quarta-feira, setembro 10, 2025

PALAVRAS HERDADAS, SENTIDOS EMPRESTADOS

Quando falamos, nada apresentamos pela primeira vez. As nossas palavras já vêm encobertas de rumores, de memórias ou de frequências antecipadas. Saussure recorda-nos que não somos autores absolutos do que dizemos. Somos, sim, sucessores de uma língua que nos antecede e nos conforma.

Cada dito que utilizamos é, assim e em certo sentido, emprestadado. Recebemos palavras como se herdássemos mobília antiga, já usada, marcada e impregnada de significados que não escolhemos. E ao mesmo tempo, é com esses materiais que procuramos arquitetar algo de novo, tais como pequenos refúgios, deslocações ou alterações que elucidem gretas dentro do já-dito.

O descentramento daí se revela, pois não falamos de um “eu” soberano, mas sim de uma circunstância trespassada por códigos, convenções e teorias culturais. O que julgamos original não passa de um arranjo no interior do dilatado repertório que a língua nos torna disponível.

E é nessa língua emprestada que habita tanto a nossa delimitação quanto a nossa oportunidade. As palavras não sendo nossas, é no seu uso que podemos com elas inventar novos modos de pensar, viver e intervir, mudando identidades. Podemos tagarelar sempre com palavras dos outros, ainda assim a ousadia medra em como as disciplinamos.


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