionalidade. E à medida que avançamos na idade, tornamo-nos mais exigentes nos afetos, porventura porque não temos tempo a perder. Com o passar dos anos, todos nós vamos gostando mais de menos gente. Porque uns quantos partiram. Porque outros tantos nos desiludiram ou dececionaram. Porque alguns não quiseram ou não souberam merecer-nos. Porque outros não apareceram quando precisávamos deles. São muitos os que passam pela nossa vida e que, sendo embora importantes num determinado momento, vamos deixando algures pelo caminho, às vezes sem sabermos muito bem porquê. É por isso que sentimos necessidade de, quando damos conta que nos falta gente, dar um saltinho ao passado e/ou arranhar a consciência, à cata de explicações para a ausência de gente que nos é indispensável. Talvez acrescentasse uma outra ideia ao pensamento de Agostinho da Silva: porque a vida não me é indiferente, cada vez gosto mais de menos gente. Mas quando gosto, gosto mesmo, acreditem.

Os meus comentários:

Ontem (02FEV), comentei na página do Rogério: “Gostei e de imediato pensei no lado calmo, idiossincrático e pessoal da vida que nem sempre se dá quando em demasia se submete o afeto à superfície dispersiva do número. Não se trata de uma vulgar misantropia nem de um qualquer outro refúgio egoísta. Apenas a descoberta de uma brecha de vida numa outra escala de possibilidades; a da reciprocidade que nos surpreende no íntimo da nossa própria condição”.

Hoje (03FEV), acrescento aqui: “Gostei de ler o teu texto não na perspetiva do número mas da semântica que acompanha a significação que se tem (ou pode ter) da amizade. Não é novidade para ninguém que, no plano histórico, a ideia de amizade aparece demasiado grudada aos ideais catequéticos de igualdade e de fraternidade sujeitando-a, assim, a uma forte envolvência de proximidade modelada no privilégio da autoridade de consciências vizinhas como as de intimidade e de familiaridade, entre outras. No entanto, todos nós também sabemos que esta proximidade (feita de intimidade e familiaridade) atrai, com uma frequência que nos surpreende, dinâmicas relacionais de imposições homogeneizadoras que enfermam a relação com o Outro através de práticas autoritárias que, longe de humanizar, sobretudo não integralizam. Tendo por eixo esta linha de pensamento, desviei o meu olhar para um outro horizonte, que o teu texto parece sugerir, da amizade enquanto relação intersubjetiva considerada num registo de qualidade diferente, ou seja, naquele que se desdobra na imprevisibilidade da alteridade e dos seus vínculos, designadamente tendo em conta os tempos de hoje marcados pela fragilidade e superficialidade das sociabilidades relacionais e comunicacionais. Independentemente do número de amigos - e como é bom os ter - é importante que estes nos preencham, nos façam crescer e nos ajudem a realizar esse projeto de sermos pessoas. E estes não são muitos e os outros não deixam, apesar disso, de continuar amigos. Embora, admitamo-lo, amigos certamente diferentes”.

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