quarta-feira, março 26, 2014

O CÍNICO E INDECOROSO CRITÉRIO DE EQUIDADE

  • ASSENTE NO EMPOBRECIMENTO PROGRESSIVO E GENERALIZADO DAS REFORMAS
  • FUNDADO NUM EVOLUTIVO E DEBILITANTE QUADRO ECONÓMICO E SOCIAL
  • QUE SE CUMPRE ATRAVÉS DE UM AJUSTAMENTO COM BASE NA REDUÇÃO DE PENSÕES
  • E NEGLIGENCIA A FUNÇÃO SOCIAL DOS SISTEMAS DE REFORMAS NA FORMULAÇÃO DAS SUAS POLÍTICAS

 

pensoesO desenvolvimento deste tópico é o primeiro de um agrupado de textos que tem como âmago a situação dos reformados e pensionistas. Nesta perspectiva, começo por manifestar, neste escrito inaugural, o meu estado de alma, confessando o sentimento de que a vitalidade de um aposentado radica nos seus elementares e justos projetos futuros com a consciência certa de que, na ausência destes, se avizinhará, com toda certeza, a desistência intimadora de um viver naufragado na intensa e torturante percepção, diria limite, dos naturais limites da vida. Assim, nestas árduas circunstâncias do tempo atual, apenas sobrará ao idoso aposentado o angustiante sofrimento de um sobreviver sem vida, fragilizando-o ainda mais ante os acrescidos e diversos constrangimentos que inesperadamente o atormentam, como sejam os que hoje regressivamente acontecem, no plano social e económico. As políticas de austeridade, obstinada e violentamente alojadas nos rendimentos dos trabalhadores e dos aposentados, em muito têm contribuído para o revés dessa derradeira e vital vontade de pensar e experienciar expectativas futuras encorajadoras.

Para melhor introduzir este resvalar sucessivo do empobrecimento dos aposentados e enquadrar as análises e reflexões que se seguirão, neste como nos tópicos seguintes, tomo de empréstimo um trabalho do economista Pedro Carvalho, publicado em 14/2/2014 aqui , reproduzindo um conjunto de gráficos, claros e convincentes, sobre a evolução dos principais indicadores (macro)económicos, e através dos quais, de um modo simples mas expressivo, o autor nos proporciona um retrato da situação portuguesa em 2013, procurando comprovar as consequências dos impactos da integração capitalista europeia, assim como da afirmação persistente dessa perigosa ideia de austeridade, como muito bem é historiada, por Mark Blyth, no seu convincente livro sobre o assunto.

No entanto, importa esclarecer que o meu propósito, ao longo deste e dos textos que se lhe seguirão, partindo desta presente sinopse, é axiomatizar a ideia de que os cidadãos contribuintes não só não estão a colher a retribuição social dos penosos impostos e contribuições que pagam mas, pelo contrário, nos últimos anos têm sido, isso sim, pelo Estado espoliados dos seus salários e pensões – e parafraseando Lucia Fattoreli, no prefácio do livro de Raquel Varela, QUEM PAGA O ESTADO SOCIAL EM PORTUGAL? em benefício do lucrativo esquema formado pelos bancos, autoridades monetárias e agência de avaliação de risco.

Acrescento, ainda, ao intento acima exposto, um outro propósito particular, ou seja, o de reiterar convictamente que o atual combate sindical dos cidadãos reformados, embora mobilizados pela defesa legítima das suas prestações, esse confronto alarga-se, no tempo, à solidária defesa política de um Sistema Público de Pensões que cumpra, e garanta no futuro, a sua função social de dignificação da condição dos reformados, designadamente dos trabalhadores ainda hoje no ativo. O debate e a ação reivindicativos de agora, enformarão, com toda certeza, a formulação das políticas do futuro, assim como a consequente evolução da configuração da função social do respetivo Sistema. Nesta linha de raciocínio, esta (in)formada convicção procura contraditar a insinuação suja e instrumental de um artificial conflito entre gerações, recolocando a centralidade da análise na crítica das políticas económicas e sociais e, por arrasto e em coerência, rejeitar o populismo dos fáceis egoísmos divisores e dispersivos.

O argumento enganoso respaldado nos privilégios das prestações dos atuais aposentados constitui um teatral embuste, não só por que procura desfocar assim o objeto central da problemática como, lamentavelmente, escamoteia a diversidade das situações, silencia o exíguo valor médio das respetivas pensões e, ao mesmo tempo que abençoa amplas e obscenas assimetrias salariais, desacredita um princípio seu, ou seja, o da justiça comutativa, traduzido no postulado de que cada indivíduo aposentado deve receber o proporcional equivalente ao contributo instituído. A austeridade basicamente assente no corte de salários, das pensões de reforma dos trabalhadores e das prestações sociais não deixa de expressar a indecorosa equidade que procura, no empobrecimento generalizado de quem vive do trabalho, o seu virtuoso embora ardiloso critério.

Assim sendo, passemos então ao enquadramento económico e social de Portugal de 2013, revelando, de um modo esquemático, a evolução dos seus principais indicadores, desde a década de 70 do século passado até aos dias de hoje, para uma melhor compreensão crítica das medidas que têm vindo a ser tomadas face à realidade social e económica dos trabalhadores e reformados e das lógicas políticas que lhes estão subjacentes.

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Leitura do Gráfico 1

Comprova uma desaceleração das taxas de crescimento do produto de década para década e a sua acentuação no pós-euro (2001-2010) para 0,7% em termos médios, para uma contração de 1,4% após 2011.

 
 
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Leitura do gráfico 2

Comprova o apuramento de taxas de crescimento, em termos médios anuais, inferiores a 1% na década de 70 até à de 90. Todavia, desde o Euro, a verifica-se uma destruição progressiva dos postos de trabalho.

 
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Leitura do gráfico 3

Comprova uma desaceleração das taxas de crescimento da produção industrial desde a década de 70, passando esta a um decrescimento progressivo desde o Euro. Como reflexo da quebra da produção industrial, constata-se a confirmação simétrica do défice da balança de bens. A melhoria verificada sobretudo a partir de 2011 que, não sendo resultante do aumento da produção nacional, provém, como parece certo, da política de empobrecimento da grande maioria dos portugueses.

 
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Leitura do gráfico 4

Confirma uma desaceleração das taxas de crescimento de década para década, com um forte abrandamento na era pós-Euro.

 
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Leitura do gráfico 5

Confirma que pós 2 anos de austeridade (2011 a 2013), o valor absoluto e em % do PIB vai ser superior, apesar das medidas extraordinárias tomadas e irrepetíveis. Por outro lado, verifica-se que o valor dos juros da dívida pública está, em 2013, ao nível mais elevado de sempre (7,2 mil milhões de euros). Sem os juros da dívida, e tendo em conta as previsões do Orçamento de Estado, teríamos um superavit em 2014.

 
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Leitura do gráfico 6

Confirma-se que os lucros líquidos, em 2013, aumentaram 4 mil milhões de euros face a 2001. Desde o Euro aumentaram 40% em termos cumulativos. Quanto aos salários, em 2013, o seu peso no produto estava ao nível de 1990, tendo tido uma redução de 2,5 p.p., indicativo de um dos maiores aumentos da taxa de exploração desde o 25 de Abril.

Este retrato mostra, na melhor das hipóteses e com clareza, quem tem embolsado e quem tem perdido com esta política levada a cabo pelos tais bons alunos, embora de maus professores, como diria José Medeiros Ferreira. Ou, em alternativa, levada a cabo por desastrados mas obedientes discípulos de mestres com a qualidade e a capacidade de tornar a União Europeia um instrumento fundamental do grande capital e das suas teorias económicas. Neste mundo revolto, a atual governação portuguesa, no que concerne às pensões de reforma, escolheu peregrinar um caminho único, ou seja, reduzir as prestações dos reformados, colocando a mão do ajustamento dentro dos seus bolsos, assim como dos bolsos da generalidade dos trabalhadores portugueses.

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