sexta-feira, abril 02, 2021

O FOSSO DA INDIGÊNCIA E AS SUAS PROFUNDIDADES


Seria superior alcançar a ideia de injustiça como prévia à idealização da justiça, ou seja, esta como confirmação daquela. Ao tempo, a justiça revelou-se como redarguição da injustiça, logo, um conceito oposto e deste derivado. Sem rodeios, afrontando a negação da vontade, da liberdade e da dignidade do outro. A injustiça fez-se, nesse tempo filosófico, a condição da justiça. Por sua vez, a justiça deste modo justificada e legitimada, torna-se argumento de direito. Do direito natural, moral, ao histórico e crescente direito jurídico. Neste criativo movimento, diz-se, busca-se ouvir e honrar a consciência moral mediante a instituição do acordo social e cominativo. Surge assim o Estado e o seu poder obrigante. Despontam os cânones que regulam, moderam e organizam a vida. Vagarosamente, a moral vai perdendo o seu impulso e o credo da convenção, captando o seu império. A justiça ganha autonomia, e no seu dinamismo arquiteta uma vontade racional própria. A injustiça, de causa passa a ser efeito, finalidade, motivo. A justiça, perde as suas raízes, e sem elas, passo a passo deturpa a relação entre a promessa e o contrato. Inverte a sua lógica e a sua correspondência original. Dissipa-se nos impetuosos egoísmos dos interesses e nas astúcias discursivas e politiqueiras dos poderes. As obscenas e crescentes desigualdades do tempo recente são a prova irrebatível desta inversão (ou mesmo regressão) civilizacional. A ambição da Igualdade vai-se perdendo nas sombras das suas palavras, das palavras reiterados do seu louvor.

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