quinta-feira, outubro 09, 2025

A PALAVRA E AS SUAS SOMBRAS

Eu, como tantos outros, recuso a ideia de um sujeito indiferente à linguagem e ao discurso, alheio à história e à ideologia que o atravessam. O sujeito não fala a partir do nada nem de um ponto zero da expressão; fala a partir de lugares marcados por criações imaginárias e por posições ideológicas que o orientam e o definem. A palavra que profere é, assim, já habitada por outras vozes, por memórias sedimentadas, por ausências que lhe dão forma. Esta deslocação teórica implica abandonar o espelho simplificador da psicologia, onde o sujeito se via inteiro, e substituí-lo por uma compreensão em que o inconsciente e a ideologia se entrelaçam na singular invenção do dizer.

Mas esse percurso simbólico não se projeta no vazio. As criações imaginárias são porosas às desigualdades sociais, às pertenças culturais e às vivências afetivas que desenham o horizonte de cada sujeito. Ninguém fala fora do mundo, fala-se a partir dele, com o seu peso e com as suas feridas. O modo como alguém se representa - a si, ao outro e ao real - depende tanto das condições materiais da vida quanto das inscrições simbólicas e inconscientes que o acompanham. O sujeito da palavra e do discurso é, pois, uma figura de travessia, entre o social e o psíquico, entre o vivido e o representado. Cada palavra que enuncia transporta, tornado difícil a compreensão, o enredo humano da história que a faz existir.

Em síntese, diria que tal pensamento conduz à compreensão de que o sujeito, ao comunicar, é inseparável das condições históricas, ideológicas e culturais que o moldam. Longe de ser uma consciência livre, ele é efeito de entrelaçamentos entre língua, ideologia e inconsciente, habitado por formações imaginárias que refletem as desigualdades e pertenças que o constituem. É nesse ponto de confluência entre o social e o íntimo, entre o dito e o silenciado, que o sujeito encontra a sua voz, uma voz nunca inteiramente sua, mas sempre marcada pela história que a precede e pela humanidade que a sustenta.


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