No seu texto que faz parte do livro “Woke, Fizemos?”,
Alexandre Franco de Sá tenta uma linhagem filosófica do chamado “wokismo”, vinculando-o
à memória da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e ao pós-modernismo francês.
A sua leitura torna-se clara, ou seja, o projeto iluminista de razão e
universalidade terá sido corrompido por uma crítica cultural que promove a
própria ruína, que substitui a realidade pela linguagem, a verdade pelo jogo
desconstrutivo e a política por uma afetividade ressentida. Trata-se, no íntimo,
de um apelo ao regresso a uma racionalidade resistente, que desaprova o que vê
como estilhaçamento moral, identitário e cultural.
Como materialista, essa posição impulsiona-me não só à
desconfiança como também ao exercício do entendimento. Não vejo a crítica como um
desvio culturalista da política, mas sim uma realização concreta da política em
procedimento. Não se trata de pôr a salvo o "woke", seja isso o que
for, mas, isso sim, de não ceder ao impulso restaurador que transforma a
crítica social numa ameaça civilizacional.
A Teoria Crítica, e nisto a tradição marxista-lacaniana de
Slavoj Žižek é essencial, não se desliga à razão, mas interpela a sua função
histórica. Censura a razão aparelhada, domesticada pela lógica do capital, pelo
seu cálculo e consumo. Não se trata, pois, de renunciar a razão, mas de a
libertar do seu aprisionamento tecnocrático. A crítica cultural não pode ser
vista como um luxo académico, mas sim como uma forma de tornar claro os
engenhos de dominação simbólica que estruturam o quotidiano e o desejo.
O “wokismo”, tal como é exibido, mais parece um espantalho retórico, ou melhor dizendo, uma embrulhada de ativismos, moralismos e exageros, convertida numa ameaça global por aqueles que nunca suportaram a ideia de que o poder também se exerce através das palavras, imagens e corpos. Mesmo reconhecendo os riscos do moralismo identitário – por vezes puritano, punitivo ou histérico - a sua crítica não pode ser entregue àqueles que desejam restaurar a autoridade normativa. Não está em causa a destruição da verdade, mas sim a disputa pelas condições que impõem a sua versão.
Žižek foi-me esclarecendo que a ideologia não se realiza
apenas no que pensamos, mas sobretudo “no modo como gozamos”, inclusive quando
nos julgamos críticos. Por isso, desmontar a ideologia exige bem mais do que alterar
discursos, exige, evidentemente, que se mexa na estrutura social, económica e
simbólica que os sustenta. É aqui que o materialismo se revela insubstituível,
pois nenhuma política emancipadora se constrói apenas com linguagem ou afetos,
embora também não se concretiza sem eles.
Contra o universalismo abstrato dos que se dizem racionais e
neutros, e contra o particularismo que dissolve o comum num mosaico de queixas,
recomendo uma universalidade concreta, aquela que emerge não só da luta
partilhada, mas também da composição de alianças reais entre diferenças. Não em
nome de uma artificiosa harmonia, mas sim da disputa transformante.
Se assim for, não nos compete salvar o “woke”. Compete-nos atravessar o indício da perturbação do presente com a lucidez crítica e um compromisso transformador. A crítica continua a ser uma salutar arma. A questão é saber contra quem, e com quem, a empunhamos. Nem Moralismos, nem Caricaturas, mas sim por um materialismo crítico nesta era do “Woke”.
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