Não sou das certezas filosóficas, mas sei que, nos seus
primeiros escritos, Marx já estava a romper com Hegel. Enquanto Hegel tratava
as categorias sociais e económicas como expressões de conceitos filosóficos,
Marx fez o inverso: partiu das relações reais - trabalho, propriedade,
alienação - como categorias concretas, historicamente determinadas. Contudo,
Marx ainda escrevia numa linguagem filosófica, o que abriu espaço para uma
confusão duradoura: discutir desigualdade e exploração como se fossem problemas
de ideias e não, sobretudo, problemas materiais.
O resultado é visível ainda hoje. Parte significativa do
debate político perde-se em abstrações - princípios gerais, disputas
ideológicas, “valores” - enquanto as condições concretas de produção,
distribuição e apropriação de riqueza são relegadas para segundo plano. Ao
deslocar o centro da crítica para o campo filosófico, deixa-se intacta a
estrutura económica que sustenta a desigualdade.
Em síntese: trocar a análise da exploração pelo debate de conceitos é oferecer à injustiça a mais confortável das proteções — a de não ser nomeada como tal — deixando-a respirar livremente. Debater abstrações é sempre mais fácil; mudar as condições concretas é que exige luta e trabalho. Eu que o diga — e, por isso mesmo, agradeço ao sindicalismo e a quem o acompanha. A abstração não paga contas, a luta, sim.
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