quinta-feira, outubro 30, 2025

CHEGA DE TRETA GROSSEIRA

Vive-se um tempo em que pensar é obra de resistência. Agimos num espaço público tomado pelo alarido, pelo obstáculo e pelo grotesco, momentos estes em que a grosseria se confunde com coragem e a boçalidade se veste de virtude. Mas não chega, pois troca-se o assunto pelo enxovalho, o diálogo pelo alvoroço e a verdade pelo espetáculo.

A extrema-direita não tem tido êxito propriamente pelas suas ideias, mas pela sua teatralidade, escarcéu e violência simbólica. Daí que resistir exija restituir à palavra a sua dignidade, à razão a sua qualidade e à crítica a sua coragem. Argumentar tem sempre por missão aprofundar e refazer a conversa humana. Desconstruir, por sua vez, procura impedir que a razão se torne opressiva. Ironizar, como é óbvio, procura desvendar a comédia da ignorância triunfante.

Estes três procedimentos - argumentar, desconstruir, ironizar - revelam que a crise política de hoje é também uma crise das alocuções. Contra a regra dos ruidosos paspalhões, pensar não é luxo nem retórica: torna-se, sim, uma generosa insubmissão. Pensar, nestas circunstâncias, é dizer não à cegueira organizada, não à banalização do ódio, não ao ruído que se faz passar por verdade.

Corre-se o risco de viver num tempo em que se excluem os melhores para que os idiotas continuem a conduzir cegos. É a regra tácita de uma cultura que confunde espontaneidade com verdade e agressividade com autenticidade. Acredite-se, pois, que a palavra pode ter sentido, mesmo quando parece que o mundo a perdeu.

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