Vive-se um tempo em que pensar é obra de resistência. Agimos num espaço público tomado pelo alarido, pelo obstáculo e pelo grotesco, momentos estes em que a grosseria se confunde com coragem e a boçalidade se veste de virtude. Mas não chega, pois troca-se o assunto pelo enxovalho, o diálogo pelo alvoroço e a verdade pelo espetáculo.
A extrema-direita não tem tido êxito propriamente pelas suas
ideias, mas pela sua teatralidade, escarcéu e violência simbólica. Daí que
resistir exija restituir à palavra a sua dignidade, à razão a sua qualidade e à
crítica a sua coragem. Argumentar tem sempre por missão aprofundar e refazer a
conversa humana. Desconstruir, por sua vez, procura impedir que a razão se
torne opressiva. Ironizar, como é óbvio, procura desvendar a comédia da
ignorância triunfante.
Estes três procedimentos - argumentar, desconstruir,
ironizar - revelam que a crise política de hoje é também uma crise das
alocuções. Contra a regra dos ruidosos paspalhões, pensar não é luxo nem
retórica: torna-se, sim, uma generosa insubmissão. Pensar, nestas
circunstâncias, é dizer não à cegueira organizada, não à banalização do ódio,
não ao ruído que se faz passar por verdade.
Corre-se o risco de viver num tempo em que se excluem os
melhores para que os idiotas continuem a conduzir cegos. É a regra tácita de
uma cultura que confunde espontaneidade com verdade e agressividade com
autenticidade. Acredite-se, pois, que a palavra pode ter sentido, mesmo quando
parece que o mundo a perdeu.
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