O casório entre o Chega e o Reconquista não é um imprevisto político, é uma conveniente e simples ocorrência. Irrompe da confluência entre a indignação e a saudade, entre o populismo do alarido e o sebastianismo do regresso. Um e outro revelam a mesma morfologia afetiva: o pavor do presente e a poetização de um passado que nunca aconteceu.
Este enlace, que se anuncia patriótico, é, na verdade, uma
resposta à desagregação de certezas. Quando o mundo se torna variado e plural,
há sempre quem procure resguardo na miragem de uma pureza original, seja ela
religiosa, cultural ou moral. É esse refúgio imaginário que o Reconquista
cavaqueia com o Chega, no sentido de uma ecologia simbólica onde o ódio se
disfarça de virtude e a incultura se apresenta como sapiência popular.
O íntimo da “reconquista” de que falam não é apenas político,
é sobretudo psicológico pois trata-se de uma tentativa de reconstruir uma
identidade perdida, de devolver à história o que o tempo e a liberdade
inevitavelmente perverteram. Mas, como é claro, aquilo que se pretende
recuperar não é o país, é sim o poder de o escolher. O que está em jogo é,
pois, o açambarque da palavra “Portugal” e da sua exclusividade. Em suma, a
reconquista é apenas o disfarce nobre de uma rendição antiga, melhor dizendo, a
da inteligência ao conforto das certezas.
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