Cada dito que utilizamos é, assim e em certo sentido,
emprestadado. Recebemos palavras como se herdássemos mobília antiga, já usada, marcada
e impregnada de significados que não escolhemos. E ao mesmo tempo, é com esses
materiais que procuramos arquitetar algo de novo, tais como pequenos refúgios,
deslocações ou alterações que elucidem gretas dentro do já-dito.
O descentramento daí se revela, pois não falamos de um “eu”
soberano, mas sim de uma circunstância trespassada por códigos, convenções e teorias
culturais. O que julgamos original não passa de um arranjo no interior do dilatado
repertório que a língua nos torna disponível.
E é nessa língua emprestada que habita tanto a nossa delimitação
quanto a nossa oportunidade. As palavras não sendo nossas, é no seu uso que
podemos com elas inventar novos modos de pensar, viver e intervir, mudando
identidades. Podemos tagarelar sempre com palavras dos outros, ainda assim a
ousadia medra em como as disciplinamos.

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