A cena continua. O pano de fundo resiste, mas o olhar já se
aguça. Se antes nos perguntávamos sobre o teatro do mundo e o papel
inconsciente que nele desempenhamos, agora tornamo-nos mais atentos ao que
sustenta o próprio palco, ou seja, o que dá forma, espessura e coerência à
nossa experiência. Essa força chama-se ideologia. Mas é preciso retirá-la do
lugar comum em que tantas vezes se confina.
A ideologia não é apenas uma coleção de ideias falsas, nem
um discurso manipulador que se impõe de fora. Ela é o próprio tecido onde os
sentidos se entrelaçam e se tornam familiares. Como escreve Terry Eagleton, a
ideologia é uma “trama de significações” que costura o mundo tal como o vivemos,
ou seja, um “tecido de sentido” que não se vê, mas se ressente.
Esse tecido não é feito apenas de palavras. É feito de
hábitos, afetos, gestos, instituições, imagens, lugares comuns, histórias
herdadas. Está nos livros escolares e nos anúncios de perfume. Nos elogios à
meritocracia e no medo de parecer fraco. Está no “bom senso”, mas também
naquilo que sentimos “no corpo”.
Louis Althusser já o tinha intuído, afirmando que a ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. Não os informa apenas, também os integra e organiza. O sujeito nasce, cresce e vive dentro de uma malha simbólica e afetiva que o define antes que ele possa definir-se. E essa malha é material, faz-se nos gestos repetidos, nas roupas que se vestem, nos algoritmos que se seguem, nas palavras que se escolhem, acreditando que está a ser livre.
O mundo não é apenas vivido, é também formatado, formatado por um formato ideológico. É isso que Eagleton nos ajuda a perceber com a sua imagem, afirmando que a ideologia não é um conteúdo que se opõe à verdade, mas uma contextura que organiza o vivido. E, como todo tecido, a ideologia resiste ao corte. Não basta rasgá-la com factos. É preciso perceber como ela nos aquece, nos embala, e tantas vezes se confunde com a própria pele.
Sem comentários:
Enviar um comentário