A verdade fundamental não é em nós, de forma alguma, aquela que docilizamos para convencer os outros. Na realidade, trata-se daquela verdade que, ao se alimentar das nossas fragilidades humanas, se torna uma ideia convenientemente adaptada à nossa visão do mundo — uma ideia de verdade que, quando mal interpretada, acaba por ser uma defesa ridícula de como gostaríamos que as coisas fossem, mas não como realmente são.
Quando nos inclinamos sobre o inconsciente, como se fosse
uma cápsula do tempo, vemos que a verdade não é nada objetiva ou imutável. Ela
é, no entanto, excessivamente subjetiva e ajustada ao molde pelos nossos emaranhados
internos, desejos sufocados e traumas não resolvidos. A tal "verdade
fundamental", segundo os entendidos, é aquela que vem das profundezas do
inconsciente — um lugar remoto e desconfortável de nós mesmos, que se recusa a
ser alcançado facilmente pela nossa consciência, mas que, com grande
insistência, orienta nossa visão do mundo e de nós mesmos.
Embora eu não seja especialista no assunto, sei por experiência própria que o inconsciente é bastante incómodo. Ele influencia não só a forma como vejo o mundo à minha volta, mas também a forma como me vejo — algo que, por vezes, é desconcertante. No entanto, não me custa admitir que a minha "verdade interna" só se revela quando começo a encarar de frente o ocioso inconsciente e seus mecanismos, que em boa parte só servem para me atrapalhar.
As defesas psicológicas, como a negação, racionalização ou projeção,
muitas vezes distorcem a nossa perceção da realidade, criando uma
"verdade" que não é, de fato, nossa, mas uma indolente manipulação do
que gostaríamos que fosse real, só para não termos que confrontar os nossos
pontos fracos.
Quando se diz que a verdade não está na "verdade que
forçamos para convencer o outro", estamos apenas dando voltas na ilusão por
nós criada. Tentamos, de todas as formas, impor uma verdade aos outros, seja
por necessidade de aceitação, seja por um desejo ingovernável de controlar como
os outros nos percebem. Na nossa eterna luta contra a ansiedade e insegurança,
inventamos narrativas — ou artimanhas — para disfarçar aquilo que realmente
somos, criando uma "verdade" que, no fundo, encobre a nossa própria,
incómoda e entranhada verdade.
A projeção é um exemplo clássico de como nos enganamos.
Quando projetamos as nossas inseguranças ou fraquezas em outra pessoa, estamos,
na verdade, criando uma realidade falsa que esperamos que o outro aceite para
não termos que lidar com as nossas próprias falhas. Ou seja, tentamos forçar os
outros a acreditar em algo que, na realidade, está intimamente ligado a uma
verdade que não conseguimos admitir em nós mesmos.
A psicanálise, nesse processo, ajuda-nos a ter acesso à
nossa verdade interna, a fazer com que o inconsciente se torne consciente,
aliás algo extremamente útil na manutenção da nossa saúde mental (e do nosso
orgulho). Isso, claro, exige uma boa dose de determinação, pois é muito mais simples
agarrar-se a verdades superficiais que nos fazem sentir mais confortáveis. A
verdadeira regeneração acontece quando paramos de forçar uma verdade imposta e
começamos a aceitar a nossa verdade interna, mesmo sabendo que ela, por vezes,
é um tremendo pesadelo a ser encarado.
Finalmente, ouso concluir que, embora a verdade que tentamos
forçar sobre os outros possa dar-nos uma ilusão temporária de controle, ela não
é duradoura nem verdadeira. A sincera liberdade reside na aproximação com a
nossa verdade fundamental — a verdadeira essência do que somos, com todas as
nossas imperfeições e contradições. A psicanálise, penso eu, desafia-nos a abandonar
a mentira de que precisamos para manipular a verdade que possa agradar aos
outros, e, em vez disso, aceitar a nossa própria verdade, com todas os seus
revestimentos e complexidades.
Essa verdade fundamental, mais do que ser uma simples
"realidade objetiva", é um território onde podemos ser mais
autênticos e mais livres, porque, ao aceitá-la, começamos a nos libertar das
defesas e das projeções que, muitas vezes, nos impedem de viver de forma plena
e verdadeira.
Para rematar, direi então que essa verdade depende, em
última instância, da nossa capacidade de nos reconhecermos sem máscaras, sem as
defesas que criamos para proteger o nosso ego, e sem a necessidade de impor
essa "verdade" aos outros. Ela surge, de forma inflexível, quando
finalmente conseguimos compreender o nosso íntimo, integrar os nossos desejos
mais profundos e aceitar as partes mais ocultas de nós mesmos — que, por mais
que tentemos, continuam sempre a morder-nos os calcanhares.
Sem comentários:
Enviar um comentário