quarta-feira, março 27, 2019

FALAR MANSO? PARA QUÊ E PARA QUEM?


Será que vale a pena apreçar a tartufice de ardilosos poderes quando amiúdo repetem a kantiana premissa de que a pessoa humana não tem preço, tem sim dignidade? Pessoalmente, há muito que tais cócegas, vindo de quem vêm, viraram repugnância. Não pela certeza que a premissa alberga, mas pelo vampiresco uso que esses ilustres safardanas põem em cena. Seráficos e entufados doutrinam sobre o humano, e sobre a sociedade, cismando afinal num talhado agregado que lhes obedeça e proteja. Deste jeito, escorando a combinação em familiarizadas desigualdades, de vários matizes e cores, cujo limite, sabe-se, é o trágico desfiladeiro da exclusão. Daqueles que não contam, que estão a mais, pesos mortos sem lugar. Daqueles que somente chateiam e complicam o jogo da exploração, desapossados que estão já da rendosa condição de mercadoria. Subsistam, rastreiam eles, apenas as presas que ainda dão jeito aos predadores que de tal ordem gozam o bom viver. Em suma, dessa ordem que assim cuida, e bem, da marcha civilizacional do rentável, das desigualdades e das exclusões. Caminhada, afinal, que se aperfeiçoa sobre os escombros de múltiplas crises, desdenhando sem pudor do sofrimento que delas deslaçam. Falar manso, para quê e para quem?

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