terça-feira, dezembro 27, 2022

A INCERTEZA DOS SENTIDOS

 Com regularidade enfrentamos situações burlescas. Como se sabe, palavras desalinhadas de critérios enfatuados azedam muito o pessoal niquento. Esta gente educada, quem sabe porventura aburguesada, forja à pressa, e mal, sensibilidades enxofradas que legitimam as suas irretorquíveis más caras. Nestas circunstâncias, de preferência quando expostas a outros, apenas a reprimenda de grosseria não basta. Tornar-se-ia apenas o mindinho da sua dramática e martirizada inquietação e representação. A oportunidade do descabido pretexta-se, então, incómoda, exige mais, algum teatro e, sobretudo, levar o texto à cena. Afinal, importa exigir a mão gorda da petulância acomodada ao asserto da pirâmide social. O que está em causa não é, afinal de contas, o que é ou parece ser, mas sim o que importa comprovar. No caso, uma dama desvela a sua meritória e snobe aparência perante o descuido dum “merda” solto por um rapazola, aliás, mais alheado do que atrevidaço. Olhando então de soslaio e de voz afiada para o jovem boçal, a dama reclama em voz alta respeito, muito respeito. Sobretudo, por si, pois não teria sido alfabetizada para tamanha rusticidade. O rapaz acabrunhado, diminuído e sem jeito, sem olhar para a dita, titubeia para um dos seus amigos; “porra, já fiz merda, peço desculpa senhora”. Os diversos presentes, todos eles mais adultos, olham-se e não resistem. A gargalhada geral acontece, ruidosa e prolongada. O ridículo da sobranceria da polida e respeitosa ricaça, se rica era, afinal não era para menos. A cumplicidade do riso acabou por se tornar o testemunho da verdade do seu excesso grotesco.

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