sexta-feira, setembro 12, 2014

O COMUM DA INDIVIDUALIDADE

egoNeste lugar tornado gritoeargumento, devo confidenciar que tenho um avinagrado vício libertário de transverter as solapadas razões que – num quadro aprontado de noções-feitas – malevolamente habitam o meu/nosso quotidiano, procurando assim, apesar das minhas manifestas e confirmadas limitações, desnudar as intransparências que, não por acaso, nelas se inscrevem e, dessa forma, teimosamente embaçam a minha/nossa compreensão. É, confesso, um reconhecido vício na medida em que me sinto amiúde tresmalhado na caprichosa busca desse porvindouro entusiasmo de compreender, compreensão essa supostamente firmada, assim presumo, nas leis naturais da matéria e da mente e sobre as quais a minha saúde – mental, emocional e de bem-estar – parece depender.

Porém, a dita e obstinada indagação não é mobilizada por um qualquer intento pessoal de extravagância ou originalidade mas, ao invés, move-se na ânsia de escapar à imediatez fenoménica das representações que alinhavam o imperante e expedito sentido do adotável e do socialmente acomodado à ordem cultural/ideológica prevalecente, fazendo-se esta, por ausência ou negação crítica, cúmplice entorpecente deste concerto capitalista, indesmentivelmente kafkiano e socialmente miserável[1]. Acompanho aqui Ernst Bloch quando ele afirma que pensar significa transgredir, ou seja, creio eu com a prudência devida, que tal aforismo sugere a ousadia de nos embrenharmos (para além do sancionado que se repete sem tino) no terreno exigente da materialidade das relações que escoram a compreensão enquanto necessidade epistemológica e que, nessa qualidade, esse saber não deixe de favorecer (e assim facultar) o exercício do seu lógico e coerente ofício, não só no plano da crítica como na arquitetura do fundamento preconizado, quer através da argumentação que se sustenta, quer no decurso da ação que o esclarece.

Pensar dá muito trabalho mas, do meu ponto de vista, aliás já implicitamente indiciado, não há outro jeito senão pensar com radicalidade (e determinação), capturando as coisas pela raiz, sob pena de empedernir a débil docilidade conformista das nossas existências. É preciso (assim) pensar, indagando e aproveitando os resultados da ciência que no terreno e para o terreno se faz. É preciso pensar, instilando as suas múltiplas e benéficas malvadezas, com pertinência e critério, na quietude certa dos roteiros martelados e recalcados e, en passant, com saber e inteligência, livrar-se da saloiice intelectual dos achadismos atoleimados ou dos sidéreos e ociosos diletantismos. Hoje, mais do que nunca, urge convocar o exercício de um pensar que se agite na demanda de um saber fundamentado (e grudado) nas (e às) realidades que interessam compreender, de modo a cimentar perspetivas, estabelecer estratégias e gizar comportamentos políticos (e outros de manifesta implicação prática nos revolucionamentos necessários ao incremento de uma sociedade mais justa e transparente e estruturalmente mais humanizante. A verdadeira obra da nossa individualidade passa por aqui, ou seja, ela arquiteta-se através da forma como nos posicionamos nesta paradoxal moldura entre a facticidade (o facto de não prescrevermos as nossas próprias especificações primordiais), a nossa natureza histórica (a inescapável historicidade que nos esculpe e inspira) e a liberdade indeclinável que a nossa autoconsciência e imaginação, faculdades intrinsecamente humanas, nos proporcionam. Eis o trágico desafio de uma obra tornada drama pela impossibilidade de, desse desafio, não nos podermos desobrigar.


[1] O que nos oferece este concerto? Uma miséria absoluta da maioria da população mundial que testemunha, estranhamente submissa, à ostentação da riqueza por parte de uma minoria vampírica que a esbulha; uma superprodução de mercadorias onde a maioria não acede aos bens básicos e essenciais; a marginalização, convertida em racismo social, de jovens, desempregados e velhos nos países ricos; o crescimento do emprego precário e da própria desqualificação profissional face à introdução das novas tecnologias e das suas aplicações afrontosas ao trabalho e ao desemprego; a expansão da violência e da criminalidade, designadamente nas grandes urbes, entre outras desventuras…

 

Imagem retirada DAQUI

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