sexta-feira, dezembro 26, 2025

LEIO PARA ME CONTINUAR HUMANO

Ler não é apenas aceder à informação. Ler é, antes de mais, viver um tempo. Um tempo que não se mede pela rapidez da resposta, mas pela capacidade de permanecer, de voltar atrás, de aceitar o que não se entende de imediato. A leitura mais exigente, sobretudo a literária, pede persistência, silêncio interior e uma inteligência capaz de suportar ambiguidades, dúvidas e sentidos que não se fecham rapidamente. Ora, a sociedade digital, marcada pela aceleração constante e pela interrupção permanente, tende a corroer essa temporalidade longa. O risco não é apenas ler menos, mas ler de outra maneira, de forma mais apressada e menos fecunda em solidez simbólica.

Neste contexto, o papel dos algoritmos torna-se decisivo. A mediação algorítmica tende a sobrepor-se à experiência direta da leitura. Ao enfatizar o previsível e ao organizar conteúdos segundo preferências já conhecidas, o algoritmo reduz o encontro com o inesperado e transforma o leitor no persistente perfil de consumidor. A leitura, porém, ganha verdadeiro valor quando faz exatamente o contrário: quando desabriga quem lê, quando confronta com o estranho, o incómodo, o que não confirma expectativas. Enquanto o algoritmo oferece reconhecimento e conforto, a literatura oferece alteridade, a experiência de sair de si e de ser interpelado por outras vozes, tempos e mundos.

É neste ponto que se torna decisiva a afirmação de que o ser humano não é, nem deve ser, uma marionete. Errar, hesitar, interpretar, reler, mudar de sentido fazem parte da nossa condição. A leitura, entendida em profundidade, pode ser um gesto de resistência contra a automatização da subjetividade, isto é, contra a tentação de nos pensarmos como sistemas eficientes de respostas imediatas. Quando reduzida ao seu valor prático e instrumental, a leitura perde a sua dimensão formadora. Mas quando acolhida na sua essencialidade, ela contribui para a construção de um sujeito mais atento, mais crítico e mais humano.

A literatura, em particular, é um espaço privilegiado de complexidade moral. Ela não simplifica o mundo nem oferece soluções rápidas para as vidas humanas. Pelo contrário, introduz obstáculos, dilemas e dificuldades que enriquecem a experiência de quem lê. O ambiente digital tende a caminhar no sentido oposto: favorece posições rápidas, indignações instantâneas e identidades rígidas, facilmente reconhecíveis. A leitura literária ensina a convivência com o incerto, com o contraditório e com pessoas que não cabem em bordões morais nem em juízos imediatos.

Como síntese, importa assumir uma posição crítica, mas não reacionária. Trata-se de defender a leitura enquanto prática de atenção num mundo dispersivo; de afirmar o exercício da liberdade contra a personalização algorítmica; de valorizar a leitura como experiência ética de encontro com o outro; e de recusar a redução do gesto humano à lógica da máquina. Nesse sentido, pode dizer-se, em formulação final, que ler é uma forma de dizer “não” à redução da vida e à sua versão somente funcional. 

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