O pano de fundo sobrevive, mas algo se aviva. A ideologia não apenas molda o palco, ela promete sobretudo o prazer em habitá-lo. Não é só convicção, é principalmente uso e fruição. Um gozo perverso, como diria Žižek, inspirado em Lacan. Um modo de satisfação que se alimenta da exclusão, que ignora o sofrimento do Outro e encontra prazer precisamente aí, e em si mesma.
A ideologia não nos encaminha pela razão, pois nos
concede algo em compensação. Talvez uma excitação difusa, uma certeza que
deleita, um objeto de gozo que legitima admitir, rejeitar ou até punir. Por
isso se acredita com exaltação, mesmo contra tudo e todos. Não se trata apenas
de ideias, mas de um prazer inconsciente em possuí-las, defendê-las e, se
necessário, impô-las. A ideologia opera como uma gestão libidinal, ou seja,
organiza desejos, alimenta fantasmas, fomenta bodes expiatórios e oferece
narrativas redentoras.
Não falamos aqui de perversão no sentido sexual, mas de um
modo de gozar que se desobriga da empatia. O Outro, seja o migrante, o comuna,
o degenerado ou o politicamente correto, torna-se o reservatório do mal, aquele
cuja marginalização promete conforto. É esse o gozo mesquinho que a ideologia
oferece, ou, por outras palavras, o bem-estar de excluir, o conforto de
obedecer ou, ainda, a segurança de repetir.
A razão, por si só, não desfaz este laço. O inconsciente
político habita precisamente aí, ou seja, nas formas de prazer que sustentam a
crença, nos pequenos gozos que sobrevivem ao argumento. A ideologia goza, e o
seu gozo convida-nos, afinal, a gozar com ela. Não nos aprisiona apenas pela
crença ou coerência lógica, mas sim porque oferece o rebuçado do prazer que mascara
o sofrimento do outro.
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