quarta-feira, junho 18, 2025

A SUBJETIVIDADE EM CONFUSA INQUIETAÇÃO (2)

Continuando o tema do texto anterior, importa reafirmar que vivemos sob o domínio de uma lógica capitalista que, mais do que à sua articulação com a economia e modos de produção, adentra no mais íntimo do sujeito e da sua subjetividade. A ideologia, para além das ideias políticas ou arrazoados de poder explícito, age enquanto habilidade silenciosa no que à colonização interior do humano diz respeito. Libertando o encorpado das ideias e relações económicas e sociais, a presença capitalista mostra-se como neutra, inevitável e natural, embutindo no campo cultural um sedimento de identificações cujo valor central situa-se no fetiche da mercadoria.

Nesse processo, os elementos culturais oferecidos como referenciais identificatórios já não têm por base laços comunitários, éticos ou históricos, mas sim a promessa de uma certa figura social nos objetos de consumo. A obra subjetiva passa, então, a realizar-se em torno de ausências encobertas por presenças ilusórias, dissonância essa que provoca trapaceira tristeza. Um alienado sofrimento sutil, embora persistente, que decorre de uma discordância entre o que se deseja e o que é apresentado como desejável. Trata-se de uma inquietação contínua que não encontra descanso, porque a compra nunca satisfaz plenamente o desejo que ela mesma produz.

Esse mal-estar estimula o sujeito na busca por suavização imediata, ainda que passageira. E é precisamente essa urgência que as doutrinas capitalistas estudam, exibindo saídas imediatas para angústias que, na verdade, são estruturais. O ruído ideológico, nesse sentido, atua como uma invocação sedutora: consome-se para pertencer, consome-se para ser, consome-se para não sentir a dor do vazio. A adesão ao consumo, portanto, não é um ato puramente racional, mas uma resposta emocional, quase compulsiva, ao sofrimento psíquico que a própria lógica capitalista ocasiona.

Neste conjunto de circunstâncias, torna-se fundamental pensar a função da fantasia na constituição da subjetividade. A fantasia, longe de ser um devaneio infantil ou mera fuga à realidade, forma-se como uma arte inconsciente onde se simulam desejos que, por sua natureza incestuosa ou proibida, não podem ser realizados. Sob o olhar psicanalítico, a fantasia é a tentativa do sujeito de organizar seu desejo frente à interdição simbólica, representada pela repressão.

Ora, essa arte fantasmática tanto pode proporcionar uma satisfação simbólica, através da imaginação, quanto persuadir o sujeito a realizar alguma coisa no mundo real. É essa duplicidade que converte a fantasia numa terra arável ao lucrativo proveito das crenças ideológicas. A palavra capitalista, ao aprisionar essas ocorrências inconscientes, regala objetos de consumo como se fossem compatíveis com os objetos de desejo. O desejo é, assim, aprisionado, desencaminhado, tornado vazio e reencenado num conjunto de incondicionais frustrações e recomeços.

Interpretamos, assim, a realidade através da lente bicôncava das nossas fantasias, constantemente colonizadas por discursos ideológicos, causando uma própria realidade tornada distorcida. A perceção é, deste modo sarcástico, contaminada por esperanças sem recheio, perdendo o sujeito a capacidade de discernir entre o que deseja e o que lhe é posto como desejo. Essa intrusão na descuidada perceção é, talvez, a pista mais pérfida da doutrina cultural contemporânea, pois ela não apenas diz ao sujeito o que deve querer, mas também como fazer sentir-se no imediato da sua relação a isso.

A minha experiência permite-me dizer que a subjetividade moderna é atravessada por uma inquietação vulgarizada, um incómodo persistente que não se transforma, deslocando-se de objeto em objeto, de esperança em esperança. O sobressalto não é apenas confuso: é ocasionado, fomentado e reaproveitado pela própria e insistente ideologia que garante remediar. Eis o ilogismo da subjetividade em tempos de um capitalismo extraviado, que se conforma por aquilo que faz sofrer.

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