terça-feira, março 11, 2025

LIBERTAR A LIBERDADE - É OBRA

A liberdade é sempre encarada como um valor fundamental, mas a sua compreensão profunda e a maneira como a exercitamos no cotidiano são questões confusas. Dada a nossa tendência de agir apressada e desatentamente, amiúde ignoramos a forma como nossas escolhas – que consideramos livres – são amoldadas por condições externas, nem sempre entendidas, que limitam o nosso verdadeiro exercício da liberdade. Assim sendo, não deixa de ser essencial refletir sobre essas limitações e procurar compreender de forma mais crítica o conceito de liberdade no contexto democrático, onde as condições culturais e políticas desempenham um papel crucial.

Hoje em dia, a liberdade está frequentemente reduzida a um conceito que privilegia a escolha individual, recusando o contexto histórico e as intenções ideológicas que permeiam nossas decisões. A busca pela liberdade no campo político invariavelmente se mistura com a escolha entre diferentes opções superficiais, como se essas opções fossem realmente livres. Na nossa sociedade e tempo, os campos políticos tornaram-se cada vez mais corrompidos por oratórias que se valem diretamente pelas emoções, zanga ou aflição, em desfavor de um pensamento político mais pensante, crítico e significativo. A coerência emotiva e imediatista acaba então por substituir um debate mais racional, logo mais exigente, baseado no exame das estruturas de poder que realmente conformam as nossas vidas.

A OBRA IDEOLÓGICA DA LIBERDADE

Indo ao encalço da linha de pensamento do filósofo Slavoj Žižek, podemos identificar quatro pontos fundamentais que nos ajudam a reconsiderar a ideia de liberdade, sobretudo quando as nossas ações parecem basear-se mais na ilusão do que numa escolha autêntica e legítima. Primeiramente, interroguemos a nossa ideia de liberdade. Será ou não que seja, de fato, uma construção ideológica? Žižek sugere que somos muitas vezes capturados por estruturas de poder e de desejo que não alcançamos, mas que determinam verdadeiramente as nossas opções e preferências. Exemplo disso é a liberdade de escolher entre opções no mercado ou entre candidatos a uma eleição. Embora possamos sentir que estamos a fazer uma escolha livre, essa liberdade é muito subordinada por narrativas que recorrem ao emocional, diminuindo de valor as reais questões políticas e sociais em jogo.

Logo, essa simplificação do debate político – que dá prioridade ao emocional e ao imediato em desfavor da reflexão crítica – faz com que a liberdade política se torne, de certa forma, de menor relevância, logo de inferior importância. Em vez de nos envolvermos com as emaranhadas dinâmicas sociais e políticas, somos levados de rasto para um campo agitado em que as sentenças são tomadas com base na fúria dos impulsos, assim desvalorizando as composições ideológicas que as confirmam.

A INFLUÊNCIA COERCIVA ENTRE EMOTIVIDADE E PENSAMENTO POLÍTICO

No campo da psicanálise, Žižek explora como a liberdade radical – ou seja, a ausência de qualquer estrutura normativa ou reguladora – pode ser, na verdade, angustiante. A necessidade humana de se submeter a uma ordem simbólica é frequentemente explorada pelo discurso autoritário. No entanto, essa busca por segurança psicológica e social, como é óbvio, correntemente nos leva a uma falsa sensação de liberdade. As normas sociais e as regras compõem e organizam a nossa vida, facultando uma base sobre a qual podemos construir nossas identidades e decisões. Contudo, a liberdade é deformada quando as emoções são habilmente encaminhadas de modo a impulsionar uma segurança enganosa, desviando o olhar do fundamental, ou seja, das verdadeiras disputas políticas.

Assim sendo, a liberdade política reduz-se quando imergida no campo da emotividade e das suas excitações. Para que possamos viver numa democracia legítima e sincera, é necessário que a liberdade seja compreendida como um processo dialético, em que se desafia confrontando as ideologias e as estruturas de poder que as moldam. A verdade da liberdade exige não apenas a possibilidade de fazer escolhas, mas também a reflexão crítica sobre o contexto em que essas preferências são feitas.

A LIBERDADE COMO MÉTODO TRANSFORMADOR

Žižek também faz uma crítica tanto ao reformismo liberal quanto às revoluções simplistas que não questionam as bases ideológicas que sustentam as estruturas de poder. Uma mudança real, segundo ele, não consiste apenas na transformação política ou econômica, mas também na mudança radical da maneira como subjetivamos a realidade. É fundamental, então, que ao procurarmos a liberdade, não busquemos apenas escapar das restrições externas, mas saibamos interrogar também os modos como interiorizamos essas limitações, especialmente atentos aos campos psíquico e cultural.

CONCLUSÃO

Em suma, a reflexão de Žižek sobre a liberdade desafia a lógica e o senso comum. No capitalismo, somos "livres", mas dentro de uma rede de ideologias que moldam as nossas escolhas de forma quase invisível. Psicologicamente, a ideia de liberdade absoluta é desestabilizadora, o que pode levar muitas pessoas a preferirem regras claras e líderes fortes. A verdadeira liberdade, portanto, não consiste numa escolha simples entre opções, mas sim num processo contínuo de confrontação das limitações que nos sitiam, seja no plano social, político ou psicológico.

Consideremos ainda que a liberdade enfrenta hoje um desafio acrescido: o constante excesso emocional que muito envolve hoje o pensamento político. Em vez de nos comprometermos com uma reflexão mais profunda sobre as estruturas que nos limitam, somos frequentemente seduzidos por soluções emocionais que parecem resolver os nossos impasses imediatos, mas que, na verdade, imortalizam as mesmas ideologias que nos aprisionam. A verdadeira liberdade exige uma coragem intelectual para questionar não apenas as ideologias externas, mas também os sentimentos e impulsos que nos direcionam. Libertar a liberdade é, portanto, uma (in)certeza constante e continuada de crítica, reflexão e transformação.

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