Cruzar-me com doutos economistas a discorrer sobre política, o meu juízo intempestivo convida-me a servir de um simples cálculo em discordância com a cultura do tempo. Como? Sopesando o número de vezes, que da instruída voz, o clamor dos mercados se sobreleva ao iniludível exercício do político. Ou melhor, quantas vezes essa voz, entoando e consagrando o culto de uns poucos, se esforça, e se esfola, por tornar mudo o interesse de todos.
Ouvi-los proclamar por reformas estruturais é como escutar um infundado presságio convertido numa repisada e venerada superstição, à qual a persistência mediática empresta um carácter vizinho do sagrado. Assim sendo, em rutura com tais ascéticas crendices, hoje elevadas ao descaramento neoliberal, importa muita firmeza ideológica (e atenção política) na disputa desse turvado e tinhoso jogo de luz e sombra [1].
Compreender a vida, para nela poder viver agindo e nela poder causar os efeitos ambicionados, só na base de um consenso acrescido, e esclarecido, é possível obter esse poder. O poder de pôr em prática o avesso, ou seja, reformas estruturais insubmissas a essa fóbica fórmula mágica, apadrinhada pelo capital e nutrida pelo acasalamento da cumplicidade política com a sovinice manhosa dos mercados. Agindo, assim, não pela enfraquecida e costumeira reação, mas pela nobreza da decidida afirmação da dignidade da condição humana.
[1] Edição de março 2019, em Reformas estruturais de esquerda, expressão usada, e bem, por Nuno Serra no Le Monde Diplomatique.
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