quinta-feira, maio 19, 2016

O PROTOCOLO DA INCOMUNICAÇÃO

 

Gostava de ser um bom comunicador, mas nem sempre o consigo ser. Reconheço as minhas imperfeições. Sem qualquer consumição moral, confesso que as coloquiais máculas se inveteram na incauta têmpera da minha safada emoção, que me destinando muito da minha amena vida, de igual modo, é bem capaz, também, de a atraiçoar. Desse nervo cúmplice, fogoso demais por vezes, ainda assim dele tiro a vantagem sagaz da matreirice e, desta, a ardente e sadia energia que, em circunstâncias bem-fadadas, me fazem escapar à inútil tarefa da moderação ou ao indolente corretismo da polidez. Pois é. Mas comunicar, esse salubre e benéfico pôr em comum, pressupõe a ousadia da liberdade, a dádiva da disponibilidade e o leal empenho na partilha perspícua desse comum em que se procura adentrar, ou em que se esforça por concertar ou, tão-só, em que se dirime delicadas fissuras, afinal provavelmente irremovíveis. Esta sinopse marcada pelo dissemelhante, em que o comum todavia se arruma, é um desafio que aprecio, que me desperta e me entusiasma, não obstante os caprichos dessa bravia emoção antes aludida. Azucrina-me, isso sim, a cátedra da unidirecionalidade que sufoca o pensamento do outro, a arenga que subestima o diverso e o discrepante que intenta nulificar o exercício do diálogo e da crítica. Deste jeito funciona o suposto poder do algoritmo de alguma convencida sabença, de uma certa empáfia social arrogante, que sem pudor manobra a fala do recurso à estolidez que aferrolha horizontes e atravanca quaisquer estendeduras e escavações. Mais trivial ainda é o uso do método da simplificada e obscura forma de extremar o colóquio, despachando célere movimentos de argumentação embaraçosa e, em consequência, e desde logo, sepultando algo que, mesmo exordiando viva e fortemente, nasce já condenado a ser defunto prematuro. De facto, assim me parece ser e acontecer.

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