Ler não é apenas aceder à informação. Ler é, antes de mais, viver
um tempo. Um tempo que não se mede pela rapidez da resposta, mas pela
capacidade de permanecer, de voltar atrás, de aceitar o que não se entende de
imediato. A leitura mais exigente, sobretudo a literária, pede persistência,
silêncio interior e uma inteligência capaz de suportar ambiguidades, dúvidas e
sentidos que não se fecham rapidamente. Ora, a sociedade digital, marcada pela
aceleração constante e pela interrupção permanente, tende a corroer essa temporalidade
longa. O risco não é apenas ler menos, mas ler de outra maneira, de forma mais
apressada e menos fecunda em solidez simbólica.
Neste contexto, o papel dos algoritmos torna-se decisivo. A
mediação algorítmica tende a sobrepor-se à experiência direta da leitura. Ao
enfatizar o previsível e ao organizar conteúdos segundo preferências já
conhecidas, o algoritmo reduz o encontro com o inesperado e transforma o leitor
no persistente perfil de consumidor. A leitura, porém, ganha verdadeiro valor
quando faz exatamente o contrário: quando desabriga quem lê, quando confronta
com o estranho, o incómodo, o que não confirma expectativas. Enquanto o
algoritmo oferece reconhecimento e conforto, a literatura oferece alteridade, a
experiência de sair de si e de ser interpelado por outras vozes, tempos e
mundos.
É neste ponto que se torna decisiva a afirmação de que o ser
humano não é, nem deve ser, uma marionete. Errar, hesitar, interpretar, reler,
mudar de sentido fazem parte da nossa condição. A leitura, entendida em
profundidade, pode ser um gesto de resistência contra a automatização da
subjetividade, isto é, contra a tentação de nos pensarmos como sistemas
eficientes de respostas imediatas. Quando reduzida ao seu valor prático e
instrumental, a leitura perde a sua dimensão formadora. Mas quando acolhida na
sua essencialidade, ela contribui para a construção de um sujeito mais atento,
mais crítico e mais humano.
A literatura, em particular, é um espaço privilegiado de complexidade
moral. Ela não simplifica o mundo nem oferece soluções rápidas para as vidas
humanas. Pelo contrário, introduz obstáculos, dilemas e dificuldades que
enriquecem a experiência de quem lê. O ambiente digital tende a caminhar no
sentido oposto: favorece posições rápidas, indignações instantâneas e
identidades rígidas, facilmente reconhecíveis. A leitura literária ensina a
convivência com o incerto, com o contraditório e com pessoas que não cabem em bordões
morais nem em juízos imediatos.
Como síntese, importa assumir uma posição crítica, mas não reacionária. Trata-se de defender a leitura enquanto prática de atenção num mundo dispersivo; de afirmar o exercício da liberdade contra a personalização algorítmica; de valorizar a leitura como experiência ética de encontro com o outro; e de recusar a redução do gesto humano à lógica da máquina. Nesse sentido, pode dizer-se, em formulação final, que ler é uma forma de dizer “não” à redução da vida e à sua versão somente funcional.
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