O Natal sempre se me apresenta como um tempo que regressa. Mas não regressa o passado tal como foi; regressa a memória que, ao ser evocada, se transfigura. Não me lembro apenas de eventos: lembro-me daquilo que, ao ser recordado, continua a ser vivido por dentro, dando forma ao que somos.
A consciência humana não se fixa no instante. Ela
prolonga-se no tempo, como um laço frágil que liga o que fomos ao que ainda
podemos ser. É nessa continuidade que a memória, atravessada pela emoção e pela
palavra, vai entrelaçando a nossa identidade, não como substância fixa, mas
como processo vivo, sempre inacabado, sempre exposto ao sentido que se renova.
Neste tempo de Natal, sempre povoado de imagens, rituais e
promessas repetidas, talvez o essencial seja prestar atenção à memória que nos
habita. Não como refúgio nostálgico, mas como responsabilidade tranquila e
sossegada. A memória não é, pois, um lugar de repouso, mas uma silenciosa
vitalidade que nos envolve e habita o presente sem renunciar ao futuro.
Se ainda há algo a resgatar neste tempo, talvez seja a
consciência de que o humano não está seguro nem definitivamente afirmado. Ele
constrói-se lentamente: no modo como se lembra, no cuidado que tem com o tempo
vivido e na delicada tarefa de abrir, a partir dele, um futuro que não seja
apenas repetição.
Talvez o Natal, no seu sentido mais humano, seja um precioso
instante de atenção ao tempo que somos, à memória que nos constitui e à
possibilidade - sempre frágil - de não deixarmos o futuro tombar no fácil
esquecimento.
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