domingo, dezembro 10, 2017

OS OUTROS, E AS HISTÓRIAS QUE DELES RECRIAMOS


As coisas mais mesquinhas enchem de orgulho os indivíduos baixos, diz-nos Shakespeare


O subterfúgio da invocada natureza de vida interior é um artificio enganoso. Pior, comodamente dissuasivo, e para o próprio, por vezes, paradoxalmente impiedoso. A vida interior não é uma coisa, um íntimo em si. A vida interior existe, sim, se bem que na presença dos seus factos que se cravam no leito dramático de um real amiudadamente apoucado. Não obstante, quando isolados do seu lugar concreto, tais factos se tornam engodos míticos, pois esburgados e desnaturados de si mesmos. Viver no íntimo de nós próprios é experienciar a verdade, acaso um coabitar interior, ainda que resultado de uma autenticidade de ecos particulares, nem sempre alcançáveis. É nesta dura experiência, embora sempre incerta, que se busca a entidade ontológica daquela vida íntima que, assim e imperfeitamente, se entrega com simplicidade a um falso interior amansado. Esta, intuitivamente sentida pelo próprio como dolorosa, talvez mesmo inconsciente por abrigo, se faz preguiçosa na diligência receosa de esbarrar com dependências e reciprocidades que não se intenciona aclarar.

Se pirutear a imaginação, diria que, ao escutar testemunhos de vida (diga-se, dos outros), se não se atender (e cuidar) ao concreto das histórias, imagina-se (ou romanceia-se) apenas tristes estórias de falsos duplos. Interpreta-se, assim, acudindo-se de uma significação que elege sinais que se calculam ser, afinal, a suposta vida concreta do visado. Quiçá possivelmente insidioso, eis o método que, com a pressa e a superficialidade convenientes, serve para sujamente recontar, recriando não as verdadeiras histórias, mas outras propositadamente viciadas. Sobre tal propositada tradução, sabendo-se de manifestas imprecisões, deliberadamente se ousa então deturpar, mentindo-se para outros salivarem e os babados assim convocados a fazerem tal tramoia medrar, se possível festivamente.

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