A liberdade é sempre encarada como um valor fundamental, mas a sua compreensão profunda e a maneira como a exercitamos no cotidiano são questões confusas. Dada a nossa tendência de agir apressada e desatentamente, amiúde ignoramos a forma como nossas escolhas – que consideramos livres – são amoldadas por condições externas, nem sempre entendidas, que limitam o nosso verdadeiro exercício da liberdade. Assim sendo, não deixa de ser essencial refletir sobre essas limitações e procurar compreender de forma mais crítica o conceito de liberdade no contexto democrático, onde as condições culturais e políticas desempenham um papel crucial.
Hoje em dia, a liberdade está frequentemente reduzida a um
conceito que privilegia a escolha individual, recusando o contexto histórico e
as intenções ideológicas que permeiam nossas decisões. A busca pela liberdade
no campo político invariavelmente se mistura com a escolha entre diferentes
opções superficiais, como se essas opções fossem realmente livres. Na nossa
sociedade e tempo, os campos políticos tornaram-se cada vez mais corrompidos
por oratórias que se valem diretamente pelas emoções, zanga ou aflição, em desfavor
de um pensamento político mais pensante, crítico e significativo. A coerência
emotiva e imediatista acaba então por substituir um debate mais racional, logo
mais exigente, baseado no exame das estruturas de poder que realmente conformam
as nossas vidas.
A OBRA IDEOLÓGICA DA LIBERDADE
Indo ao encalço da linha de pensamento do filósofo Slavoj
Žižek, podemos identificar quatro pontos fundamentais que nos ajudam a reconsiderar
a ideia de liberdade, sobretudo quando as nossas ações parecem basear-se mais
na ilusão do que numa escolha autêntica e legítima. Primeiramente, interroguemos
a nossa ideia de liberdade. Será ou não que seja, de fato, uma construção
ideológica? Žižek sugere que somos muitas vezes capturados por estruturas de
poder e de desejo que não alcançamos, mas que determinam verdadeiramente as
nossas opções e preferências. Exemplo disso é a liberdade de escolher entre
opções no mercado ou entre candidatos a uma eleição. Embora possamos sentir que
estamos a fazer uma escolha livre, essa liberdade é muito subordinada por narrativas
que recorrem ao emocional, diminuindo de valor as reais questões políticas e
sociais em jogo.
Logo, essa simplificação do debate político – que dá
prioridade ao emocional e ao imediato em desfavor da reflexão crítica – faz com
que a liberdade política se torne, de certa forma, de menor relevância, logo de
inferior importância. Em vez de nos envolvermos com as emaranhadas dinâmicas
sociais e políticas, somos levados de rasto para um campo agitado em que as sentenças
são tomadas com base na fúria dos impulsos, assim desvalorizando as composições
ideológicas que as confirmam.
A INFLUÊNCIA COERCIVA ENTRE EMOTIVIDADE E PENSAMENTO
POLÍTICO
No campo da psicanálise, Žižek explora como a liberdade
radical – ou seja, a ausência de qualquer estrutura normativa ou reguladora –
pode ser, na verdade, angustiante. A necessidade humana de se submeter a uma
ordem simbólica é frequentemente explorada pelo discurso autoritário. No
entanto, essa busca por segurança psicológica e social, como é óbvio, correntemente
nos leva a uma falsa sensação de liberdade. As normas sociais e as regras compõem
e organizam a nossa vida, facultando uma base sobre a qual podemos construir
nossas identidades e decisões. Contudo, a liberdade é deformada quando as
emoções são habilmente encaminhadas de modo a impulsionar uma segurança enganosa,
desviando o olhar do fundamental, ou seja, das verdadeiras disputas políticas.
Assim sendo, a liberdade política reduz-se quando imergida
no campo da emotividade e das suas excitações. Para que possamos viver numa
democracia legítima e sincera, é necessário que a liberdade seja compreendida
como um processo dialético, em que se desafia confrontando as ideologias e as
estruturas de poder que as moldam. A verdade da liberdade exige não apenas a possibilidade
de fazer escolhas, mas também a reflexão crítica sobre o contexto em que essas preferências
são feitas.
A LIBERDADE COMO MÉTODO TRANSFORMADOR
Žižek também faz uma crítica tanto ao reformismo liberal
quanto às revoluções simplistas que não questionam as bases ideológicas que
sustentam as estruturas de poder. Uma mudança real, segundo ele, não consiste
apenas na transformação política ou econômica, mas também na mudança radical da
maneira como subjetivamos a realidade. É fundamental, então, que ao procurarmos
a liberdade, não busquemos apenas escapar das restrições externas, mas saibamos
interrogar também os modos como interiorizamos essas limitações, especialmente
atentos aos campos psíquico e cultural.
CONCLUSÃO
Em suma, a reflexão de Žižek sobre a liberdade desafia a
lógica e o senso comum. No capitalismo, somos "livres", mas dentro de
uma rede de ideologias que moldam as nossas escolhas de forma quase invisível.
Psicologicamente, a ideia de liberdade absoluta é desestabilizadora, o que pode
levar muitas pessoas a preferirem regras claras e líderes fortes. A verdadeira
liberdade, portanto, não consiste numa escolha simples entre opções, mas sim num
processo contínuo de confrontação das limitações que nos sitiam, seja no plano
social, político ou psicológico.
Consideremos ainda que a liberdade enfrenta hoje um desafio acrescido:
o constante excesso emocional que muito envolve hoje o pensamento político. Em
vez de nos comprometermos com uma reflexão mais profunda sobre as estruturas
que nos limitam, somos frequentemente seduzidos por soluções emocionais que
parecem resolver os nossos impasses imediatos, mas que, na verdade, imortalizam
as mesmas ideologias que nos aprisionam. A verdadeira liberdade exige uma
coragem intelectual para questionar não apenas as ideologias externas, mas
também os sentimentos e impulsos que nos direcionam. Libertar a liberdade é,
portanto, uma (in)certeza constante e continuada de crítica, reflexão e
transformação.
Sem comentários:
Enviar um comentário