domingo, julho 06, 2025

DO LADO DE DENTRO DA LIBERDADE

Vivemos tempos receosos. Tempos em que a liberdade se tornou tema de conversas domesticadas, domesticadas por um moralismo institucional que a reduz a uma simples retórica funcional. Os grandes poderes, cansados, repetitivos, e enfadados de si próprios, continuam a resistir, em nome do bem, do dever, da ordem. Mas esquecem-se da liberdade.

Não falo daquela liberdade que apregoam. Falo da outra, da que ocultam. Daquela que mantêm acantonada, silenciada, sob a forma de uma moral cuidadosamente calibrada. Uma moral que se veste de virtude, mas que não liberta.

Sejamos claros: o problema não está na moral. Está no uso que dela se faz, como expediente, como instrumento. Quando o dever é imposto, quando o juízo é substituído pela obediência, quando o certo e o errado são ditados por quem detém o poder, não estamos perante uma exigência ética, mas diante de uma sujeição disfarçada.

A moral dominante não emancipa: disciplina. E uma liberdade obediente, por mais bem-intencionada que pareça, é uma liberdade que se trai a si mesma. A liberdade verdadeira, a que resiste, a que nos transforma, não é aquela que o poder nos concede. É a que conquistamos ao reagir à sua sujeição. Uma liberdade exigente, enraizada na nossa história e, sobretudo, na nossa responsabilidade.

Ser livre não é um luxo privado. É um compromisso com o Outro. É acolher a história comum com sentido de dever. É assumir que há um dever, sim, um dever, mas um dever que se escolhe. Um dever que se pensa. Um dever que se encarna. Um dever fiel àquilo que nos torna humanos. Eis, então, o ponto de rutura: o dever pode, sim, ser libertador. Mas apenas quando nasce de dentro. Quando vem de um trabalho interior. De uma cultura que sabe distinguir, discernir, ajuizar.

O dever que liberta não se decreta, revela-se. Não rebaixa, eleva. Não impõe, convoca.
Convoca a consciência. Mas como formar essa consciência num mundo treinado para o imediato? Para a recompensa sem ponderação? Para o direito sem dever? Como educar o valor do vínculo, do cuidado, da palavra dada? Como ensinar que formar cidadãos não é formar consumidores?

Educar para a liberdade é educar para o vínculo moral. Para o vínculo afetivo. Para a beleza que não se vende. Para o bem que não se impõe. A ausência de uma referência superior, não uma sentença, mas um símbolo ético, criou um vazio. Um vazio onde tudo é igual, tudo é possível, tudo é negociável. E quando tudo se equivale, tudo se perde. Sem critério, não há escolha. E sem escolha, não há liberdade. Só capricho. Ou pior, o capricho do consumo desmedido.

Salvar a liberdade desse cativeiro moral é urgente. É necessário. E é, sobretudo, uma tarefa filosófica, política e cultural. É dar a conhecer essa falsa moral, obscena, servil, a soldo do poder. É recusar a chantagem que opõe o dever à liberdade. É reconquistar o direito de julgar, de distinguir, de dizer não. É devolver à liberdade o seu valor mais esquecido, ou seja, a sua força moral. A sua grandeza silenciosa.

Importa, sim, ter coragem. Coragem de pensar contra. Coragem de agir com. Coragem de resistir à moral que subjuga, para alcançar a ética que escuta. Coragem, enfim, de afirmar que, ser livre, não é estar acima dos outros, é estar à altura de si mesmo.

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